Acórdão nº 3053/12.5TJCBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução16 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO G (…) veio, por apenso à execução que contra si é movida por D (…) deduzir oposição à execução, peticionando o respetivo arquivamento, com os seguintes fundamentos: o cheque apresentado à execução está prescrito e não reúne as condições necessárias para se preencher o artigo 46, al. c), do Código de Processo Civil; por outro lado, o alegado empréstimo que o exequente diz ter feito à executada no valor de € 22.000,00 euros, a título de mútuo, obrigava à redução a escritura pública, sob pena de nulidade por vício de forma, pelo que o documento em causa não reúne os requisitos inerentes a um título executivo.

Notificado o exequente, o mesmo deduziu contestação, alegando que, pelo facto de se encontrar prescrito, o cheque foi apresentado como documento particular nos termos da al. c), do artº. 46, do Código de Processo Civil, pelo que, apesar da nulidade do contrato de mútuo, o título continua a ser exequível.

Pede, a final, que os embargos de executada sejam julgados totalmente improcedentes, por não provados, e a condenação da executada como litigante de má-fé.

O juiz a quo, considerando reunirem os autos todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito, proferiu saneador/sentença, julgando procedente a presente oposição à execução, na sequência da inexequibilidade do título, determinando a extinção dos autos executivos principais.

* Inconformado com tal decisão, o exequente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1.ª Vem o presente recurso de apelação interposto pelo exequente da sentença proferida nos autos à margem referenciados, que julgou a oposição à execução totalmente procedente e, em consequência, determinou a extinção dos autos executivos principais, por entender que o documento particular – cheque prescrito − apresentado nos autos executivos principais, é inexequível, por força da nulidade do contrato de mútuo que lhe é subjacente.

  1. A questão a decidir é, assim, a de saber se o cheque prescrito apresentado enquanto documento particular, pode ser considerado título executivo, por o negócio jurídico que lhe subjaz ser nulo por vício de forma.

  2. No caso sub judice, o recorrente instaurou uma execução comum para pagamento de quantia certa apresentando como título executivo um documento particular − cheque prescrito − ao abrigo da alínea c) do artigo 46.º do Código de Processo Civil (na redação em vigor à data da instauração da execução).

  3. Por não constar do documento particular a causa da obrigação, o exequente alegou que o cheque prescrito titulava o negócio jurídico celebrado entre o ora recorrente e a executada, nomeadamente um contrato de mútuo através do qual o recorrente emprestou à executada o montante de € 22.000,00 com vista ao pagamento de dívidas a fornecedores.

  4. Entende o recorrente que o documento particular apresentado nos autos executivos principais continua a ser exequível, havendo lugar à restituição da quantia mutuada por força da nulidade do mútuo celebrado, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, porquanto, o documento particular apresentado é exequível para exigir a obrigação de restituição em consequência da nulidade do negócio causal, uma vez que a existência da dívida exequenda se acha presumida, nos termos do n.º 1 do artigo 458.º do Código Civil.

  5. Tal entendimento é sufragado pela jurisprudência maioritária e mais recente: − Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.04.2012 (consulta disponível em www.dgsi.pt), (…) − Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.06.2014 (consulta disponível em www.dgsi.pt), (…) − Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2009 (consulta disponível emwww.dgsi.pt), (…) 7.ª Esta solução jurisprudencial é também suportada pelo supra referido Assento n.º 4/95 de 28.03.1995, segundo o qual em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio, sempre ele seria obrigado ao que lhe é pedido, além de se evitar ao peticionante o ónus de propor nova ação (com acento na nulidade) e cujos efeitos e fins seriam os mesmos, evitar esse que o princípio da economia processual aconselharia.

  6. Ao decidir pela procedência total da oposição à execução e consequente extinção da ação executiva, a sentença recorrida revela-se manifestamente avessa à celeridade e economia de meios, ao impor ao ora recorrente a propositura de uma ação declarativa destinada a obter reconhecimento de um direito que já se encontra presumido em documento assinado pela executada, revelando-se, igualmente, excessiva e injustificadamente protetora das garantias de defesa da executada, a qual poderá, em qualquer das situações, provar que não foi celebrado qualquer contrato de mútuo ou entrega da quantia mutuada.

  7. O Tribunal recorrido violou expressamente as normas dos artigos 6.º, n.º 1 e 703.º, n.º 1, alínea c) do Novo Código de Processo Civil e deveria ter aplicado os artigos 289.º, n.º 1 e 458.º do Código Civil.

  8. Razão pela qual, fazendo-se uma correta interpretação das normas legais invocadas, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em sua consequência, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento da ação executiva.

* Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais ao abrigo do disposto no nº4, do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil[1], a questão a decidir é uma só: 1. Se um cheque prescrito pode constituir título executivo, quando o negócio subjacente à sua subscrição é constituído por um mútuo nulo por falta de forma.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O Juiz a quo teve em consideração os seguintes factos com interesse para a decisão da questão em apreço: 1. A 14 de Setembro de 2012, D (…) intentou execução comum para pagamento de quantia certa de 25.601,97 euros, com fundamento em documento particular: cheque, contra G (…) – facto assente que resulta do requerimento executivo apresentado na ação executiva principal.

  1. Ainda no requerimento executivo, na secção sob o título “FACTOS”, ficou a constar que: “O ora exequente celebrou com a executada um contrato de mútuo, pelo qual lhe emprestou a quantia de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), que a executada recebeu e fez sua.” Tal quantia tinha como finalidade o pagamento a fornecedores da executada.

    A executada obrigou-se a restituir a quantia mutuada no prazo de 15 dias, tendo emitido para o efeito um cheque no valor de € 22.000,00, em 22.07.2008.

    Apresentado a pagamento, em 25.07.2008, o cheque foi recusado por extravio, conforme declaração aposta no verso do mesmo.

    Tal cheque constitui título executivo nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do CPC.

    Apesar de devidamente interpelada para o efeito, a executada nunca cumpriu voluntariamente, mantendo-se a quantia mutuada em dívida até aos dias de hoje, pelo que foi o exequente obrigado à instauração da presente execução e por via dela peticionar o pagamento coercivo pela executada.

    Nesse seguimento, para além do capital em dívida, o exequente é ainda credor dos juros vencidos à taxa legal anual de 4% desde a data em que o cheque foi recusado até à presente data, no montante de € 3.601,97 (três mil, seiscentos e um euros e noventa e sete cêntimos), tudo no montante total de € 25.601,97 (vinte e cinco mil, seiscentos e um euros e noventa e sete cêntimos), bem como juros vincendos até efetivo e integral pagamento” * O Juiz a quo, considerando que o cheque (prescrito) foi utilizado como um documento particular titulando um empréstimo nulo por falta de forma, concluiu que a invalidade...

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