Acórdão nº 362/14.2TAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução18 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: 1.

No âmbito do inquérito registado sob o n.º 362/14.2TAGRD, que correu termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca da Guarda, o MP deduziu, em 29 de Maio de 2015, a fls. 167 e 126/128, acusação contra A..., completamente identificado nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de difamação agravado, p. e p. nos artigos “181.º, n.º 1, e 184.º, por referência à al. l) do n.º 2 do artigo 132.º, todos do Código Penal”.

O referido libelo acusatório teve o acompanhamento do assistente B... (cfr. fls. 174/175).

* 2.

Inconformado com o despacho de acusação, o arguido requereu a abertura da instrução, nos precisos termos de fls. 176/181.

* 3.

Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate, tendo a final sido proferido despacho, no qual ficou decidido não pronunciar o arguido pelo referido crime de difamação agravado (cfr. fls. 226-241).

* 4.

Da decisão de não pronúncia recorreu o assistente, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª - A acusação recorrida incorre em erro notório na apreciação da prova indiciária.

  1. - Não apreciou correctamente a existência de duas cartas e não de uma.

  2. - Não compreendeu que o arguido só tomou posse a 20/10/2013 porque a pessoa que se lhe seguia não poderia estar presente.

  3. - Não verificou que o arguido na sua comunicação à Assembleia refere a primeira carta e não a segunda.

  4. - Não deu conta que é totalmente ilógica a tese do arguido.

  5. - Os documentos juntos e os testemunhos referidos são fatais para o arguido.

  6. - Quer um quer outros demonstram que o arguido quis e conseguiu difamar o assistente.

  7. - A decisão recorrida não pode ser mantida.

  8. - Revogando-se o douto despacho de não pronúncia e pronunciando-se o arguido pelo crime participado e acusado se fará justiça.

* 5.

Apresentaram resposta o Ministério Público e o arguido, cujo teor passamos a reproduzir:

  1. Ministério Público: 1. Face ao teor do supra exposto, não nos merece qualquer reparo a decisão ora posta em crime pelo assistente.

    1. Não vislumbramos como se possa afirmar que a decisão recorrida incorra em erro na apreciação da prova indiciária ou nos outros itens levantados pelo assistente, já que esta se mostra exaustiva e eloquentemente fundamentada.

    2. As expressões da missiva em apreço, ou os seus envolvimentos não se traduzem na prática do ilícito de difamação em apreço.

    3. Assim sucedendo, tal não pode ir mais ao encontro do bem fundado da decisão posta em crise. Ou seja, inexiste, “in casu”, e por parte da actuação do arguido, “animus difamandi”. Caindo a sua actuação no campo do comentário conclusivo, “qua tale”, aliás como é referido no despacho recorrido.

    4. Daí que não se concorde com o assistente quando refere que tais factos são objectivamente difamatórios, já que não contêm qualquer ataque à honra ou consideração devidos à sua pessoa.

      Termos em que, deve ser mantido, nos seus precisos termos, o despacho de não pronúncia, ora em recurso, como é de justiça e direito.

      B) Arguido: 1. Não resultam do teor da acusação rejeitada elementos objectivos e subjectivos que permitam imputar ao arguido a prática de um crime de difamação agravada.

    5. Em qualquer momento o recorrido afirmou que o recorrente tinha falsificado a sua assinatura.

    6. Assumiu a existência de duas cartas em declarações em sede de inquérito.

    7. Contudo, quando redigiu a carta ao Presidente da Assembleia no dia 6/11/2013 só referiu a carta com data de 21/10/2013, dado que, a primeira carta que assinara (com data de 6/10/2013) tinha ficado sem efeito, por falta de conteúdo pois, a pessoa que se seguia na lista (D. C... ) não poderia ir à tomada de posse.

    8. Para além do mais, a carta com data de 21/10/2013 foi assinada ainda antes da tomada de posse: 6. Primeiro, porque a mesma ainda era dirigida à Presidente da Assembleia cessante; 7. Segundo, porque naquela missiva o recorrido resignava ao cargo para o qual tinha sido eleito não ao cargo que tinha tomado posse; 8. Terceiro, o recorrido no dia anterior tinha tomado posse do cargo e dirigiu-se ao recorrente, perante todos os presentes na Assembleia a quem lhe pediu para esquecer as cartas/os documentos que tinha em seu poder, pois era sua intenção assumir a função.

    9. Para além do mais, o recorrido apenas escreve a sua versão dos factos, emitindo a sua opinião, em tom de desabafo, mas sem lhe fazer qualquer ataque pessoal.

    10. Não agiu, assim, o recorrido dolosamente, uma vez que, nunca quis ofender a honra e bom nome do assistente/recorrente.

