Acórdão nº 1069/13.3TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCATARINA GON
Data da Resolução17 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A...

, residente na Rua (...) , Guarda; B...

, residente no Bairro (...) , Guarda e C...

, residente na Rua (...) , Vila Real, intentaram a presente acção contra a D...

, com sede na Rua (...) , Guarda, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de 75.000,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros a partir da citação.

Alegam, para o efeito e em síntese, que: são mulher e filhos de E... que, por força de um AVC e após internamento hospitalar, foi internado na Unidade de Cuidados Continuados da Ré em 01/06/2010; à data, o estado de saúde do referido E... era grave, encontrando-se o mesmo em situação de total dependência de terceiros para a realização das tarefas básicas do dia-a-dia; ainda durante o mês de Junho, E... foi encaminhado por duas vezes para o hospital; regressado à Unidade de Continuados da Ré, os seus familiares foram-se apercebendo que o seu estado de saúde se agravava e várias vezes chamaram a atenção da equipa de enfermagem para o seu estado de saúde, para as dores que sentia, para o seu estado febril e para o cheiro que se sentia no quarto, vindo a constatar – em 31/07/2010 – que o mesmo apresentava uma ferida enorme aberta, de cor negra, na zona do sacro (escara); na sequência desse facto e por exigência da 1ª Autora e de sua filha, E... foi conduzido às urgências do hospital de onde saiu no mesmo dia com o diagnóstico de “escaras de decúbito – tornozelo direito e região sagrada”; no entanto, o seu estado de saúde agravou-se e no dia 1 de Agosto foi novamente encaminhado para o hospital onde permaneceu até falecer no dia 07/09/2010; a equipa médica e de enfermagem da Ré não adoptaram os cuidados necessários para evitar o aparecimento de úlceras de pressão – tanto mais que estava em causa um doente de risco, por ser diabético, obeso e acamado –, permitindo que elas se instalassem e que evoluíssem até um ponto de não retorno em que a escara já estava infectada e a infecção já havia alastrado pelo corpo do doente, sendo que apenas em 31/07 e por insistência de familiares, o encaminharam para o hospital e, uma vez instalada a úlcera, não prestaram os cuidados que seriam adequados; em consequência desses factos, E... veio a falecer com uma infecção generalizada no organismo.

Concluem, dizendo que as dores e sofrimento sentidos por E... durante os três meses que antecederam a sua morte devem ser indemnizados com o valor de 5.000,00€, a que acresce a indemnização devida pelo dano morte que quantificam em 50.000,00€ e a indemnização pelos danos sofridos pelos próprios Autores em consequência do falecimento do marido e pai e que computam em 20.000,00€.

A Ré contestou, aceitando o internamento de E... na sua Unidade de Cuidados Continuados, alegando, no entanto, que sempre lhe prestou todos os cuidados e tratamentos que eram necessários e que sempre informou os respectivos familiares da sua situação clínica. Com efeito, alega, não obstante todos os cuidados prestados, o doente iniciou, por volta de 15/06/2010, um processo de maceração da pele relativamente ao qual foram adoptados todos os tratamentos e protecções recomendados, sendo que em 18/07, a úlcera em causa não apresentava sinais aparentes de infecção; todavia, alega, os diversos transportes que fez em ambulância e as horas de espera nos hospitais para onde teve que ser encaminhado por diversas vezes contribuíram para o seu agravamento de tal modo que, após o regresso dos Hospitais da Universidade de Coimbra – em 21/07/2010 – para onde havia sido encaminhado para consulta de Cirurgia Vascular, inicia febre; foram efectuados todos os tratamentos necessários e, em 31/07, foi enviado ao hospital para drenagem ou limpeza cirúrgica, sendo certo, porém, que lhe foi dada alta sem que tal drenagem ou limpeza tivessem sido efectuadas; no dia seguinte, porque o doente mantinha febre e se suspeitava do estado séptico em relação presumível com a escara infectada, foi enviado de novo para o Hospital onde veio a falecer.

Assim, conclui, não teve qualquer responsabilidade na morte de E... , pelo que a acção deverá improceder.

Foi dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.

Inconformados com essa decisão, os Autores vieram interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1ª - No dia 6 de Maio de 2010, E... deu entrada na Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital (...) por causa de um AVC.

  1. - Aí permaneceu até ao dia 1 de Junho de 2010, data em que foi admitido na Unidade de Cuidados Continuados da Ré.

  2. - E... acabou por falecer na Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) , no dia 7 de Setembro de 2010, devido a uma septicémia.

  3. - Esta septicémia, que lhe causou a morte, é uma infecção generalizada, que teve origem numa úlcera de pressão que E... desenvolveu quando se encontrava internado na Unidade de Cuidados Continuados da Ré.

  4. - Os Autores pretendem ser ressarcidos pela Ré pelos danos que a sua atuação lhes causou, uma vez que foi a Ré a responsável pela morte do seu marido/pai, nas condições em que a mesma sucedeu.

  5. - O tribunal recorrido entendeu que os médicos e enfermeiros ao serviço da Ré cumpriram com as leges artis no tratamento de E... .

