Acórdão nº 160/12.8GAPNI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução02 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Nos autos de processo comum (singular) que, sob o nº 160/12.8GAPNI, correram termos pela Secção de Competência Genérica, Instância Local de Peniche, da Comarca de Leiria– J1, foi o arguido A...

submetido a julgamento, acusado pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1 do Código Penal com referência à contraordenação causal prevista no artigo 46º, nº 1 do CE.

A assistente G.... deduziu pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros H... , S.A., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia global de € 65.000,00, correspondente ao dano pela perda do direito à vida, no montante de € 40.000,00, e aos danos morais sofridos pela assistente, mulher da vítima, no montante de € 25.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da citação até integral pagamento.

B... e C... deduziram pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros H... , S.A. e contra o arguido, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia global de € 80.000,00, relativos à perda do direito à vida e os danos morais sofridos pelos demandantes, pais da vítima, com a morte, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da decisão até integral pagamento.

O arguido apresentou contestação.

A demandada civil Companhia de Seguros H... , SA, apresentou contestação, referindo que quanto ao pedido de indemnização formulado pela mulher da vítima, peca por excessivo, sendo que os juros são devidos apenas desde a decisão e quanto ao pedido de indemnização formulado pelos progenitores da vítima, estes não têm legitimidade, pois se o falecido deixou cônjuge sobrevivo apenas este tem direito à indemnização.

Os demandantes B... e C... responderam à contestação apresentada pela demandante, referindo que têm direito a receber indemnização, e que não se trata de um exceção de ilegitimidade, mas uma situação de improcedência do pedido, concluindo que deve ser julgada improcedente a exceção de ilegitimidade. Por despacho de fls. 258 e 259 não foi admitido o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes B... e C... contra o arguido A... .

Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença, decidindo nos seguintes termos (extracto): «Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:

  1. Absolver o arguido A... , da prática do crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1 do Código Penal.

  2. Absolver a demandada COMPANHIA DE SEGUROS H... , SA do pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes B... e C.

  3. Condenar a demandada COMPANHIA DE SEGUROS H... , SA a pagar à assistente G... a quantia global de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida dos juros vincendos desde a data da presente sentença até integral pagamento, absolvendo-a do pedido de juros vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil.

  4. Condenar os demandantes B... e C... nas custas do pedido de indemnização civil por si formulado (artigos 527º do CPC e 523º do CPP).

  5. Condenar a demandada Companhia de Seguros H... , SA nas custas do pedido de indemnização civil formulado pela assistente G... (artigos 527º do CPC e 523º do CPP).

  6. Sem custas criminais.» Inconformados, os demandantes cíveis B... e C interpuseram o presente recurso, que motivaram, concluindo nos seguintes termos: A) Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, máxime após o acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência de 17/3/1971 (BMJ 205/150), que, em caso de morte, do artº 496º, 2 e 3 do CC resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: - o dano pela perda do direito à vida; - o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; - o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como seja o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.

  1. Como resulta do ac. do STJ de 17 de Março de 1971, - tirado em reunião conjunta de secções e com tal objectivo, nos termos do artº 728º, 3 CPC (redacção então em vigor) -, a tese de que a perda do direito à vida é um direito de personalidade, em si mesmo, passível de reparação pecuniária, porque a violação ilícita desse direito não pode deixar de dar lugar à obrigação de indemnizar, nos termos do artº 483º, 1, do CC e que a obrigação nasce no momento em que o agente inicia a prática do acto ilícito, integrando-se o correspondente direito a essa reparação no património da vítima e assim e transmitindo aos seus herdeiros, mesmo que a morte seja imediata.

  2. Relativo ao dano pela perda do direito à vida, na sequência daquele referido acórdão uniformizador de jurisprudência, a jurisprudência, ao longo de décadas teve sempre a mesma doutrina, ou seja, “a perda do direito à vida é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação gerada pela acção de que a morte é consequência. Tal direito à reparação integra-se no património da vítima e, com a morte desta, mantém-se e transmite-se aos seus sucessores, mesmo que se trate de morte imediata”.

