Acórdão nº 1159/14.5TBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | CATARINA GON |
Data da Resolução | 03 de Maio de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
A...
, residente na Rua (...) , Caldas da Rainha, instaurou a presente acção contra B...
, residente na Rua (...) , Alhandra, alegando, em suma, que: no dia 26/11/2012, celebrou com a Ré um contrato-promessa de compra e venda, por via do qual prometeu comprar e a Ré prometeu vender o imóvel que identifica pelo preço de 45.000,00€, entregando, a título de sinal, a quantia de 10.000,00€ e sem que tenha sido efectuado o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes; após a celebração do contrato, veio a constatar que a água da chuva entrava na habitação, caindo sobre uma caixa de electricidade, com perigo de electrocução e havia um cheiro horripilante a humidade e a veneno de ratos, sendo que estes passeavam livremente pela casa; tomou ainda conhecimento que não havia pilares de sustentação da casa e que o logradouro, que ela pensava ser da moradia que pretendia comprar, pertencia a um prédio vizinho, já que a Ré havia efectuado obras clandestinas na casa, sem projecto ou licença camarária, aumentando a área coberta e suprimindo o logradouro constante na descrição da matriz e na Conservatória do Registo Predial, indicando um outro como sua propriedade, anexo ao mesmo prédio, que não lhe pertencia; o logradouro, com a dimensão constante na matriz, era um dos motivos essenciais para a aquisição daquela moradia, já que pretendia transferir a sua residência de um andar na cidade de Caldas da Rainha para uma aldeia onde pudesse ter o seu pequeno jardim e usufruir dos raios solares; as declarações verbais da Ré e dos responsáveis da sociedade imobiliária D... , relativamente à delimitação do prédio e as dimensões das áreas coberta e descoberta na caderneta predial urbana e na certidão da Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha – que contribuíram decisivamente para que quisesse negociar e assinar o contrato – não têm qualquer correspondência com a realidade.
Conclui dizendo que o contrato é nulo por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes comprador e vendedor, nos termos do nº 3 do artigo 410º, conjugado com o artigo 220º, ambos do Código Civil e que, além do mais, sempre seria anulável, nos termos do art. 251º do Código Civil, por haver erro que atingiu os motivos determinantes da vontade da Autora.
Com estes fundamentos, pede: • Que seja declarada a nulidade do contrato-promessa celebrado entre a Autora e a Ré, por as assinaturas dos promitentes não terem sido reconhecidas presencialmente, violando-se assim o nº 3 do artigo 410º do C.C. e a consequente inobservância da forma legal prevista no artigo 220º do C.C.
• Que, caso assim não se entenda, o contrato seja anulado por haver erro que atingiu os motivos determinantes da declaração da Autora supra expostos, nos termos do artigo 251º do C.C.
• Que a Ré seja condenada a devolver à Autora o sinal de €10.000,00 (dez mil euros), nos termos do nº 1 do artigo 289º do C.C., acrescidos dos respectivos juros vencidos que se cifram em € 500,00 (quinhentos euros) e dos vincendos até ao pagamento do sinal.
A Ré contestou, alegando, em suma, que nunca induziu a Autora em erro acerca do estado do imóvel ou da sua área, sendo que, antes da celebração do contrato, a Autora deslocou-se ao imóvel três vezes e conhecia o estado em que o mesmo se encontrava, tal como conhecia as suas áreas exactas, não tendo existido qualquer vício da sua vontade. Mais alega que o reconhecimento das assinaturas foi dispensado, de comum acordo, pelas partes, pelo que a invocação da nulidade com esse fundamento constitui abuso de direito. Alega ainda que, em virtude de a Autora já se encontrar em mora por não ter procedido à marcação da escritura, interpelou-a para esse efeito, comunicando-lhe a data e local de realização da escritura e advertindo-a de que, caso não comparecesse, isso implicaria o incumprimento definitivo do contrato com a consequente perda do sinal, sendo certo, porém, que a Autora não compareceu.
Conclui pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas de prova.
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e, na sequência, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.