    1- ANÁLISE CRÍTICA DA SENTENÇA – DE FACTO: FACTOS QUE NÃO DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO PROVADOS 7ª - Não deveriam ter sido dados como provados os factos vertidos nos pontos 53., 55., 63., 64., 66., 73., 76., 77., 80., 81., 82., 87., 88., 89., 90. e 93. da lista dos factos dados como provados, pelos motivos que infra se exporão:

    1. Facto 53. da Lista dos Factos Dados Como Provados 8ª - Resulta dos depoimentos das testemunhas G... (minutos 00:03:47 a 00:04:57), H... (minutos 00:01:13 a 00:02:11), I... (minutos 00:02:59 a 00:05:22) e J... (minutos 00:05:10 a 00:07:01) que os familiares de E... só tiveram conhecimento da úlcera de pressão quando a própria J... a “descobriu”.

  6. - Assim, os familiares de E... não foram alertados para a verdadeira situação clínica do mesmo, pelo que deve ser considerado não provado o facto vertido no ponto 53. da lista dos factos dados como não provados.

    1. Facto 55. da Lista dos Factos Dados Como Provados 10ª - Este facto encontra-se em contradição com o facto, igualmente dado como provado, e vertido no ponto 29. da lista dos factos dados como provados.

  7. - Extrai-se dos depoimentos das testemunhas N... (minutos 00:29:18 a 00:29:40) O... (minutos 00:19:35 a 00:19:45) e G... (minutos 00:03:47 a 00:03:58) que, não obstante os familiares questionarem os profissionais de saúde sobre o cheiro, estes nunca o informaram que o mesmo se devia à evolução da ferida, cuja existência desconheciam.

  8. - Assim sendo, deve ser considerado não provado o facto vertido no ponto 55. da lista dos factos dados como não provados.

    1. Facto 81. da Lista dos Factos Dados Como Provados 13ª - Do depoimento da testemunha J... (minutos 00:05:10 a 00:07:01) resulta que, no dia 31 de Julho de 2010, E... foi encaminhado para o hospital porque a própria J... , escandalizada com a escara, gritou e chorou de preocupação face ao estado de saúde do seu pai. Só nesse momento é que foi chamado o médico de serviço para avaliar a situação.

  9. - Assim sendo, deve ser considerado não provado o facto vertido no ponto 81. da lista dos factos dados como não provados, inclusivamente porque se encontra em contradição com o facto vertido no ponto 30. Da lista dos factos dados como provados.

    1. Facto 63., 64., 66., 87., 88., 89., 90. e 93. da Lista dos Factos Dados Como Provados 15ª - Os médicos e enfermeiros ao serviço da Unidade de Cuidados Continuados da Ré não prestaram a E... todos os cuidados exigidos e aconselhados face ao estado atual da ciência e de acordo com a sua condição.

  10. - Resulta do depoimento das testemunhas I... (minutos 00:04:08 a 00:09:41) e J... (minutos 00:08:00 a 00:08:40) que não existia um cuidado contínuo na mudança de posição de E... , por forma a aliviar as zonas de maior pressão 17ª - A presença contínua dos familiares de E... na Unidade da Ré foi confirmada pelas suas próprias testemunhas, nomeadamente N... (minutos 00:31:15 a 00:32:04) e F... (minutos 00:34:00 a 00:34:12).

  11. - Da mesma forma, como decorre da pág. 14 do Vol. II do Processo Clínico (Doc. 3 junto com a contestação), e apesar de a fisioterapia ser essencial na prevenção de aparecimento de úlceras de pressão, só foram feitos com E... exercícios de fisioterapia no dia 18 de Junho de 2010, apesar de este ter sido admitido no dia 1 de Junho de 2010 e de aí ter permanecido até 1 de Agosto de 2010.

  12. - Por seu lado, I... (minutos 00:08:16 a 00:08:42 e 00:14:46 a 00:16:14) e J... (minutos 00:07:32 a 00:08:00) viram que o seu pai estava colocado num colchão normal e não num colchão anti-escaras, como era aconselhável.

  13. - As testemunhas da Ré, ambas enfermeiras, N... (minutos 00:08:26 a 00:08:59) e O... (minutos 00:03:52 a 00:04:07) entraram em contradição quanto à colocação de colchão anti-escaras, pois enquanto a primeira deu a entender que o doente tinha sido colocado imediatamente num colchão desse tipo, a segunda afirmou que isso só sucedeu quando já existia uma maceração cutânea.

  14. - Portanto, fica claro que não foi colocado o referido colchão, sendo certo que a sua colocação após a existência de uma maceração é tarde demais para um doente diabético, como decorre do depoimento da testemunha F... (minutos 00:22:17 a 00:22:48).

  15. - No que concerne ao tratamento da escara, os funcionários da Ré não se aperceberam da infeção da mesma, tendo administrado antibióticos já numa fase muito avançada da ferida (apenas a 31 de Julho de 2010).

  16. - Era exigível que se apercebessem da infeção, uma vez que deram conta da evolução negativa da escara (pág. 74 do Vol. I e págs. 45, 46, 47 e...

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