Acórdão nº 1511/14.6TBCLD-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório Nos autos de execução supra identificados a exequente nomeou à penhora o crédito de IVA que os executados possuem sobre os Serviços de Administração do IVA, Direcção Geral das Contribuições e Impostos, Ministério da Finanças.

O tribunal recorrido indeferiu o assim requerido, invocando para o efeito a impenhorabilidade dos créditos de IVA consagrada no art. 8º do DL 122/88, de 20/4.

Não se conformando com o assim decidido, agravou a exequente, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: ...

Não se vislumbra dos autos que tenham sido produzidas contra-alegações.

O tribunal recorrido sustentou tabelarmente o despacho recorrido.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se o art. 8º do DL 122/88, de 20/4, foi revogado pelo DL 329-A/95, de 12/12 (Velho Código do Processo Civil – VCPC); 2ª) se padece de inconstitucionalidade a norma do art. 8º do DL 122/88, de 20/4.

III – Fundamentação

  1. De facto Os factos provados Os factos provados e com relevo para a presente decisão são os que emergem do antecedente relatório.

  2. De direito Primeira questão: se o art. 8º do DL 122/88, de 20/4, foi revogado pelo DL 329-A/95, de 12/12 (Velho Código do Processo Civil – VCPC).

A resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.

Em primeiro lugar porque no DL 329-A/95, de 12/12, não se detecta qualquer referência à revogação expressa do referenciado art. 8º, que é uma norma especial, tendo por referência o regime geral instituído por aquele DL 329-A/95.

Ora, é sabido que a lei geral não derroga lei especial que já exista, a não ser que o faça inequivocamente (art. 7º/3 do CC).

Como ensina Oliveira Ascensão (O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª edição, p. 528) “A afirmação, aparentemente lógica de que a lei geral, por ser mais extensa, incluirá no seu âmbito a matéria da lei especial, ficando esta revogada, não se sobrepõe à consideração substancial de que o regime geral não toma em conta as circunstâncias particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial. Por isso não será afectada em razão de o regime geral ter sido modificado.”.

Em sentido concordante com o acabado de explicitar ensinam Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão (Introdução ao Estudo do Direito, LEX, 2000, p.133) que “…a lei especial quis consagrar um regime específico para determinado número de situações de facto. Do que resultam duas consequências: I) Quando se altera a lei geral, em princípio, não se pensa já em afectar aquele domínio especial que se tem por destacado. II) A lei especial não pode ver o seu próprio espaço ameaçado por eventuais mudanças de valoração e perspectiva em relação ao universo geral.

”.

A sobrevigência, como regra, da lei especial não acontecerá, no entanto, se se retirar da lei nova a pretensão de regular totalmente a matéria anteriormente regida por leis especiais que aquela pretende que deixem de subsistir.

Por outro lado, se é certo que o vocábulo “inequívoco”, utilizado no art. 7º/3 do CC não implica o “expresso” da intenção revogatória do legislador, podendo assim haver revogação tácita da lei especial pela lei geral (Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, LEX, 2000, p.134), menos certo não é que: i) o intérprete deve procurar apurar um sentido objectivo da lei, qual seja o de regular exaustivamente um sector, não deixando subsistir fontes especiais, sendo que o sentido objectivo haverá de revelar-se por indícios traduzidos na premência da solução da lei geral, igualmente sentida no sector em que vigorava a lei especial, ou resultantes do facto de a solução constante da lei “especial” não se justificar afinal por necessidades próprias desse sector, pelo que não merece subsistir como lei especial (Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª edição, pp. 534/535); ii) sendo a intenção inequívoca e a declaração expressa coisas diferentes, não podemos tomar a atitude de considerar que “…tudo é questão de interpretação da nova lei, pois assim supriríamos arbitrariamente a palavra inequívoca, que exige uma posição qualificada por parte da lei. Não basta que da nova lei se retire uma intenção, é necessário que essa intenção seja inequívoca. Tudo somado, supomos que o art.º 7º, n.º 3, impõe uma presunção no sentido da subsistência da lei especial. Se não houver uma interpretação segura no sentido da revogação, ou se uma conclusão neste sentido não for isenta de dúvidas, intervém a presunção do art.º 7º, n.º 3, e a lei especial não é revogada.

” (Oliveira Ascensão, Introdução ao Estudo do Direito, Ano Lectivo de 1970/71, Revisão parcial em 1972/73, 1º ano – 1ª turma, edição dos Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, pp. 480/481.

Em face de quanto antecede, importa começar por recordar que do DL 329-A/95 não emerge qualquer referência explícita ao DL 122/88, nem ao regime fiscal de impenhorabilidade dos créditos de IVA.

É certo que nos termos do art. 12º desse DL 329-A/95 “Não são invocáveis em processo civil as disposições constantes de legislação especial que estabeleçam a impenhorabilidade absoluta de quaisquer rendimentos, independentemente do seu montante, em colisão com o disposto no artigo 824.º do Código de Processo Civil.

”.

Simplesmente, desse artigo não se extrai de forma inequívoca qualquer intenção legislativa de derrogar a impenhorabilidade dos créditos em IVA em análise.

Em primeiro lugar porque, no rigor, os créditos de IVA não são rendimentos do tipo daqueles a que se refere o referenciado art. 12º.

Em segundo lugar, porque aquela norma revogatória genérica foi instituída para os diplomas avulsos que previssem impenhorabilidades absolutas de rendimentos não condicionadas pelo respectivo montante, não sendo desse tipo a impenhorabilidade dos créditos de IVA em apreço que constituiu um tipo especial de impenhorabilidade relativa em função do sujeito – neste sentido, acórdão do TCA do Sul de 8/6/2004, proferido no processo 00728/03.

Como assim, regimes diferentes para espécies de impenhorabilidades diferentes, sendo que, por isso, a revogação genérica das primeiras não implica a revogação, mesmo que tácita, da segunda.

Tudo para concluir, assim, no sentido da apontada resposta negativa.

Segunda questão: se padece de inconstitucionalidade a norma do art. 8º do DL 122/88, de 20/4.

Nos termos da norma em análise, “São impenhoráveis os créditos de IVA, a menos que estes sejam oferecidos à penhora pelo próprio sujeito passivo.”.

Do ponto de vista material, o que justifica a impenhorabilidade sob apreciação radica nos seguintes fundamentos: Ø o Estado procura incentivar os sujeitos tributários passivos a cumprirem os seus deveres em matéria de tributação de IVA, oferecendo-lhe a garantia de que os créditos para os mesmos advenientes da relação tributária de IVA ficam isentos de agressão executiva por parte de credores estranhos à própria administração tributária, a não ser que os próprios sujeitos passivos de...

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