Acórdão nº 4285/15.0T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | V |
Data da Resolução | 23 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório E (…) com os sinais dos autos, intentou ação declarativa de condenação, com a forma de processo comum, contra 1.ª - “A (…) - Companhia de Seguros, S. A.
” e 2.ª - “Fundação (…), IPSS”, ambas também com os sinais dos autos, pedindo que seja: a) «a Ré seguradora condenada a pagar ao autor a quantia de 69.000 € (…), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados desde a data do sinistro, até integral e efectivo pagamento»; b) a 2.ª R. condenada «no pagamento da quantia de 20.000 € (..) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, contados desde a citação»; c) Ambas as RR. condenadas «no pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais, que se venham a apurar em incidente de liquidação, por referência aos artigos 10º, 11º, e 12º da p.i.» [por necessitar de ser submetido a outra cirurgia, pois o dedo amputado ficou mais curto do que o normal, com o osso a necessitar de ser encurtado].
Para tanto, alegou, em síntese, que: - tendo sofrido um acidente no âmbito de programa ocupacional (POC), quando realizava trabalho para a 2.ª R. (Fundação), suportou, em consequência, diversos danos (baixa médica e IPP de 3%, sendo que se encontra incapacitado permanentemente para executar qualquer normal tarefa que imponha a utilização dos membros superiores, bem como dores, submissão a tratamentos e curativos, cicatrizes/dano estético, sendo ainda que o dedo atingido terá de ser submetido a nova intervenção cirúrgica); - a 2.ª R. havia transferido para a 1.ª R. (Seguradora) a sua responsabilidade, mediante contrato de seguro, com cobertura de invalidez permanente e incapacidade temporária, tendo sido paga ao A. indemnização pelos períodos de ITT e ITA; - falta, porém, indemnizar o A. pelo dano patrimonial decorrente da IPP, no montante de € 69.000,00, a que acrescem juros moratórios, contados desde o acidente, bem como por danos não patrimoniais (sofrimentos, dores, incómodos, dano estético), no montante de € 20.000,00, e, em montante a liquidar, pelo dano referente à cirurgia a que terá de ser submetido; - não tendo a responsabilidade por danos não patrimoniais sido transferida para a R. Seguradora, por eles responde a 2.ª R., razão pela qual o respetivo pedido indemnizatório é contra esta deduzido.
Contestou a 2.ª R. (Fundação), excecionando a sua ilegitimidade, por ter, nos termos legais, contratado um seguro de acidentes pessoais, junto da 1.ª R., tendo como pessoa segura o A., com as coberturas de morte, invalidez permanente, incapacidade temporária e despesas de tratamento no âmbito da atividade desenvolvida, de serviços agrícolas, pelo que impende sobre a seguradora o dever indemnizatório quanto a todos os danos sofridos, não se mostrado que ocorra qualquer exclusão relativamente a danos não patrimoniais; - ainda que se demonstre que o contrato de seguro exclui a indemnização por danos não patrimoniais, não cabe à 2.ª R. ressarci-los, posto que apenas poderia incorrer em responsabilidade contratual, a qual inexiste no caso, não lhe sendo imputado qualquer incumprimento contratual ou conduta culposa; - impugnou ainda os danos e montantes pretendidos, requerendo a intervenção principal provocada da R. Seguradora, por ser esta o sujeito passivo da relação material controvertida quanto à indemnização por danos não patrimoniais, e concluindo pela improcedência da ação quanto a si.
Contestou também R. Seguradora: - impugnando diversa factualidade alegada pelo A.; - alegando ter-lhe procedido a diversos pagamentos, em sede indemnizatória, bem como que o contrato de seguro celebrado abrange exclusivamente o ramo de acidentes pessoais, respondendo apenas pelas coberturas e capitais seguros expressamente acordados; - invocando obedecer o pagamento das indemnizações garantidas aos critérios consignados no art.º 56.º das condições gerais da apólice, sendo aplicável, para o cálculo indemnizatório, a Tabela Nacional de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo DLei n.º 352/2007, de 23-10 (Anexo II), e concluindo por dever a ação ser julgada em conformidade com a prova dos autos.
Admitida a requerida intervenção principal da R. Seguradora, veio esta tomar posição, concluindo como na sua anterior contestação, enquanto o A. veio pugnar pela improcedência da exceção de ilegitimidade deduzida.
Dispensada a audiência prévia, saneado o processo – julgou-se a R. Fundação parte legítima – e definidos o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se à audiência final, com produção de provas, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Na parcial procedência do pedido, a) absolvo a ré seguradora do pedido de pagamento da quantia de 69.000 € (sessenta e nove mil euros), a título de danos patrimoniais decorrentes da incapacidade parcial permanente, acrescida de juros de mora, contados desde a data do sinistro, até integral e efectivo pagamento; e bem assim, na sequência da sua intervenção provocada pela co-ré, do pedido de pagamento da quantia de 20.000 € (vinte mil euros) a titulo de danos não patrimoniais.
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absolvo ambas as rés do pedido de pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que se venham a apurar em incidente de liquidação, por referencia aos artigos 10º, 11º, e 12º da p. i. [por necessitar de ser submetido a outra cirurgia, pois o dedo amputado ficou mais curto do que o normal, com o osso a necessitar de ser encurtado].
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condeno a ré fundação a pagar ao autor a quantia de € 10500 (dez mil e quinhentos euros), já actualizada à presente data, a título de danos morais, do mais se absolvendo a mesma.».
Inconformada com tal sentença, vem a R. Fundação interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([1]): (…) Pugna, na procedência do recurso, pela revogação da decisão proferida, absolvendo-se a recorrente do pedido, ou, se assim não for entendido, reduzindo-se o montante da indemnização por danos morais para € 1.600,00, na procedência da nulidade invocada, ou, subsidiariamente, para o valor máximo de € 3.385,24.
Contra-alegou apenas o A., pugnando pela improcedência do recurso e, subsidiariamente, caso a apelação proceda, pela condenação da R./Chamada Seguradora no pagamento da indemnização por danos morais.
*** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantido o regime e o efeito fixados.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe saber, em matéria de facto e de direito:
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Se ocorrem as invocadas causas de nulidade da sentença; b) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, designadamente por ser conclusivo o enunciado da 1.ª instância; c) Sobre qual das RR. deve recair a questionada obrigação indemnizatória, designadamente se estamos perante um dano coberto (ou excluído) pelo contrato de seguro celebrado.
*** III – Fundamentação
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Da nulidade da sentença Invoca a Apelante que a sentença recorrida incorreu em violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ªs d) e e), do NCPCiv., tratando-se, assim, dos vícios de omissão ou excesso de pronúncia – al.ª d) – e de condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido – al.ª e).
Cabia, por isso, à Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontram consubstanciados na sentença apelada aqueles vícios geradores de nulidade da mesma, o que devia ser feito mas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.
Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Em seguida se verá se o fez.
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- Do excesso de pronúncia Resulta do art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do CPCiv., que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.
De acordo com Amâncio Ferreira ([2]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.
E, segundo Alberto dos Reis ([3]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([4]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma...
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