Acórdão nº 564/13.9TALRA-C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | FERNANDO CHAVES |
Data da Resolução | 24 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.
No encerramento do inquérito registado sob o n.º 564/13.9TALRA que correu termos pelos Serviços do Ministério Público de (...) , o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente à arguida A... quanto aos factos lhe haviam sido imputados pela assistente B... , susceptíveis de integrarem a prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º do Código Penal.
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Inconformada com o despacho de arquivamento proferido, a assistente veio requerer a abertura de instrução, após cuja realização foi proferido despacho que decidiu não pronunciar a arguida A... pela prática do crime de homicídio por negligência que lhe foi imputado.
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Inconformada com tal decisão, dela recorreu a assistente, retirando da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1ª.- O menor C... , filho da assistente, faleceu após internamento no serviço de Pediatria do Hospital de (...) .
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- Esse internamento ocorreu pelas 15h00 do dia 21-01-2014 e o período a que se reporta a investigação e fundamenta a presente censura vai desde essa hora até às 23h00.
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- O serviço pediátrico do Hospital estava entregue e era superiormente supervisionado pela Dr.ª A... .
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- Mesmo que o não fosse, era ela que estava encarregada de velar pela saúde do C... (entre outros doentes) desde aquela hora.
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- À chegada ao Hospital o menor tinha tomado apenas Trifen, a conselho da mãe, tinha temperatura que rondava os 40º; sentia-se muito mal disposto, tinha sede e bebeu água engarrafada, não tinha comido e, ao pretender arrolhar a garrafa de água, não conseguia.
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- A funcionária do guichet que atendeu a mãe do menor enviou-o de imediato para a triagem.
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- Na triagem a enfermeira L... mandou a mãe dar ao menor um supositório (pensa-se que um antipirético) e, após ouvir o menor, lavrou o seu “relatório” – eram cerca das 15h30m.
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- Esse relatório, recebeu um “alerta laranja” de cujo teor consta a informação de “muito urgente”; alcança-se que a Srª. Enfermeira teve apenas dúvidas sobre a existência de petéquias (pequenas manchas na pele devidas a pequenas hemorragias) mas não teve dúvidas (na sua análise dos sintomas meramente exteriores) que o menor tinha 40º de febre, odinofagia (dificuldade em engolir) dores musculares, cefaleias e – rigidez na nuca.
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- Pelas 15h51, a arguida teve o próximo contacto como o menor C... e repete o diagnóstico da Srª Enfermeira (obviamente colhido dos sinais exteriores) com a seguinte excepção: … “não me parecem petéquias” … e acrescenta: “tossícula, rinorreias (fluxo nasal constituído por liquido pouco espesso); “queixoso com má perfusão” (passagem artificial de um fluido cujas características se ignoram) omite: a rigidez na nuca e o menor ter feito paracetamol com que, pensa-se, se conformou tanto mais que permite “reavaliar aquando da apirexia” (baixa de febre).
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- Cerca de uma hora depois a arguida escreve: (o paciente) manteve-se queixoso (tal qual!); … dúvidas se petéquias; faz colheita para análises clínicas.
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- 40 minutos depois nova “observação” mas tão indefinida e despreocupada como a anterior: … análises de patologias clínicas, com pedido processado. (Eram então 17h16m). Terá sido para se proceder à zaragatoa por intermédio da Srª Enfermeiro M... que se fez esse pedido? 12ª.- Uma hora depois pelas 18h30m a Drª A... tem o 4º (quarto) e ultimo contacto com o menor e lavra o seu relatório. Omite que - tendo recebido o resultado de análise hematológica que, dando negativo, até se ignora se seria o do C... (!!) - pretendia enviar o menor para casa não fosse a oposição musculada da assistente e escreve: … “muito queixoso, recusa abrir os olhos, recusa andar (duas novidades que todavia não merecem um comentário e muito menos uma qualquer medida adequada); e muitas queixas cervicais ... (mas) não parece haver rigidez mas TEM TANTAS QUEIXAS !!!!! (sic).
E insiste no seu diagnóstico (?): “surto gripal, parece tudo fita … mas não se consegue mexer”… e omite a frase tantas vezes repetida e transmitida, aliás a alguma enfermeira: “aquilo é mimo!”.
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- O menor foi internado uma hora e treze minutos depois na UICD (Unidade de Internamento de Curta Duração) a cargo do Sr. Enfermeiro H... que nem sequer vê a arguida (segundo as suas próprias declarações em Tribunal) e nem dela recebe qualquer incumbência ou alerta.
Ministra ao menor Ibubrofeno 400 mg por dores de máximo grau (grau 10).
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- A Drª A... desapareceu desde as 18h35m/19h00 até às 23h00, hora em que reaparece… para tirar a bata).
