Acórdão nº 63/11.3TBLMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A...

    e mulher, R..., casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes no Lugar da ..., instauraram contra E... e mulher, M..., residentes na Urbanização do ..., acção declarativa de condenação, então a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação dos RR a reconhecerem que a quantia por eles entregue a título de sinal e princípio de pagamento lhes é devida, a eles AA, e ainda no pagamento da quantia de € 29.630,00 (vinte e nove mil, seiscentos e trinta euros) a título de reembolso das despesas efectuadas e indemnização pelos prejuízos sofridos.

    Em fundamento alegaram, em síntese, que o autor marido se dedica à actividade de construção de edifícios para terceiros e também para venda, em cujo exercício edificou um prédio urbano de habitação familiar em regime de propriedade horizontal no lugar do ...

    Mais alegaram ter o autor marido celebrado com os RR em 17 de Agosto de 2006 contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual o primeiro declarou vender aos segundos que, por seu turno, declararam comprar, a fracção autónoma identificada pela letra S, correspondente ao 2.º andar direito do prédio antes identificado, pelo valor de €80.000,00, tendo permitido que os promitentes-compradores habitassem a fracção prometida comprar, uma vez que alegavam não ter onde residir.

    Sucede, porém, que por causa exclusivamente imputável aos RR, sobre os quais recaía o ónus da marcação da escritura e que se furtaram sistematicamente à celebração do contrato definitivo, viu-se o autor forçado a proceder à resolução do contrato-promessa, o que lhe confere o direito a fazer sua a quantia recebida a título de sinal, a que acresce o direito a indemnização no valor de €2.000,00, correspondentes aos juros suportados em consequência do atraso na venda.

    Acresce que, tendo os RR permanecido na fracção prometida vender durante 31 meses sem entregarem aos AA qualquer compensação, ficaram estes privados do rendimento que o arrendamento da mesma proporcionaria, em montante não inferior a €200,00 mensais, sendo certo que, a não ter sido celebrado este contrato, teriam certamente vendido a fracção a um terceiro por igual preço, obtendo um lucro líquido de €5.000,00, perda que alegaram corresponder ao dano contratual negativo cujo ressarcimento igualmente reclamaram.

    Os RR levaram ainda a cabo no imóvel diversas alterações não autorizadas e provocaram estragos nas paredes e portas, cuja reparação e reposição implicaram um custo de €3.630,00, consumiram água e luz no valor de cerca de €2.800,00, a que acresce a depreciação do valor da fracção em montante não inferior a €10.000,00, prejuízos de que os demandantes pretendem também ser indemnizados conforme aqui reclamam.

    Citados os RR, defenderam-se por impugnação, explicitando que aquando da celebração do contrato-promessa o prédio em que se integrava a fracção ainda se encontrava em construção, acabando o autor marido por lhes ceder o gozo do imóvel, ainda que inacabado, assegurando-lhes que poderiam utilizar água e luz da obra sem quaisquer encargos até porque, encontrando-se o prédio por concluir, não era possível celebrar com as entidades competentes o fornecimento de tais serviços.

    Porque o autor marido não concluía o prédio, os RR interpelaram-no mediante missiva enviada no dia 30 de Outubro de 2009, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para efectivar a escritura de compra, sob pena de resolverem o contrato. Na sequência de tal notificação informaram os AA que a fracção se encontrava concluída, tendo a CM de Lamego emitido a competente licença de utilização. Confrontados com o alvará de utilização, e constatando que o edifício não se encontrava concluído, os contestantes requereram a realização de uma nova vistoria, mas porque haviam perdido o interesse na aquisição da fracção, dado o modo como havia sido atribuída a concessão da autorização, consideraram extinto o vínculo contratual e abandonaram o imóvel em finais de Novembro de 2009, vindo a ser-lhes comunicado em Maio de 2010 a decisão da CML no sentido de declarar a nulidade da autorização de utilização emitida e ordenar a respectiva cassação.

    Mais alegaram que a pretensão indemnizatória dos AA, assentando numa conduta contra-ordenacional, não pode ser atendida, uma vez que foi ilícita a ocupação da fracção antes da emissão da licença de habitabilidade, faltando-lhe qualquer suporte legal.

    Em via reconvencional, tendo imputado aos AA a culpa pelo incumprimento do contrato promessa, pediram a condenação destes na entrega do sinal em dobro, no montante de €31.000,00.

    Replicaram os AA, alegando que os RR imploraram que os deixassem ocupar a fracção, uma vez que não tinham um lugar adequado para morar, isto apesar de alertados para o facto do imóvel se encontrar inacabado. Mais reiteraram terem sido os RR a incumprir o acordo celebrado, carecendo de fundamento o pedido reconvencional formulado.