Inconformada, a Autora veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: I. É fundamento específico de recorribilidade: A nulidade do contrato-promessa de compra e venda de prédio urbano para habitação invocada pela Autora na presente acção, por omissão da formalidade legal de falta de reconhecimento presencial da promitente-compradora, é atípica e arguível a todo o tempo. Apesar de ter sido interpelada pela Ré para comparecer em Cartório Notarial para celebrar o contrato definitivo, não tendo estado presente, mas informando esta que considerava o mesmo contrato-promessa nulo por violação do nº 3 do artigo 410º, pedindo a restituição do sinal entregue no montante de € 10.000,00 (dez mil euros) e respectivos juros à taxa legal, embora nada tendo feito nos dez meses posteriores, não violou o princípio de boa fé, não constituindo a sua conduta in casu o venire contra factum próprio, limitando-se a exercer um direito que desconhecia antes, por ter confiado nos representantes da imobiliária intermediária no negócio, e não por haver acordo entre os promitentes de dispensa de reconhecimento presencial das assinaturas, facto aliás não provado na audiência de julgamento.
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Pelo que, deverá ser proferido acórdão que revogue a aliás douta sentença recorrida, considerando o respectivo contrato-promessa nulo, por falta de reconhecimento presencial da assinatura da promitente-compradora, violando-se o nº 3 do artigo 410º do Código Civil, e condene a Ré B... a restituir o sinal de € 10.000,00 (dez mil euros) e respectivos juros à taxa legal, até ao integral pagamento, à Autora A... .
A Ré apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: 1. A Recorrente foi interpelada para cumprir o contrato promessa.
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A Recorrente faltou à escritura que lhe foi comunicada em 03.07.2013.
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A resolução ocorre por mera declaração à contraparte (art.436., n.º1 do Código Civil).
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A Recorrente faltou à escritura, ocorrendo o seu incumprimento definitivo.
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A resolução é equiparada à nulidade ou anulabilidade (art. 433º do CC).
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Enquanto modo de extinção do contrato, que opera através de declaração receptícia, a resolução ocorre no momento em que a declaração se torna eficaz nos termos do artigo 224.º do CC.
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Em março de 2014 a A. pediu apoio judiciário para intentar a presente ação.
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Em Março de 2014 o contrato já estava resolvido, já não podendo produzir quaisquer efeitos entre as partes.
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Resolvido o contrato não pode em data posterior ser solicitado que seja reconhecida a nulidade de um contrato que já não produz efeitos, por já ter sido anulado (art. 433º do CC).
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Porquanto, salvo o devido respeito, a presente ação sempre estaria condenada ao insucesso porque quando deu entrada em juízo o contrato já não existia e não foi pedida a imputação das razões justificativas da resolução do contrato.
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Contrariamente ao alegado pela Recorrente o Tribunal não julgou que o exercício de um suposto direito pelas vias judicias, por si só, constitua uma abuso de direito.
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Nesta parte a Recorrente omite de forma premeditada um conjunto de factos que foram dados como provados e cuja apreciação não é posta aqui em causa. (arts. 8º, 17º, 18º, 19º, 20º, 25º, 26º e 28º) 13. O abuso de direito (art. 334º do CC) pode ser invocado caso o promitente adquirente cria legítimas expectativas de que irá celebrar o contrato definitivo e mais tarde alega a nulidade do contrato por inobservância do reconhecimento de assinaturas.
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O abuso de direito verifica-se quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia no caso concreto aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
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Pode ocorrer abuso do direito, na modalidade do "venire contra factum proprium", quando existem condutas contraditórias do seu titular a frustrar a confiança criada pela contraparte em relação à situação futura, pois o "venire contra factum proprium" configura uma violação qualificada do princípio da confiança, sendo certo que as relações entre as pessoas pressupõem um mínimo de confiança sem a qual não seriam possíveis.
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Citando o Prof. Menezes Cordeiro “ (…) admitimos hoje que as próprias normas formais cedem perante o sistema, de tal modo que as nulidades derivadas da sua inobservância se torne verdadeiramente inalegáveis.
” In Tratado de Direito Civil, Parte Geral V, 2º Ed., Almedina, pág. 342 17. A situação da confiança investida pela Recorrente justifica que a alegação do vício de forma, por si, constitua um abuso de direito 18. O pedido de reforço de sinal que a A. fez é indicador de que a invocação da nulidade constitui um abuso de direito (art. 334º do CC).
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O valor do sinal (cerca de 20% do total), o pedido de reforço de sinal, a intenção de passar o Natal no imóvel, o pedido das chaves do imóvel, as negociações que a A. teve com os proprietários dos terrenos contíguos promovida pela Ré e o facto de na correspondência trocada com a Ré a A. ter invocado outros motivos para a não concretização do contrato e ter invocado por último a questão do vicio de forma revelam que a...
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