Acórdão nº 1739/11.0TBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

Q (…) –, Lda instaurou contra Banco (…)SA e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…) ação declarativa, de condenação.

Pediu: A condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de €24 350,72.

Alegou, em síntese: Subscreveu um cheque da sua conta bancária domiciliada no Banco (…), à ordem de PWG, cheque este que foi endossado de forma irregular, tendo, no entanto, sido indevidamente pago.

Em consequência, foi proposta contra si ação judicial para pagamento pelo seu fornecedor PWG.

Contestaram os Réus.

Excecionando a prescrição do crédito reclamado pela Autora.

O réu B (...) invocou a sua irresponsabilidade pois que existiu regular sucessão de endossos até porque a beneficiária do cheque PWG assume a forma de sociedade por quotas.

E que, perante o Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária,(SICOI) impendia sobre a segunda ré o dever de verificar a regularidade do endosso.

Apresentou a Autora Réplica às contestações dos Réus, pugnando pela improcedência das exceções invocadas.

Foi proferido despacho saneador, julgando procedente a exceção de prescrição invocada pela Ré Caixa de Crédito Agrícola de (…) e, em consequência, absolvendo-a do pedido, e julgando improcedente mesma exceção quanto à Ré B (…)..

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência: a) condena-se a Ré, no pagamento à Autora da quantia de €17 000,05 (dezassete mil euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação e até integral pagamento; b) absolve-se a Ré do demais peticionado.

    Custas por ambas as partes, na proporção de 70% a cargo da Ré e 30% a cargo da Autora…» 3.

    Inconformado recorreu o reu B (…).

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: a) - A sentença recorrida interpretou e fixou correctamente a matéria de facto da causa, mas justifica censura no que concerne ao respectivo enquadramento jurídico; b) - A viciação no endosso do cheque dos autos, ao invés do que a sentença considera, não era detectável; c) - Contrariamente ao que a sentença defende, a comparação no cheque da denominação da sociedade beneficiária (“PWG”) com a denominação aposta no carimbo (“PWG, Lda”), não é susceptível de suscitar dúvida, tanto mais que é incontornável que o aditamento “Lda” (no carimbo) em nada alterou a denominação da “PWG” enquanto pessoa colectiva (que é uma sociedade de responsabilidade limitada); d) - Provado ficou nos autos que, admitindo o cheque, a possibilidade de endosso, a 2ª R., CCA depositou-o, como lhe competia, na conta do portador que identificou como seu cliente e o cheque foi pago pelo Banco ora Apelante, como era seu dever fazer; e) - Ao invés do que a sentença postula, o Banco Apelante actuou, no caso, com o zelo, diligência e competência técnica devidos; f) - Por outro lado, a sentença assenta na presunção de culpa do Banco-R., em reporte ao estatuído no artigo 799º do C. Civil, perdendo de vista que este ilidiu essa presunção, tendo ficado provada a culpa da A.; g) - Com efeito, a A., não teve o cuidado de passar o cheque - Não à ordem – como se limitou a fazê-lo à ordem de “PWG” (sem indicar de forma completa a firma beneficiária do cheque) e, máxime, procedeu ao envio do cheque por mero correio simples, (“Actua com manifesto desprezo por regras básicas de segurança da circulação do cheque aquele que o envia por correio através de carta simples”) facilitando assim o seu extravio e a possibilidade de viciação, não podendo ser exonerada da sua responsabilidade - cfr. artigo 570º do C.Civil - a qual exclui a do Banco-R., ou, quando menos – sem conceder – reparte as culpas.

    Contra alegou a autora pugnando pela manutenção do decidido.

  2. Sendo que, por via de regra: artºs 608º nº2, ex vi do artº 663º n2, 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte: Irresponsabilidade do réu por inexistir negligencia sua na verificação da (i)regularidade do endosso.

  3. Os factos dados como provados e que importa considerar são os seguintes: A) A Autora emitiu e subscreveu um cheque cruzado, sacado sobre a sua conta nº (...) 1, domiciliada no B (...) , SA, no valor de €17 000,50, em 14 de Novembro de 2006 (art.1º da petição inicial); B) O referido cheque foi passado à ordem de PWG, para pagamento de um fornecimento por esta efectuada à Autora (art.2º da petição inicial); C) A sigla PWG corresponde à denominação PWG – (…), Lda (art.11º da petição inicial); D) O cheque foi remetido à PWG por meio de correio normal, nunca tendo chegado ao seu destino (art.5º, nº2 do Código de Processo Civil); E) No verso do referido cheque foi aposto um carimbo com os dizeres “PWG, (…) Lda” e um autógrafo ilegível (art.6º da petição inicial), F) No verso do cheque consta como conta a creditar o nº401442484 (art.5º, nº2 do Código de Processo Civil); G) O cheque foi depositado na conta nº401442484, da Caixa de Crédito Agrícola, titulada por QSR – (…) Lda (art.5º, nº2 do Código de Processo Civil); H) A PWG (…) não recebeu o cheque nem o endossou (art.28º da réplica); I) A Autora pagou a PWG o valor do cheque (art.11º da petição inicial); 6.

    Apreciando.

    6.1.

    Na sentença decidiu-se com base no seguinte, nuclear, discurso argumentativo: «Sendo um contrato bilateral, o contrato de cheque repousa, antes de mais, na existência de um dever de protecção baseado na confiança.

    Assim, existe uma recíproca obrigação de diligência entre as partes, cabendo ao cliente a obrigação de dar imediatamente notícia de uma eventual perda, extravio ou roubo, e ao banco a obrigação de cumprir as ordens do Cliente e de zelar pelos seus interesses.

    …o banco …verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados, nomeadamente, o dever de verificação da assinatura do sacador, o dever de verificação da validade formal do portador nos cheques nominativos, o dever de verificação da regularidade da sucessão de endossos, o dever de verificação da validade material dos portadores dos títulos e o dever de verificação dos elementos consubstanciadores do título.

    …Dispõe o art.14º da Lei Uniforme relativa ao Cheque (Luch) que “o cheque estipulado pagável a favor duma determinada pessoa, com ou sem cláusula expressa “à ordem”, é transmissível por via de endosso.” Acrescenta o art.16º da mesma Lei que “o endosso pode não designar o beneficiário ou consistir simplesmente na assinatura do endossante (endosso em branco). Neste último caso para ser válido, deve ser escrito no verso do cheque ou da folha anexa.” Sendo forma cambiária de transmissão do título o endosso só pode ser validamente feito pelo legítimo portador do cheque, seja ele o seu beneficiário originário ou aquele que justificar o seu direito por uma série ininterrupta de endossos.

    Nos presentes autos …é de concluir que ocorreu uma irregularidade no endosso do cheque, uma vez que não foi efectuado pelo seu beneficiário originário – PWG.

    …art. 35º da LUCh, segundo o qual “o sacado que paga um cheque endossável é obrigado a verificar a regularidade da sucessão dos endossos, mas não a assinatura dos endossantes”.

    …Estamos perante um cheque falsificado, uma vez que o conteúdo das declarações...

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