Acórdão nº 320/13.4GATBU.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução02 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo n.º 320/13.4GATBU.C1 da Comarca de Coimbra, Coimbra – Inst. Central – Sec. Ins. Criminal – J2, findo o Inquérito o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente a um eventual crime de ameaça denunciado pelo assistente A... contra o arguido B... , ambos melhor identificados nos autos, do mesmo passo que considerou haverem sido indícios suficientes da prática pelo último de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do C. Penal, cuja notificação, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 285º do CPP.

  1. Na sequência do que veio o assistente a deduzir acusação particular contra o arguido, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º do C. Penal, acusação, essa, acompanhada pelo Ministério Público, e requerer a abertura da instrução com vista à pronúncia do arguido pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, alínea a) do C. Penal.

  2. Finda a fase de instrução – no decurso da qual veio a ser comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos - foi proferido decisão instrutória, pronunciando o arguido pela prática de um crime de coação na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e n.º 2, 155.º e 22º, todos do C. Penal.

  3. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: I. Não se conforma o Arguido/Recorrente com a Decisão proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, pela qual o pronunciou pela prática pelo Arguido/Recorrente do crime de coação na forma tentada, p. e p. pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 154.º, artigo 155º e 22º todos do Código Penal, havendo, por isso, determinado pronunciar o Arguido/Recorrente.

    1. É convicção do Arguido/Recorrente que nenhuma censura merecia o Douto Despacho de Arquivamento proferido nos presentes, no que à prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo n.º 1 do art. 153.º do CP, denunciada pelo Assistente, se refere.

    2. Resulta do teor da decisão de pronúncia proferida pelo Tribunal “a quo” o seguinte: “(…) – O arguido de imediato, dirigindo-se ao assistente, proferiu a seguinte expressão “ó meu menino, meu grande filho da puta, meu cabrão, se voltas a despejar merda à porta da minha mãe eu quando for aí à terra passo-te com o carro por cima e parto-te os dentes todos da boca”.

    Ora, no caso em análise, resulta claramente da leitura da expressão proferida pelo arguido que a ação por este pretendida é que o assistente não despeje as fossas sépticas à frente da porta da mãe do arguido.

    E a expressão utilizada pelo arguido é claramente suscetível de ser levada a sério pelo assistente, pois para além da agressividade das mesmas, continham ainda a ameaça de morte, caso este não agisse nos termos em que o arguido pretendia.

    E pese embora não se tenha provado que o assistente omitiu a conduta para que foi constrangido, o certo é que aquela expressão tinha potencialidade para alcançar esse desiderato.

    Assim, considerando que para a prática do crime de coação sob a forma tentada, basta que a conduta do arguido, sob a forma tentada com um mal importante, seja objetivamente capaz de obrigar outrem a praticar um ato, a omiti-lo, ou a suportar uma determinada atividade (art.º 22.º n.ºs 1 e 2 b) do CP), haverá que concluir que o arguido cometeu um crime de coação sob a forma tentada.

    Mais há que dizer que da expressão utilizada resulta que o ato prometido é a morte, pelo que a conduta do arguido é subsumível ao art.º 154º do CP, com a agravação prevista no art.º 155º do CP.

    (…) Assim, terá a decisão de ser de pronúncia. (…)”.

    IV) Constata-se que das diligências realizadas em sede de instrução não resultou a produção de prova que aditasse quaisquer indícios da prática de crime pelo Arguido/Recorrente, como reconhece o Douto Tribunal “a quo”, sendo manifesto que a decisão em apreço radica – apenas e só – na interpretação e subsunção jurídica pronunciada pelo Tribunal “a quo” relativamente aos elementos probatórios carreados para os autos em sede de inquérito.

    1. Não se conforma o Arguido/Recorrente com a subsunção jurídica realizada pelo Tribunal “a quo”.

      VI) Pois que, da leitura do tipo incriminador incito no n.º 1 do artigo 154.º do Código Penal (coação) logo se alcança que o que se pretende proteger com tal normativo é o direito individual de liberdade de ação, de resto constitucionalmente consagrado. Visando tal norma a proteção da livre autodeterminação da vontade e da livre expressão da mesma, por parte do ofendido.

      VII) A coação é, pois, a imposição a alguém de uma conduta contra a sua vontade e consubstancia-se, como diz a lei, no constrangimento ilegal de outrem por determinado meio e com vista a determinado fim. E, constranger é obrigar alguém a assumir uma conduta que não depende da sua vontade, ou seja, é violar a liberdade de autodeterminação.

      VIII) In casu importa aferir se a conduta do Assistente visada pela expressão alegadamente proferida pelo Arguido/Recorrente dependia da livre vontade deste ou se, pelo contrário, já se encontrava limitada pela própria lei, estando assim em causa a apreciação da existência de indícios quanto à ameaça do Arguido/Recorrente ao Ofendido, enquanto meio de coação.

      IX) E entende o Arguido/Recorrente, S.M.O., que tal liberdade do Assistente já se encontrava, originariamente, limitada.

    2. Como bem havia concluído o Digno Magistrado do Ministério Público a expressão alegadamente proferida pelo Arguido/Recorrente e dirigida ao Assistente não foi apta a colocar em causa o bem jurídico tutelado pela norma, i.e., a liberdade de decisão e determinação e de ação do Assistente.

      XI) Tal liberdade – de “(…) despejar merda à porta (…)” da mãe do Arguido/Recorrente – já se encontrava limitada, dado que a verificar-se sempre incorreria o Assistente na prática de um crime (de dano, p. e p. pelo art. 212º, ou de poluição, p. e p. pelos art. 279º e 290º, todos do Código Penal) ou de uma contraordenação. E a liberdade individual tem como limite os direitos, liberdades e garantias de terceiros – neste caso, as da Mãe do Arguido/Recorrente.

      XII) Resulta evidente que a expressão proferida pelo Arguido/Recorrente não se reputa adequada a causar prejuízo à liberdade de determinação do Assistente, antes seria apta a motivá-lo a conformar-se com o direito, respeitando os direitos de terceiro e, bem assim, não praticando qualquer crime. Como tal, o anúncio do mal incito na expressão alegadamente proferida pelo Arguido/Recorrente apenas se poderá entender como um apelo dirigido ao assistente para que não pratique uma conduta lesiva dos direitos da mãe do Arguido/Recorrente.

      XIII) Entendimento este que vem sendo o sufragado pela Jurisprudência, como resulta do Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 13.05.2014, em sede dos autos com o n.º 29/11.3GEALR.E1, consultável in www.dgsi.pt, onde, sobre questão similar, se pode ler o seguinte: “(…) I – Não é suscetível de integrar o crime de ameaça a expressão proferida pelo arguido quando se dirigiu aos ofendidos “se fizerem mais algum mal ao F., corto-vos os pulsos e o pescoço”, pois tal expressão, no contexto em que foi proferida, não se revela adequada a...

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