Acórdão nº 18/14.6TBMDA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCATARINA GON
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A A....

, com sede na Avenida (...) , Lisboa, instaurou processo de execução contra B...

e B...

, residentes na Av. (...) , Meda, pedindo o pagamento da quantia global de 46.749,48€ referente a um contrato de empréstimo, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, no qual os Executados tiveram intervenção como fiadores.

Para fundamentar a execução, junta o aludido contrato e um documento que alude aos movimentos da operação.

O Ministério Público, em representação dos Executados, veio deduzir oposição à execução, sustentando que os documentos juntos não correspondem a títulos executivos, já que, não resultando do contrato que o valor em causa tenha sido efectivamente disponibilizado, os demais documentos também são irrelevantes por não conterem a assinatura dos Executados.

A Exequente contestou, sustentando a improcedência da oposição.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador onde se decidiu julgar procedente a oposição, absolvendo-se os Executados do pedido e julgando-se extinta a execução.

Inconformada com essa decisão, a Exequente veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: A. A exequente, é a A... , S.A., pelo que a sua pretensão, quando diz alega que a dívida é certa, líquida e exigível, tendo os títulos dados à execução força executiva com força bastante, nos termos da lei em vigor encontra fundamento, salvo melhor opinião, no disposto no artigo 9º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20/8, diploma que estabeleceu o regime jurídico da A... , S.A. (artigo alterado pelo Decreto-Lei n.º 56-A/2005, de 3/5 – que manteve a redacção do referido n.º 4), o qual dispõe que «os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela A... , prevejam a existência de uma obrigação de que a A... seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades».

  1. Assim sendo, uma vez que o referido preceito legal não foi objecto de revogação expressa, nomeadamente pelo artigo 4º da Lei n.º 41/2013, de 26/6, impõe-se concluir que o referidos documentos particulares, por titularem actos/contratos realizados pela A... , preverem a existência de obrigações por parte dos mutuário e estarem assinados pelos executados, cabem na previsão do artigo 703º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, e revestem “de força executiva, sem necessidade de outras formalidades”.

  2. O documento que constitui o Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente de utilização simples assinado pelos executados revela a existência da obrigação dos executados e constituição da dívida. Tal documento complementado com o extracto de conta, que foi junto aos autos, resulta que o capital foi utilizado, e consequentemente mutuada a quantia que dele consta.

  3. Da análise de tais elementos, conjugados com o contrato assinado pelos devedores, resulta que foi constituída/reconhecida uma obrigação pecuniária, cujo montante está determinado ou é determinável por simples cálculo aritmético, de acordo com as cláusulas constantes do contrato (Neste sentido veja-se AC da Relação do Porto de 16/10/2012, AC da Relação de Coimbra de 07/02/2012; AC da Relação de Coimbra de 25/01/2011).

    Sem prescindir, E. Servem de título à presente execução contratos, que, não obstante a entrada em vigor novo Código mantêm, a sua força executiva.

  4. Por força do artigo 6º, nº. 3 da Lei que aprovou o novo CPC, ainda que interpretado extensivamente, os títulos executivos que face ao antigo CPC tinham força executória, não perdem esse valor com entrada do novo CPC.

  5. A norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos, quando conjugada com o artigo 6º, nº3 da Lei nº41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático.

  6. A eliminação dos documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelos devedores do elenco dos títulos executivos, constitui uma alteração no ordenamento jurídico que não era previsível.

    1. Se, à data em que tais documentos foram constituídos os mesmos eram dotados de exequibilidade, é de esperar alguma constância no ordenamento no âmbito da segurança jurídica constitucionalmente consagrada. Assim, a alteração da ordem jurídica não era de todo algo com que se pudesse contar. Daí que os titulares de documentos particulares constituídos antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que tinham a característica da exequibilidade conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do velho código, tivessem uma legítima expectativa da manutenção da anterior tutela conferida pelo direito.

  7. Por conseguinte, a aplicação retroativa do artigo 703º do novo Código de Processo Civil, a títulos anteriormente tutelados com a característica da exequibilidade, constitui uma consequência jurídica demasiado violenta e inadmissível no Estado de Direito Democrático, geradora de uma insegurança jurídica inaceitável, desrespeitando em absoluto as expectativas legítimas e juridicamente criadas.

  8. Se a nova lei se aplicar aos documentos particulares validamente constituídos antes da data da sua entrada em vigor, existirão certamente situações em que o credor, mesmo sabendo que a partir de 31 de agosto de 2013 já não pode utilizar aquele documento para intentar a respetiva ação executiva, nada poderá fazer porque o cumprimento da obrigação está, por exemplo, fixado para um momento posterior à data da entrada em vigor da nova lei, L. As expectativas dos credores (de que os documentos particulares com que se muniram eram já ou poderiam ser títulos executivos) não eram simples expectativas futuras, mas verdadeiros interesses legítimos dignos de tutela.

  9. A retirada dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos teve dois objetivos em vista: (i) diminuir o número de ações executivas; (ii) criar medidas para agilizar o processo executivo, libertando o mesmo de identificadas causas de protelamento e complexidade (v.g. oposições à execução).

  10. Ora, as razões de interesse público subjacentes à opção da retirada dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos, não prevalecem, do nosso ponto de vista, sobre as legítimas expectativas individuais geradas pelo próprio ordenamento jurídico.

  11. Ponderando-se os dois interesses em confronto- os particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas constituídas a fim de organizarem os seus planos de vida, evitando-se o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas; o interesse público preocupa-se com a transformação da ordem jurídica de modo a adaptá-la o mais possível às necessidades sociais- o método do juízo de avaliação e ponderação dos interesses relacionados com a proteção da confiança é igual ao que se segue quando se julga sobre a proporcionalidade ou adequação substancial de uma medida restritiva de direitos. Mesmo que se conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é «inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa» (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 862/13 e n.º 287/90).

  12. Em suma, consideramos que a norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos, quando conjugada com o artigo 6º, nº3 da Lei nº41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático.

  13. Como conclui o douto Acórdão do Tribunal Constitucional: aplicação imediata e automática da solução legal ínsita na conjugação dos artigos 703.º do CPC e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de julho, de que decorre a perda de valor de título executivo dos documentos particulares que o possuíam à luz do CPC revogado, sem um disposição transitória que gradue temporalmente essa aplicação é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da Proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição.

  14. Posto isto, aos contratos apresentados com o requerimento executivo foi conferida a característica da exequibilidade por força do disposto no artigo 46º, nº1, alínea c) do anterior Código de Processo Civil. E, considerando a inconstitucionalidade da norma que retirou essa característica da exequibilidade, conjugada com o artigo 6º, nº3 da Lei nº41/2013, na interpretação supra identificada, a mesma é inaplicável, pelo que se mantém o regime anteriormente previsto e, como tal, o documento apresentado pela exequente constitui um título executivo que, como tal deverão ser aceites, devendo a execução prosseguir a sua normal tramitação.

  15. A presente sentença viola o disposto no artigo 4º e 6º da Lei n.º 41/2013, de 26/6, que aprovou o novo CPC; artigo 12º do C. Civil; artigo 703º, nº 1 alínea d) do CPC; artigo 9º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20/8 e artigos 2º, 13º e 18º n.º 2 da Lei Fundamental.

    Nestes termos e mais de direito, pelos fundamentos expostos, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída em conformidade com os termos e com os fundamentos acima enunciados, com as legais consequências.

    O Ministério Público apresentou contra-alegações, onde formula as seguintes conclusões: 1.ª - Vem a exequente “ A... , S.A.” recorrer da...

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