Acórdão nº 86/15.3T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito dos autos de contraordenação que correram termos no na Comarca de Viseu – Inst. Local – Secção Criminal – J2, o arguido, ora recorrente, A..., melhor identificado nos autos, impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, proferida em 31.10.2103, que o condenou, pela prática da contraordenação ao disposto no artigo 28, nº 1, alínea b), punida nos termos dos artigos 28.º, n.º 5 e 27º, n.º 2, alínea a) 2.º e 138º e 145º, alínea b), todos do Código da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 45 [quarenta e cinco] dias, suspendendo-a na sua execução por um período de 365 dias, condicionada à frequência de uma ação de formação no módulo velocidade, a frequentar durante o período de suspensão.

  1. Concluindo, então: i O arguido não cometeu a infração por que vem condenado.

    ii O veículo em causa nos autos não era conduzido pelo arguido no dia e hora identificados na decisão condenatória.

    iii Quem o conduzia era o seu sogro, Sr. B... , melhor identificado supra, nos termos e para os efeitos do art. 171º - 2 e 3 do CE.

    iv Deve a identificação agora promovida ser devidamente valorada, sob pena de se admitir a responsabilização puramente objetiva do arguido, em violação dos mais elementares princípios do direito penal, aqui subsidiariamente aplicáveis, tudo com as legais consequências.

    Para além do mais, v A decisão da ANSR que condenou o arguido em sanção acessória de inibição de conduzir perece de vícios formais, não cumprindo com o preceituado no art. 181º CE, pelo que deverá ser declarada nula.

    vi Nomeadamente, não descreve com suficiente rigor e clareza as circunstâncias de facto que justificam a condenação e fundamenta-se em um único meio de prova insidioso, e que tolera margens de erro, sem suporte legal.

    vii Tudo em prejuízo do direito de defesa do arguido.

    viii Ao que acresce que a condenação em processo contraordenacional é materialmente uma acusação em processo penal, pelo que se lhe aplicam, subsidiariamente, os preceitos legais do CPP, impondo-se maior rigor na sua elaboração.

    ix Acresce que os agentes de fiscalização utilizaram um meio de prova irregular, pelo que a sua utilização determina a nulidade do procedimento, com o inevitável e consequente arquivamento dos autos.

    Nestes termos, uma vez admitida e devidamente valorada a identificação promovida ao abrigo do art. 171º - 2 e 3 do CE, deve ser declarada a suspensão do presente procedimento e, a final, o seu arquivamento, por falta de preenchimento do tipo de ilícito contraordenacional imputado ao arguido, tudo com as legais consequências.

    Sem prescindir, deverá ser declarada a nulidade da decisão condenatória emitida pela ANSR, em consequência dos vícios formais supra identificados, e inevitavelmente ser arquivado o presente procedimento.

    Nessa conformidade deverá ser ordenada a devolução ao arguido do valor por si entregue a título de depósito.

    Ainda sem prescindir, deverá ainda ser arquivado o procedimento por estar em causa um meio de prova insidioso e irregular, sem força probatória suficiente.

  2. Recebida a impugnação judicial e realizada a audiência de julgamento, por sentença de 07.05.2015, decidiu o tribunal pela sua improcedência, mantendo, em consequência, a decisão proferida pela autoridade administrativa.

  3. Inconformado com o assim decidido recorre o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: a) Decidiu o Tribunal a quo improceder a impugnação judicial apresentada, mantendo a decisão proferida pela autoridade administrativa, nomeadamente e para além do pagamento da respetiva coima, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 45 dias, suspensa na sua execução por um período de 365 dias, condicionada à frequência de uma ação de formação no módulo velocidade.

    1. Contudo, não se conforma o Recorrente com a mesma, porquanto não interpretou nem analisou as nulidades oportunamente invocadas à luz de todos os preceitos e princípios aplicáveis ao processo contraordenacional, nomeadamente os do processo criminal, ademais que aqui se trata de um processo intrinsecamente sancionatório.

      b.1) De facto, a dita Sentença ao considerar que a decisão da autoridade administrativa [ANSR] se insere numa fase administrativa do processo de contraordenação, razão pela qual lhe são aplicáveis os princípios fundamentais de direito e do processo administrativo, violou o disposto no artigo 41.º do RGCO [aplicável por remissão direta do artigo 132.º do Código da Estrada], artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 1 e 10, todos da CRP, e jurisprudência já exposta.