  3. Foi esta pacífica orientação jurisprudencial, de que são exemplos os acórdãos do STJ de 27/3/79 (proc.067802), de 19/4/1979 (p.067823), de 24/3/1981 (p.069118), de 4/3/1982 (p.0697796), de 16/3/90 (p.078225) e de 15/10/97 (p.98P302), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj, entre muitas dezenas de outros acórdãos sobre a mesma questão, que podem ser encontrados no mesmo sítio e que se manteve sempre, apesar de até cerca de meados da década de 80 do séc. XX, o cônjuge não ser herdeiro, o que só sucedeu a partir de 1 de Abril de 1978.

  4. Esta é a jurisprudência correcta, pois, sendo titular do bem ofendido a vítima – quer no caso de morte, o bem vida, quer no caso de ofensa corporal, o bem integridade física – a respectiva indemnização integra-se logicamente no seu património, quer diga respeito à ofensa do bem vida, quer diga respeito à ofensa do bem integridade física.

  5. Da mesma maneira que o progenitor não pode vir em nome próprio reclamar um crédito do filho, também, após a morte do mesmo, só pode reclamar invocando a qualidade de sucessor, pelo que a indemnização por ofensa do bem vida, bem como a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, só por esta, ou no caso de morte, pelos seus sucessores pode ser reclamada.

  6. Caso contrário, estamos perante um caso de ilegitimidade processual, porquanto sucessor não é, salvo nessa qualidade, titular de um interesse directo. - Cfr. artº 30º do NCPC.

  7. A decisão proferia, no sentido de considerar que a indemnização pela perda do direito à vida da infeliz vítima se insere nos danos não patrimoniais próprios do cônjuge não tem qualquer coerência com a titularidade do direito ou interesse violado.

  8. Determina o artº 9º, 3, do CC que “na fixação do sentido e alcance da letra da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, pelo que interpretação seguida na sentença faz do legislador – os julgadores que consagraram a indemnização pela perda do direito à vida -, pelo menos, pessoas muito distraídas que atribuindo a titularidade do direito à vida e integridade física à vitima, fazem radicar de forma originária o direito de indemnização pela sua violação em outras pessoas terceiras e permitem duas soluções sobre a titularidade do direito à indemnização, consoante o ofendido morra ou não, o que é uma total e completa aberração, pois os direitos de crédito nãos e extinguem com a morte do credor.

  9. Face ao exposto, tem de ser revogada a sentença recorrida, na parte em que julgou o pedido dos ora recorrentes quanto à indemnização pela violação do direito à vida do seu filho F... , como sucessores que são do mesmo, nos termos legais.

  10. Entende também a decisão recorrida que os ora recorrentes estão excluídos do direito à indemnização por danos próprios, embora tenham sido considerados provados factos demonstrativos do sofrimento dos ora recorrentes. – Cfr. factos 47 a 51 -, seguindo uma interpretação restritiva do artº 496º, 2, CC, no sentido de que os ascendentes só têm direito a indemnização por danos morais se não houver cônjuges, nem descendentes.

  11. Segundo os critérios de interpretação da lei, vertidos no nº 1 do artº 9º do CC, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

  12. Ao tempo em que entrou em vigor o CC, o artº 2133º, na sua redacção inicial, excluía o cônjuge da qualidade de herdeiro, mas entendeu o legislador, em matéria infortunística, em especial de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a morte de alguém, não podia deixar de ser originariamente atribuído o direito à indemnização por esses danos por ele sofridos e englobou o cônjuge logo na primeira linha das pessoas com direito a essa indemnização, pois é o cônjuge e os descendentes que foram o núcleo familiar directo de cada pessoa.

  13. Em 1 de Abril de 1978 o legislador consagrou a regra de que o cônjuge também era herdeiro, através da alteração do artº 2133º CC, mas apesar de o considerar herdeiro legitimário, juntamente com os descendentes do falecido, entendeu de seguida que, na falta destes, o cônjuge seria herdeiro juntamente com os ascendentes, pois considerou que o vínculo matrimonial não destruía a relação de sangue, nem atenuava a mesma e, mantendo os direitos do cônjuge, chamou à sucessão os ascendentes se ainda forem vivos.

  14. Ora é o que se passa, na interpretação do artº 496º, 2, CC, pelo que, ao atribuir uma indemnização originária aos descendentes, a lei teve em vista o núcleo familiar directo, pelo que, determinou que, na falta de descendentes, seriam...

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