Acórdão nº 159/16.5PBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Setembro de 2016
Magistrado Responsável | FERNANDO CHAVES |
Data da Resolução | 14 de Setembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório 1.
No processo sumário n.º 159/16.5PBCLD, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Caldas da Rainha – Instância Local – Secção Criminal – J1, por sentença de 17 de Março de 2016, depositada na mesma data, o arguido A...
, já melhor identificado nos autos, foi condenado pela prática de dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal, na pena única, em resultado do cúmulo jurídico efectuado, de 8 (oito) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 ano sujeita a regime de prova e ao cumprimento de determinadas regras de conduta.
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Inconformado, recorreu o Ministério Público, retirando da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1.O recurso que agora se interpõe prende-se com o facto de a sentença recorrida ter condenado o arguido pela prática de dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário, previstos e punidos pelo art.347.º, n.º1, do Código Penal, porquanto se entende que a factualidade dada como provada apenas é susceptível de integrar a prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art.347.º, n.º1, do Código Penal.
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A questão a decidir é, portanto, a de saber se a conduta do arguido perante os dois agentes da PSP para se opor a que aqueles exercessem “as suas funções legítimas de reposição da ordem pública”, integra a prática de dois crimes crime de resistência e coacção a funcionário ou apenas um só crime de resistência e coacção sobre funcionário.
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Para tal importa, desde logo, atender à redacção do citado art.347.º, n.º1, do Código Penal.
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Por outro lado, igualmente relevante se mostra a inserção sistemática no Código Penal de tal ilícito.
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Ora, da sua inserção sistemática, do teor e redacção da própria norma incriminadora e bem ainda da sua razão de existir resulta que o bem jurídico protegido não é eminentemente pessoal cifrando-se antes na “autonomia intencional do funcionário”, só acessoriamente se protegendo a integridade física do funcionário.
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Não se trata, portanto, de um crime eminentemente pessoal, traduzindo-se a protecção do funcionário, que no exercício das suas funções executa as tarefas que lhe são cometidas, apenas um meio para assegurar essa mesma autoridade.
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Acresce que, tendo presente o disposto no art.30º, nº1 e nº3, do Código Penal, verifica-se existir, no caso em apreço, atentos os factos provados, apenas uma única resolução criminosa do arguido, pelo que a conduta do mesmo preencheu uma única vez o tipo de crime em apreço, em consequência do que cometeu apenas um único crime, e não dois.
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Em face do exposto comete um só crime o agente que na mesma ocasião emprega ”violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física” contra vários funcionários, membros das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança.
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Consequentemente, conclui-se que nos presentes autos o arguido cometeu um só crime de resistência e coacção sobre funcionário, apesar de na mesma ocasião se ter oposto, pela forma descrita nos factos provados, a que os dois agentes da PSP presentes exercessem “as suas funções legítimas de reposição da ordem pública.” 10.No sentido aqui pugnado veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 28/03/2007, proferido no processo nº98/2007-3, disponível in www.dgsi.pt e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/04/1999, in CJSTJ, tomo II, pág. 193, e de 18/02/2004, in CJSTJ, tomo I, pág. 205, citados pelo Acórdão supra mencionado. Veja-se igualmente Paulo Pinto de Albuquerque, in Ob. cit., p.911, e bem ainda Cristina Líbano Monteiro, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, 2001, III Vol., p.347.
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Diante do exposto, ao condenar o arguido pela prática de dois crimes de resistência e coacção a sentença recorrida violou o disposto no art.347º, nº1, e 30º, nº1 e nº3, ambos do Código Penal, termos em que não pode a mesma ser mantida nessa parte, devendo, em consequência, ser substituída por outra que condene o arguido na prática de um crime de resistência e coacção e o absolva pela prática do outro crime de resistência e coacção que lhe vinha imputado.
Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente, devendo a sentença recorrida ser revogada na parte em que condena o arguido pela prática de dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário e, consequentemente, substituída por uma outra que condene o arguido na prática de um só crime de resistência e coacção sobre funcionário e o absolva pela prática do outro crime de resistência e coacção sobre funcionário que lhe vinha imputado, assim se fazendo JUSTIÇA.» 3.
O arguido não respondeu ao recurso.
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Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, subscrevendo na íntegra a motivação de recurso, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve proceder.
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No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP([1]), o arguido nada disse.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão * II - FUNDAMENTAÇÃO 1. A sentença recorrida 1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): «1. No dia 28 de Fevereiro de 2016, pelas 12:00 horas, o arguido dirigiu-se ao Café (...) , sito na Rua Augusto Batista de Carvalho, Caldas da Rainha, área desta instância.
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Após ali ter estado por duas vezes, na sequência de desentendimentos ocorridos consigo, o arguido A... voltou ao local e neste estavam dois elementos da PSP de Caldas da Rainha, agente B... e agente C... .
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Estavam ambos devidamente uniformizado e identificados enquanto agentes policiais.
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A agente B... dirigiu-se ao exterior do café e abordou o arguido, questionando-o sobre o que queria do estabelecimento.
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Respondeu que queria falar com o seu pai e foi informado por esta agente que o seu pai já não se encontrava no local.
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Abandonou o local novamente, voltando logo de seguida.
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A agente B... deslocou-se ao exterior do estabelecimento e dirigiu-se ao arguido, solicitando para que fosse embora.
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Nessa ocasião, o arguido encostou a cara dele à da agente B... .
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Esta advertiu-o para cessar com o seu comportamento, o que o arguido ignorou e, de seguida, cuspiu na direcção da sua cara.
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Nesse momento a agente B... usou força para que o arguido se afastasse de si e aquele não acatou tal ordem.
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Então, o arguido dirigiu-se aos dois agentes da PSP proferindo as seguintes palavras “SEUS FILHAS DA PUTA, VOU-VOS MATAR, SOIS UNS MERDAS, VOCÊS VÃO VER, VOU-VOS MATAR”.
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A agente B... voltou a insistir para qr respondendo este: “SEUS FILHOS DA PUTA, QUANDO...
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