Acórdão nº 90/14.9TAMGL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: 1) Nos autos de processo comum (tribunal coletivo) n.º 90/14.9TAMGL.C1 da Comarca de Viseu, Viseu – Instância central – Secção Criminal – J2, a 6/5/2015, foi proferido Acórdão, cujo DISPOSITIVO é o seguinte: “Pelo exposto e tudo ponderado, de facto e de direito, decide-se: condenar o arguido pela prática, sob a forma de autoria material, em concurso efectivo: a) de um crime continuado de falsificação de documento (contribuições do ano de 2005), p. e p. pelo artigo 256º n.º 1, al. a) e b) e n.º4, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8(oito) meses de prisão; b) de um crime continuado de falsificação de documento (contribuições do ano de 2006), p. e p. pelo artigo 256º n.º 1, al. a) e b) e n.º4, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10(dez) meses de prisão; c) de um crime continuado de falsificação de documento (contribuições dos anos de 2007-8), p. e p. pelo artigo 256º n.º 1, al. a) e b) e n.º4, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5(cinco) meses de prisão; d) de um crime continuado de peculato (contribuições do ano de 2005), p. e p. pelo artigo 375º n.º1 e 386º n.º 1 al. c), do Código Penal, na pena de 2(dois) anos de prisão; e) de um crime continuado de peculato (contribuições do ano de 2006), p. e p. pelo artigo 375º n.º1 e 386º n.º 1 al. c), do Código Penal, na pena de 2(dois) anos e 2(dois) meses de prisão; f) de um crime continuado de peculato (contribuições dos anos de 2007-8), p. e p. pelo artigo 375º n.º1 e 386º n.º 1 al. c), do Código Penal, na pena de 3(três) anos e 2(dois) meses de prisão.

-- Em cumulo jurídico condena-se o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 8(oito) meses de prisão suspensa na sua execução, sob regime de prova e condição de pagar a quantia arbitrada a título de indemnização civil, incluídos juros vencidos e vincendos, nos presentes autos e no PCC n.º297/11.0TAMGL, neste descontado o valor de €2.020,00 (fls.292) que pagou no dia 13.02.2015, tudo em quatro prestações anuais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado do presente acórdão e assim sucessivamente.

-- II) julgar o pedido de indemnização civil totalmente procedente, por provado, e em consequência: a) condenar o arguido-requerido a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P. a quantia total de 4.436,3€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, desde 7.01.2015 sobre o montante de 3.008,99€ e desde 8.04.2015 sobre o montante de 244,80€.

* (…).

**** 2) Inconformado com a decisão, o Ministério Público, a 11/6/2015, veio interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que determine a impossibilidade legal de alteração das penas em que o arguido havia sido anteriormente condenado, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. O presente recurso versa matéria de direito e restringe-se à questão da interpretação do artigo 79.º, n.º 2, do Código Penal, o qual estabelece: «Se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior».

2. Entendeu o Tribunal recorrido que tal normativo não obsta a que se considere que o trânsito em julgado da condenação por crime continuado não conforma caso julgado no caso de virem a ser descobertos “novos atos” que se integram naquele crime continuado, ainda que nenhum de tais atos seja mais grave do que aqueles pelos quais já foi julgado.

3.Contudo, tal entendimento constitui violação frontal do prescrito no citado normativo, não tendo no texto da lei o mínimo de correspondência verbal como sempre se exige de acordo com o determinado no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.

4. Na verdade, da redação do artigo 79.º, n.º 2, do Código Penal, resulta de forma expressa, clara e incontornável que apenas a descoberta de uma conduta mais grave é suscetível de levar a nova condenação em substituição da anterior.

5. Consagrou, assim, o legislador, inequivocamente, uma solução de compromisso entre a tese “preclusiva” de Eduardo Correia, na altura seguida por alguns, impeditiva da consideração de toda e qualquer conduta nova, e a tese de maior abertura, seguida por outros (e aqui pelo tribunal recorrido), segundo a qual toda e qualquer conduta nova teria que ser ponderada, para efeitos de reflexo na pena (cfr. José Souto de Moura, «A jurisprudência do STJ sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena», pág. 22, acessível em anotação ao artigo 79.º, do Código Penal, no site da PGDL).

6. E o regime adotado pelo legislador impõe-se ao julgador, a quem mais não restará do que proceder à sua aplicação, concorde ou não com ela.

7. É evidente que a descoberta de qualquer outro ato que integre a continuação criminosa traduz-se sempre num acréscimo da gravidade da conduta do arguido na sua totalidade. Porém, o legislador fala na descoberta de uma conduta mais grave. Defender que o legislador não quis falar numa conduta mais grave, mas sim em qualquer conduta é, salvo o devido respeito por opinião contrária, violação clara e frontal da lei.