    11. Assim, deve o despacho de não pronúncia ser mantido nos seus precisos termos, devendo ser negado provimento ao recurso, assim se fazendo justiça.

      * 6.

      Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer infra transcrito, nos segmentos relevantes.

      No que respeita ao mérito do recurso, parece-me que o recorrente terá razão quanto à indiciação suficiente da prática do crime de difamação, mas apenas na sua forma simples e não agravada, como aliás o despacho recorrido já deixa subentendido na sua parte final, sendo que, embora por remissão, existe acusação por parte do assistente, como decorre de fls. 174, não havendo assim qualquer obstáculo à apreciação e prossecução do procedimento.

      Com efeito, o aqui relevante em termos criminais, a frase “usou e abusou da minha boa vontade, agindo de má-fé, levando-me a pensar que não seja uma pessoa de confiança”, na sua parte final, constante da carta enviada pelo arguido ao presidente da Assembleia de Freguesia da (...) , que constitui o documento n.º 4, não se reporta ao assistente na sua qualidade de membro da aludida assembleia, ou seja, não o atinge em termos de exercício de funções, nem o faz por motivo de tal exercício, sendo embora certo que o que despoleta a missiva é a continuação do cargo por parte do recorrido, que não do recorrente. Ou seja, a mesma dirige-se ao assistente enquanto cidadão e não o atinge enquanto membro da autarquia por causa das funções que nela exerce, não tendo justificação a agravação que é mencionada no art. 13.º da acusação.

      (…).

      Deverá pois o recorrido ser pronunciado pela prática de um crime de difamação p. p. pelo art. 180.º, n.º 1, do CP.

      Pelo que sou de parecer que o recurso merece provimento nos termos aludidos

      .

      Cumprido o art. 417.º, n.º 2 do CPP, o assistente e o arguido não exerceram os seus direitos de contraditório.

      * 7.

      Colhidos os vistos, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

      * II. Fundamentação 1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Como flui do disposto no n.º 1 do art. 412.º do CPP, e de acordo com jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

      No presente processo, as conclusões do assistente circunscrevem o recurso à questão de saber se existem, ou não, indícios suficientes que determinem a pronúncia do arguido pela prática de um crime de difamação agravado, p. e p. nos artigos 180.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal.

      *2.

      Para além do excurso que contém sobre a estrutura e ratio da instrução, “resultado das diligências realizadas na instrução quanto aos factos imputados”, “ponderação global dos indícios, por referência ao crime imputado”, está escrito no despacho recorrido: «A folhas 2 a 5 encontra-se a queixa apresentada pelo assistente contra o arguido, na qual veio denunciar o teor de uma carta dirigida ao Presidente da Assembleia de Freguesia da (...) , pelo arguido, e que o mesmo considera que lhe são dirigidas imputações que colocam a sua honra e bom nome em crise, sendo ainda ofensivas desse seu bom nome e sua honra por ter referido que o assistente utilizou meios indevidos – falsificação de uma carta – para prejudicar o arguido.

      Para melhor compreensão passaremos a transcrever o teor dessa carta: “Tendo recebido na minha residência um aviso de receção endereçado a V. Exa em 22/10/2013; fiquei surpreendido, porque na realidade não procedi ao envio de qualquer documento.

      Nesse sentido solicitei informação verbal a V. Exa, sobre o conteúdo desse documento, onde fui informado que tinha resignado ao cargo para o qual fui eleito nas últimas eleições Autárquicas.

      Em relação ao referido assunto passo a informar: Antes da tomada de posse para a qual fui convocado deixei em posse do Sr. B... um documento assinado, onde exprimia essa minha vontade, esse documento nunca foi enviado dentro da data legal, tendo eu tomado posse no dia 20/10/2013 para cumprir o meu mandato para o qual fui eleito. Informei nesse mesmo dia o Sr. B... da minha vontade em exercer a minha função dentro da Assembleia de Freguesia e que portanto considerasse nula a carta que eu lhe deixei assinada. No dia 23/10/2013 recebi o AR em minha casa. Acho tudo isto muito estranho porque esse documento estava endereçado à Presidente da Assembleia cessante e o aviso de receção esta endereçado ao Presidente da Assembleia atual. Algo não bate certo.

      Leva-me a concluir que o Sr. B... enviou a carta a minha revelia, à posterior, fato que ele me confirmou. Usou e abusou da minha boa vontade, agindo de má-fé, levando-me a pensar que não seja uma pessoa de confiança.

      Neste seguimento solicito a V. Exa que considere nula a referida carta com o registo n.º (...) , expressando assim a minha continuidade nesta Assembleia de Freguesia e dar o meu contributo para o desenvolvimento na (...) .

      Com os melhores comprimentos (...) , 06 de Novembro de 2013” A folhas 42 foi ouvido o arguido, o qual declarou...

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