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- Os sintomas da haemophilusinfluenzae foram efectivamente confundidos com os sintomas da gripe: mas isso ocorreu há um século e meio! Hoje, um médico capaz está prevenido (ver Drª. Filipa Prata, médica na Unidade de Infecciologia Pediátrica do Hospital de Stª Maria, in http://www.vacinas.com.pt que alerta para o trato respiratório e respectivas sequelas da doença: meningite, bronquiolite, pneumonia, epiglotite, inflamação grave com marcado edema e inflamação nas cordas vocais e tecidos circundantes, etc, etc.. E In http:/pt.wikipedia.org/wiki/Haemophilus_influenzae, chama-se a atenção para o facto de, devidamente sequenciado desde 1933, o HIB, ser o mais virulento do grupo, com mais de 386 mil mortes em 2000, a despeito da existência de vacina preventiva, conhecido desde 1892 por Bacilo de Pfeiffer.
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- Perante um quadro clínico, que causava impressão ao mero contacto visual, a arguida, salvo o respeito pela opinião contrária, com que não pode, de modo nenhum, concordar-se, não diagnostica: apenas levanta dúvidas… 17ª.- E não age. Ela faz mais … ou faz menos! Despreza a própria observação inicial (feita na triagem) pela enfermeira L... . Só três horas depois (15h35m – 18h35m) é que ela põe em dúvida (apesar das queixas do menor) que se trate de “rigidez na nuca”.
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- Não promove sequer uma vigilância atenta ao menor: prelo contrário abandonou-o na UICD, sem um comentário, sem uma preocupação e “nem sequer vê” o enfermeiro H... .
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- Não efectua aquilo que se impõem dado o edema da glote, a rigidez da nuca, a febre alta, dada a patologia visível, da parte alta pulmonar … ela nem faz um rx ao C... .
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- A arguida quis passar a mensagem, em juízo, de que não tomou outra atitude por prudência … e porque não tem uma “bola de cristal”; também o seu Colega J... , que se saiba a não tem; mas fez, logo que chegou um “diagnóstico”: “laringotraqueite?”; “inflamação da zona da epiglote”?” e reage de imediato: decido administrar … etc, etc (ver relatório de observação do menor realizado por este clínico às 23h11, isto é: 11 minutos após a sua entrada)).
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- A arguida, como responsável por um serviço de urgências pediátrica, tem de agir: e se ignorar … averigúe; … se, mesmo assim, não diagnostica … pergunta, informa-se! Seria tão difícil, apesar de, manifestamente, se ter inclinado para o “acesso gripal” ou para o “mimo” do menor, ou para a “fita”, nessas 3 horas de internamento temporário, ir saber como evoluía o estado do menor? 22ª.- Quantas vezes um médico, mesmo sem conseguir um diagnóstico seguro, terá de ordenar uma terapêutica cautelar? 23ª.- Pode afirmar-se que a arguida não praticou qualquer acto médico durante as sete horas em que o menor devia estar (!) sob a sua vigilância pois, com as dúvidas que se levantam em clarificar a recolha de sangue como acto médico, as restantes medidas não constituem actos médicos.
24ª.- Porque de acto médico, sendo aquele que só por um médico pode ser praticado, não pode classificar-se aquilo que, durante as referidas 7 horas, a arguida fez.
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- Não pode considerar-se ter praticado actos médicos o médico que se apoia “para fazer o seu diagnóstico” (!) em expressões como “não parecem petéquias”; “não parece haver rigidez da nuca”… “mas tem tantas queixas”!!!ou “aquilo é fita” ou “aquilo é mimo”.
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- Ao lavrar despacho de não pronuncia, o Tribunal a quo ignorou tudo o que supra se expôs, confundiu negligência, ignorância, desinteresse, enfim … desumanidade, com conhecimento de lex artis ou lex profesionalis e tal despacho deverá ser substituído por outro que pronuncie a arguida.
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:- Foram violados, entre outros, os artigos 308º, nº 1, com o sentido que lhe empresta o nº 2 do artº 283º, ambos do C.P.Penal entre outros.
Termos em que e noutros que por V.Exas, Sr.s Desembargadores, serão supridos, se pede se revogue o despacho de não pronúncia e substitua por outro em que se pronuncie a arguida.
Assim se fazendo a costumada, Justiça» 4. O Ministério Público e a arguida responderam ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
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Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, manifestando concordância com a perspectiva jurídica contraposta pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
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No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a assistente reafirmou a posição anteriormente assumida na motivação de recurso, enquanto a arguida acompanhou na íntegra o parecer do Ministério Público.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
* II - Fundamentação 1.
A decisão instrutória objecto de recurso (transcrição): «II – Relatório: Os presentes autos tiveram origem na queixa apresentada por B... contra A... , médica pediatra do Centro Hospitalar (...) EPE em virtude do falecimento do seu filho C... , no dia 25.01.2013, no Hospital Pediátrico de Coimbra, para onde foi transferido após ter sido conduzido pela sua mãe, no dia 21.01.2013, ao serviço de urgências do Centro Hospitalar (...) EPE – cf. fls. 1-2 dos presentes autos.--- Notificada do despacho de encerramento do inquérito e de arquivamento exarado pelo Ministério Público – cf. fls. 174-176 – a assistente B... apresentou requerimento de abertura de instrução (RAI) – cf. fls. 179-194, que aqui se dá por integralmente reproduzido – imputando...
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