      b.2) sendo certo que “Um auto de notícia que não descrever de forma suficiente a conduta do (alegado) infrator, violando o disposto no art.º 170º, nº 1 do Código da Estrada e o prescrito no art.º 283º nº 3 al. b) do C.P.Penal, é nulo (…). Os autos de notícia, em regra, só dão conta do facto essencial a sancionar – no caso, uma manobra de mudança de direção -, mas omitem todas as demais circunstâncias relevantes (…) O que a lei quer é que se descrevam os factos e não a sua previsão típica, que além de não facultar defesa, também não permite a necessária graduação da ilicitude da conduta” [Acórdão da Relação de Guimarães, de 01.10.2007, processo n.º 1535/07-1], o que in casu sucedeu, pelo que deve a Sentença em crise ser considerada nula [neste sentido, veja-se, entre outros, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.01.2004, processo n.º 10583/2003-5 e, decisivamente, o Assento n.º 1/2003 (DR, I-A, de 25-1-2003] e substituída por outra que considere procedentes aquelas nulidades, revogando-se, deste modo e igualmente, a decisão administrativa proferida pela ANSR quanto ao Recorrente.

      SEM PRESCINDIR, c) o Tribunal a quo limita a sua decisão a uma questão de direito, pois em face da referida presunção, que não pode ser ilidida nesta fase [judicial, nomeadamente, a consagrada no artigo 171º do Código da Estrada, a qual remete para identificação do condutor por parte do proprietário do veículo], não deu qualquer relevo às declarações do arguido e das referidas testemunhas por este arroladas.

      c.1) Ou seja, o Tribunal a quo justifica que não deu como provado que não era o arguido o condutor do veículo em questão e que não deu qualquer relevo às declarações e testemunhos prestadas na audiência de julgamento apenas por considerar que a referida presunção não pode ser ilidida nesta fase judicial, sendo esta – a sua opinião ou juízo jurídico – a única razão de tal [e não na prova produzida, porque essa, aliás, e conforme Sentença em crise, não foi relevada].

      Pelo que constata-se, deste modo, que o que está aqui em causa é uma questão/matéria intrinsecamente de direito: descortinar se é admissível e atendível, ou não, nos termos legais e constitucionais aplicáveis ao caso sub judice, a identificação do condutor efetuada pelo titular do documento de propriedade do veículo em apreço na fase judicial – sendo, deste modo, o presente recurso admissível, porque limitado a uma questão de direito [cfr. artigo 75.º do RGCO].

      CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, d) a verdade é que sempre se deverá considerar, com todo o respeito, o presente recurso admissível igualmente por força do artigo 410.º do CPP.

      d.1) seja através da sua alínea c) [erro na apreciação da prova], dado o Tribunal a quo não ter atendido nem relevado a prova produzida em audiência devido a uma questão de direito, conforme já explanado.

      d.2) seja através da sua alínea b) [contradição da fundamentação], uma vez que, apesar de “ (não ter dado) qualquer relevo às declarações do arguido e das referidas testemunhas por este arroladas, inquiridas em audiência” e se ler na Sentença em crise que “Relativamente às declarações que foram prestadas pelo próprio recorrente, A... , em audiência, na parte em que referiu que não era ele o condutor do veículo em questão, mas antes o seu sogro, B... , a quem tinha emprestado o veículo em causa, assim como os depoimentos das demais testemunhas inquiridas em audiência, que foram arroladas pelo referido recorrente, B... , C... e D... , os quais corroboraram, em certa medida, tal versão do recorrente (…), dá como não provado que “O veículo em causa era conduzido pelo arguido no dia e hora aludidos (…)” e que “Quem o conduzia era o seu sogro, o Sr. B... (…)”, o que, com o devido respeito na esteira do Acórdão do STJ de 07.12.2005, é apreensível a partir do seu texto, a incoerência interna com os termos da decisão, sendo certo que: * Numa primeira análise refere o Tribunal a quo que não releva a prova produzida mas, apesar disso, dá como não provados esses mesmos alegados factos que não relevou; * Numa outra análise, apesar de determinar a aludida Sentença – não obstante algumas contradições evidenciadas, que nem específica e concretiza quais – que, o recorrente referiu que não era ele o condutor, facto que foi corroborado pelas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento [sendo que o próprio, efetivo e real condutor – B... , sogro do recorrente – assim o assumiu], apesar de tal, decide dar como não provado que o veículo em causa não era conduzido pelo arguido e que quem o conduzia era o seu sogro, o Sr. B... .

      De quaisquer dos pontos de vista acima elencados é, pois, manifesta a contradição por parte do Tribunal a quo, cujo vício e para os efeitos do artigo 410.º do CPP se requer.

      COM EFEITO e) O entendimento de que, por força do artigo 171º do Código da Estrada, recai sobre o titular do documento do veículo a identificação do condutor e que essa presunção, não obstante de juris tantum, não pode ser ilidida em fase judicial – plasmado na Sentença em crise – é por demais violador dos princípios basilares e ordenadores do sistema judicial português, inclusive criminais e constitucionais, de que se destacam os princípios da culpa, da justiça, da legalidade e, sobretudo, o princípio da tutela judicial efetiva.

      e.1) O...

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