8. No entendimento acolhido no douto acórdão em recurso, com o aditamento do n.º 2 ao artigo 79.º, do Código Penal, o legislador ter-se-ia limitado a repetir o que constava do n.º 1, «o que se pretende (com a alteração do artigo 79.º, do Código Penal, pela Lei n.º 59/2007), é que, em caso de crime continuado, se tenha em conta a moldura abstrata aplicável à infração mais grave abrangida pela continuação» - fls. 107 do douto acórdão, citando e acolhendo a jurisprudência do AC RP, de 21.01.2009, o que, salvo o devido respeito, não faria qualquer sentido.

9. Como decorre do n.º 1, do artigo 79.º, do Código Penal, na presença de um crime continuado, torna-se sempre imprescindível que o julgador equipare as várias parcelas que integram a conduta criminosa, sendo certo que será apenas uma única – a mais grave dentre elas – a determinar a pena aplicável ao condenado.

10. Trata-se, pois, de opção lógica e racional do legislador (para além de conforme ao princípio de proibição de atos inúteis plasmado no artigo 130.º, do CPC, e aplicável ao CPP ex vi artigo 4.º) a de considerar que só a descoberta de conduta que seja suscetível de alterar a moldura penal do crime continuado possa levar a repensar a pena em que o arguido já foi condenado. (No sentido de que só neste caso estaremos perante alteração dos factos descritos na acusação, autonomizável e a possibilitar a sujeição do agente a novo julgamento, cfr. José Manuel Saporiti machado da Cruz Bucho, in «Alteração Substancial dos Factos em Processo Penal», pág. 17, disponível em http://www.fd.unl.pt/docentes).

11. «Se o legislador tivesse querido dizer que, depois de uma decisão transitada, o conhecimento de novos factos que integram a continuação originaria (sempre) o repensar de uma nova pena que substituísse a anterior (como pretende o tribunal recorrido) ter-se-ia exprimido muito mal. E na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3, do artigo 9.º)» (José Souto de Moura, obra cit., pág. 22).

12. Em suma, não sendo apurada conduta mais grave que modifique a moldura penal abstrata do crime continuado, entendeu o legislador não existir razão para sujeição do arguido a novo julgamento e nova pena.

13. No sentido de que a gravidade da conduta se afere pela pena aplicável e, portanto, pela moldura abstrata do crime, cfr. José souto de Moura, obra cit., e Maria João Antunes, «As Consequências jurídicas do Crime», 2013, esta última citada no douto acórdão em recurso (nota de rodapé, a fls. 105).

14. No caso dos autos, considerou o tribunal recorrido, em resultado da maior proximidade temporal das contribuições entre si, a imputação ao arguido de uma pluralidade de crimes continuados, sob a forma de concurso efetivo (3 de falsificação de documento e 3 de peculato), correspondentes a tantos crimes quantos os seguintes períodos: ano 2005, ano 2006 e anos 2007-2008.

Aceitamos este entendimento como correto.

15. Contudo, é manifesto que nenhuma das parcelas condutas que constituem objeto destes autos e integrantes das várias continuações criminosas que se consideraram verificadas assume maior gravidade do que aquelas pelas quais já fora julgado e condenado, em ordem a demandar a alteração das molduras penais abstratas dos crimes continuados objeto das suas anteriores condenações no âmbito do processo 297/11.0TAMGL.

Aliás, mesmo em concreto, apenas relativamente ao ano de 2005 se apurou a apropriação parcelar de um valor mais elevado (113,91 euros) do que os anteriormente considerados (não superiores, cada um deles, 56,95 euros), sendo que, relativamente a todos os outros anos, não foi apurado em qualquer caso a apropriação parcelar de valor mais elevado do que os anteriormente considerados.

Tal resulta claramente do mapa que constitui parte integrante do douto acórdão recorrido contendo todas as parcelares condutas criminosas do arguido objeto destes autos e daqueles onde já fora condenado (fls. 93-97).

16. Assim, e porque os factos novos que integram as continuações criminosas não são mais graves do que aqueles pelos quais já foi julgado e condenado, mesmo julgando a acusação procedente, não podia o tribunal a quo alterar as penas anteriormente aplicadas ao arguido no âmbito do processo 297/11.0TAMGL (como alterou), por tal lhe estar vedado pelo artigo 79.º, n.º 2, do Código Penal, antes devendo, no caso e nesta fase, limitar-se a considerar que os novos factos se integram na mesma continuação criminosa dos anteriormente julgados (tal como considerou) e a decretar a impossibilidade de alteração das penas em que anteriormente foi condenado, mantendo-as (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao CPP, e Ac. do STJ, de 18/2/2010, disponível em www.dgci.jtr.stj.).

17. Ao...

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