    Acusando os RR de litigarem de má-fé, pediram a condenação destes no pagamento de indemnização a seu favor de montante não inferior a €3.000,00, que disseram corresponder aproximadamente aos gastos com taxas e honorários.

    Teve lugar audiência preliminar e nela, uma vez admitido o pedido reconvencional, foi tentada a conciliação das artes, que se frustrou, tendo sido de imediato proferido despacho saneador, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.

    Realizou-se a audiência de discussão com observância do legal formalismo como da acta consta, após o que foi proferida sentença, por cujos termos foi a acção julgada parcialmente procedente, declarando-se que o contrato promessa celebrado entre os Autores e os Réus em 16 de Agosto de 2006 é formal e materialmente válido, absolvendo-se os RR dos demais pedidos formulados; também a reconvenção foi julgada parcialmente procedente, declarando-se definitivamente incumprido pelos AA o mesmo contrato-promessa, mas convocada pelo Mm.º juiz a excepção do abuso de direito foram os reconvindos absolvidos do pedido de restituição do sinal em dobro.

    Inconformados, apelaram os AA e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas as razões da sua discordância com o decidido, formularam a final as seguintes conclusões: ...

    Indicando como violadas as disposições legais contidas nos art.ºs 615.º n.º 1 al. c) do CPC e 442.º do Código Civil, os AA requerem a final a revogação da decisão proferida e a sua substituição por outra que dê procedência integral às pretensões formuladas, mesmo que em relação aos danos a ressarcir pelos RR se remeta a sua fixação para posterior liquidação.

    * Igualmente inconformados, apelaram os RR reconvintes e, tendo apresentado, também eles, as pertinentes alegações, remataram-nas com as seguintes necessárias conclusões: ...

    Com os aludidos fundamentos requereram fosse declarada a nulidade da sentença, por violação do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do C.P.C., e 442º do C.C., revogando-se a mesma e, sendo conhecidos os factos alegados pelos recorrentes essenciais à boa decisão da causa e espelhados nos artigos 48.º, 49.º, 51.º, 55.º e 73.º a 75.º da contestação e respectivos documentos, concluindo-se pela prova dos mesmos nos termos supra descritos, fosse declarado o incumprimento do contrato promessa por parte dos AA., ora apelados, e procedente o pedido reconvencional de restituição do sinal em dobro.

    Questão prévia: Constando dos autos que os aqui RR foram declarados insolventes por sentença proferida em 21 de Março de 2013, transitada em julgado em 8/4/2013, nos termos certificados de fls. 166 a 176 dos presentes autos, prevenindo a eventualidade de vir a ser aplicada a doutrina do AUJ 1/2014, com a consequente extinção da instância principal por inutilidade superveniente da lide -sem prejuízo do prosseguimento da lide recursiva no que respeita ao pedido reconvencional- foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem, querendo.

    Na sequência da notificação efectuada vieram os AA deduzir oposição a eventual declaração de extinção da instância nos termos do invocado AUJ, estribando-se em três argumentos essenciais: foi ordenado o prosseguimento dos autos após terem estado suspensos fruto do decretamento da insolvência, decisão que formou caso julgado; os demandados não estão por si em juízo, tendo sido substituídos pelo Sr. Administrador da insolvência em representação da massa; o processo de insolvência foi entretanto declarado encerrado, com a consequente cessação da inibição dos credores da insolvência e da massa insolvente.

    Também os RR insolventes, representados pelo Ex.mº Sr. Administrador Judiciário, se pronunciaram no sentido dos autos deverem prosseguir, fundamentando a sua posição nos argumentos constantes dos votos de vencido apostos ao citado acórdão uniformizador, informando ainda que o crédito dos AA foi reconhecido como crédito sob condição em razão da pendência da presente acção declarativa.

    Conforme se vê do enunciado, está em causa o prosseguimento de acção declarativa de condenação instaurada contra RR entretanto declarados insolventes, sendo certo que, conforme resulta das posições das partes, espelhadas nas respostas apresentadas, o crédito dos AA terá sido reclamado no âmbito do processo de insolvência e aí reconhecido como crédito condicional, funcionando aparentemente como condição a condenação dos RR na presente acção.

    A questão suscitada vinha merecendo por banda dos nossos Tribunais respostas desencontradas, tendo culminado com a prolação do AUJ 1/2014, que fixou a seguinte doutrina: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do CPC”.

    Ora, não sendo a jurisprudência uniformizada sequer...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT