Acórdão nº 48/15.0GBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução09 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 48/15.0GBLSA.C1 do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Instância Local de Lousã, – Secção Comp. Gen, J1, mediante acusação pública, foi o arguido A... , divorciado, gerente, filho de (...) e de (...) , nascido a 14/06/1984, natural de (...) , Ovar, portador do Cartão de Cidadão n.º (...) e residente na x(...) , , Lousã, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, agravado, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a) e c) e n.º 2 do Código Penal.

  1. Realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso do qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos - cf. fls. 880 -, por sentença de 30-10-2015 (depositada na mesma data) o tribunal decidiu (transcrição parcial): “(..) Pelos fundamentos expostos julgo procedente a acusação e parcialmente procedente pedido de indemnização cível, e por conseguinte decide-se: I. Parte Criminal: a. Condenar o arguido A... pela prática em autoria material, de um crime de violência doméstica, agravado, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a) e c) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    1. Determinar a suspensão da execução da pena de prisão pelo mesmo período de tempo, suspensão essa acompanhada de regime de prova afim de promover a reintegração do condenado na sociedade, assente em plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social (art. 53º, nº1 e 2 do CPenal) e ainda condicionado às seguintes regras de conduta (art. 52º, nº3 do CPPenal): (1) Proibição de contactar com a vítima por qualquer meio; (2) Proibição de uso e porte de armas pelo período de dois anos e seis meses; (3) Proibição de se aproximar do local de trabalho e do local de residência da assistente, sem prejuízo dos contactos excepcionais e estritamente relacionados com a regulação das responsabilidades parentais, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se se vier a revelar continuar a ser necessário.

      c. Condeno o arguido nas custas crime, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s e nos encargos do processo (arts. 513º/1 e 514º/1, ambos do CPP, e art. 8º/9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário caso se mantenha (cfr. fls. 773/775).

      1. Parte Cível: a. Julgo parcialmente procedente o pedido cível deduzido pela demandante B... contra o demandado A... , e, consequentemente, condeno-o no pagamento à demandante civil do valor de €1.600,00 (mil e seiscentos euros) a título de danos não patrimoniais.

      b. Uma vez que o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais foi objecto de decisão actualizadora, já que foram fixados valores indemnizatórios actuais, devem os juros ser contados, apenas, a partir da presente decisão, à taxa legal supletiva para os juros civis até efectivo e integral pagamento.

    2. Condenar nas custas do pedido de indemnização cível que serão a suportar pelo demandado e pela demandante na proporção do decaimento (art. 527º, n.º 2, do Código Processo Civil, aplicável ex vi do art. 523.º do Código de Processo Penal e art. 4º/1, al. n), a contrario, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário de que ambos gozam (cfr. fls. 610 e fls. 773/775).

    3. Fixo o valor da acção para efeitos do pedido cível em €2.500,00 – cfr. arts. 297º, nº1 e 306º, nº1 do Código Processo Civil ex vi do art. 523.º do Código de Processo Penal.

      * Após trânsito: - Solicite à DGRS a elaboração do competente plano de reinserção social nos termos do nº1 e 3 do art. 494º do CPPenal, remetendo para o efeito aos serviços de reinserção social cópia da presente sentença.

      - Oportunamente, deverá a DGRS remeter aos autos as competentes informações/relatórios, designadamente, alertando com urgência os autos no sentido da necessidade de proibição de contacto com a vítima, ser fiscalizada através dos meios técnicos de controlo à distância, nos termos dos arts. 152º, nº4 e 5 do Cód. Penal, 1º, al. e), e 4º, nº5, 9º e 10º da Lei 33/2010, de 02 de Setembro, 35º e 36º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro.

      - Cumpra-se o disposto no artigo 37º, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro e Divulgação 80. De 13 de Abril de 2012 do Conselho Superior da Magistratura e Oficio-circular 32/DGAJ/DSAJ, de 14 de Maio de 2012 da DGAJ (comunicação, sem dados nominativos, ao organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género, bem como à Direcção-Geral da Administração Interna, para efeitos de registo e tratamento de dados, através de correio electrónico).

      -Remeta boletins à D.S.I.C.

      (…)».

  2. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: “1º.

    Considera o arguido que foi proferida uma decisão incorreta tanto na valoração da prova produzida, como na aplicação do Direito, pelo que existe: 2º.

    A- a violação da exceção do caso julgado e do princípio ne bis in idem B- a nulidade da acusação pública e consequentemente da sentença recorrida porquanto padece de omissão de pronúncia, de insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, e a prova produzida em audiência impunha decisão diversa quanto aos factos que constam dos pontos 3 a 41 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, os quais deviam ter sido dados como não provados; C- a decisão recorrida violou o princípio in dubio pro reo; D- da prova feita resulta que os factos dados como provados não integram a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, pelo que se impunha a absolvição do arguido; 3º.

    A- a violação da exceção do caso julgado e do princípio ne bis in idem O Tribunal a quo quando julgou verificada “a exceção do caso julgado da violação do princípio ne bis in idem apenas no que concerne ao facto descrito no décimo segundo parágrafo do libelo acusatório, a saber “No dia 13 de Março de 2009, na sequência de mais uma discussão o arguido desferiu um murro no rosto da ofendida”, pelo que tal facto não será atendido na presente sentença no que concerne ao preenchimento da tipicidade penal ” 4º.

    E que “pelo menos, o ano de 2006 até à dita situação de 13 de Março de 2009, uma vez que estes factos não foram em concreto denunciados, pelo que não era possível que os poderes investigatórios do Ministério Público se estendem àquilo que não fora denunciado, sendo certo que não se trata de situações de continuação criminosa, pelo que quanto aos restantes factos da acusação não se verifica a excepção do caso julgado do violação do principio ne bis in idem. ” (itálico e sublinhado nosso).

    1. Ora, não existem dúvidas que a ofendida/denunciante denunciou em Março de 2009 o que efetivamente haviam sido as situações ilícitas após iniciar a relação com o denunciado, nos últimos 6 meses (antes de Março de 2009) e no decurso de Março de 2009.

    2. Na denúncia apresentada pela ofendida em 2009 todos estes factos foram ou poderiam ter sido investigados (especialmente se tivessem mesmo acontecido, o que não é verdadeiro mas sim mais uma ficção da ofendida para prejudicar o arguido), pois todo este período fazia parte da denúncia de factos suscetíveis de integrar o crime de violência doméstica, mas não foram.

    3. Pelo exposto, “cai por terra” toda a argumentação do Tribunal a quo no sentido em que “não faz pois, sentido o “esquecimento /exclusão dos factos anteriores, ou seja, entre, pelo menos, o ano de 2006 até à dita situação de 13 de Março de 2009, uma vez que estes factos não foram em concreto denunciados, pelo que não era possível que os poderes investigatórios do Ministério Público se estendessem àquilo que não fora denunciado, sendo certo que não se trata de situações de continuação criminosa, pelo que quanto aos restantes factos da acusação não se verifica a excepção do caso julgado do violação do princípio ne bis in idem." 8º.

      Face ao exposto, todo o comportamento descrito na denúncia efetuada pela ofendida em Março 2009 (NUTPC 115/09.0GBLSA ) terá que se considerar exaurido por ter sido já objeto de apreciação e decisão homologatória de desistência de queixa e arquivamento, e não podia ser conhecido neste novo processo in casu pois que integrando o crime único de violência doméstica imputado ao recorrente, comportaria a violação do caso julgado e da garantia constitucional do ne bis in idem, como de resto se sustenta. E tendo-o sido, restará julgar verificada a exceção do caso julgado por violação do princípio ne bis in idem e, em consequência, revogar a sentença recorrida.

      B - A nulidade da acusação por não obedecer aos requisitos do art. 283 n° 3 al. b) do CPP e o consequente vício da insuficiência de prova para a matéria de facto provada.

    4. De acordo com o disposto no artigo 283°, número 3, al. b) do Código de Processo Penal, a acusação tem de conter, sob pena de nulidade, "A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada".

    5. Não é possível a ninguém defender-se de imputações como as que são feitas ao arguido na acusação.

    6. Num período de tempo superior a dez anos imputa-se ao arguido um número indeterminado de ações, cujo conteúdo individualizado nem sequer está bem delimitado, o que constitui nulidade da acusação.

    7. Todavia, é face à falha na construção da acusação que de acordo com o art.374, n°2, CPP deve ser aferida a falta de fundamentação da sentença penal, a qual deveria ser composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos...

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