Acórdão nº 1020/17.1T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelPAULA MARIA ROBERTO
Data da Resolução19 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório O Ministério Público intentou a presente ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, relativamente ao trabalhador A...

, contra B... , S.A.

, com sede em Lisboa alegando, em síntese, que a Ré celebrou com A... um denominado contrato de prestação de serviços com início em 23/06/2016 e termo a 22/03 /2017, visando executar trabalho técnico de seleção e captação de imagens e sons e efetuar o manuseamento de equipamento, fazendo a cobertura de reportagens jornalísticas através dos meios técnicos disponíveis; em 23/03/2017 celebraram novo ajuste, mediante o qual renovaram a prestação por mais um ano; A... estava adstrito à delegação da B... da Guarda; não obstante aquela denominação titulada nos contratos, a prestação desenvolvida em cumprimento dos mesmos, era semelhante em tudo a atividade típica de uma relação laboral; A... recebia e recebe ordens e orientações do colega Jorge Esteves que integra os quadros da Ré, acerca dos serviços de que era incumbido; está e estava sujeito aos regulamentos internos da Ré e respectivos códigos de conduta; é convocado e participa em reuniões de equipa; tem um horário móvel mas com disponibilidade total; não pode celebrar outros contratos; não exercia nem exerce funções para qualquer outra entidade e vivia exclusivamente dos rendimentos auferidos ao serviço da Ré; utiliza os equipamentos fornecidos pela Ré; usa o logotipo da B... ; usa um veículo pertença da Ré e o telemóvel do chefe de equipa; o seu trabalho é enquadrável no complexo organizacional da Ré e é característico de uma relação laboral.

Termina, dizendo que deve a ação ser julgada provada e procedente e, por via dela, ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho subordinado entre a Ré B... e o trabalhador A... e que a relação laboral teve início a 23/06/2016.

* A Ré devidamente citada para contestar, veio fazê-lo alegando que: Existem limitações (proibições) à constituição de relações de trabalho subordinado com entidades do sector público empresarial; existe uma impossibilidade da B... reconhecer eventuais situações de trabalho dependente pois estaria a assumir uma relação jurídica nula e cuja invalidade é insuprível; o próprio tribunal está impossibilitado de reconhecer eventuais situações de trabalho dependente celebradas pela B... , pelo que, o pedido deve ser julgado liminarmente improcedente, por implicar a constituição de um ato nulo; a participação da ACT é inválida porque a conduta imputada à Ré não é ilícita e porque assentava numa determinação para a prática de um ato ilícito; a regularização extraordinária dos vínculos precários na administração pública e no sector empresarial do Estado só pode ser efectuada através do programa PREVPAP instituído pelo governo e no qual a Ré está a participar; a presente acção não pode ser aplicada à B... nem a qualquer outra empresa do sector público do Estado; o prestador a que se reporta a presente acção submeteu-se ao PREVAP e como o efeito pretendido por este e por aquela é exactamente o mesmo, estão em curso dois procedimentos distintos e que, a mantendo-se, corre-se o risco de obter decisões opostas por parte do governo e do tribunal, pelo que, está-se perante uma situação de litispendência especial ou atípica, razão pela qual, a Ré deve ser absolvida da instância no segundo processo; a presente ação já poderá ser aplicável se após parecer favorável homologado pelo governo proferido no âmbito do PREVAP a Ré não regularizar a situação do prestador. Caso assim não se entenda, deve ser ordenada a suspensão da instância até que sejam concluídas as diligências do PREVAP. Caso se entenda que a presente ação se aplica, foi violado o direito de defesa da Ré com a consequente invalidade da acção promovida pelo MP; em qualquer caso, a relação material estabelecida entre as partes não configurou de forma alguma, a existência de uma relação laboral, nem se confunde com a existente entre a Ré e os seus trabalhadores e, por fim, que não se verificam indícios da existência de uma relação de trabalho subordinado.

Termina, dizendo que deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, ser a Ré absolvida dos pedidos contra si formulados.

* De seguida, foi proferida a decisão de fls. 116 e segs. com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto decide o Tribunal: Julgando verificada execção dilatória inominada, absolver a ré > da instância.” * O Ministério Público, notificado desta decisão veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: “3.1. O Meritíssimo Juiz “a quo” julgou verificada uma excepção dilatória inominada, a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa, absolvendo assim a ré B... da instância.

3.2. Tal excepção dilatória resultaria das disposições conjugadas dos art.os 28º, n.os 2 e 3 da Lei n.º 7º-A/2016, de 30/03 (lei do Orçamento do Estado de 2016) e 94º do Decreto-Lei n.º 18/2016, de 13/04 (normas de execução do Orçamento do Estado para 2016), e das disposições conjugadas dos art.os 42º, n.º 2 e 5, 43º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado de 2017) e art.os 123º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 03/03 (normas de execução do Orçamento do Estado para 2017), segundo as quais as empresas públicas e as entidades públicas empresariais do sector público empresarial apenas podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo, em situações excepcionais, devidamente fundamentadas, cumprindo os requisitos legalmente impostos, sendo que a verificar-se uma contratação contrária a tal imposição legal é sancionada com a nulidade.

3.3. Salvo o devido respeito, daqui não resulta que uma contratação laboral a tempo indeterminado ou a termo, ainda que sob a aparência de um contrato de prestação de serviços, não possa ser judicialmente reconhecida como tal, pois tal reconhecimento é, desde logo, a condição necessária para que se possa afirmar da sua nulidade.

3.4. Pelo que o tribunal “a quo” ao ser chamado a pronunciar-se sobre a natureza de contrato de trabalho da relação estabelecida entre A... e a ré pode e deve, se for caso disso, reconhecer a existência de um vínculo de trabalho subordinado, o qual, por força das supra citadas disposições legais, será nulo.

3.5. O Juiz “a quo” não pode escusar-se a conhecer do mérito da causa, perante uma pretensa excepção dilatória inominada, uma vez que o eventual reconhecimento de um contrato de trabalho, cujos efeitos retroagem ao início da relação jurídica, acarreta efeitos jurídicos, pois de acordo com o disposto no art.º 122º, n.º 1, do Código do Trabalho “O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado”.

3.6. Assim, deveria o Meritíssimo Juiz “a quo” ter conhecido no mérito da causa porquanto o reconhecimento do vinculo de trabalho numa empresa do sector publico empresarial não leva, sem mais, há admissão de “trabalhador publico”, antes podendo levar, apenas, a que o vinculo laboral venha a ser declarado nulo, produzindo até esse momento os efeitos jurídicos próprios desse tipo de contrato.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, substituindo a decisão recorrida por outra em que se considere como não verificada a alegada excepção dilatória, determinando-se, em consequência, o prosseguimento da lide.

No entanto, V. Exas. melhor decidirão, fazendo a costumada justiça com elevado saber.

* A Ré apresentou resposta nos seguintes termos: “I.

A sentença Recorrida decidiu corretamente, ao concluir pela ocorrência de uma exceção dilatória que conduz à absolvição da instância, pois no caso concreto, não é legalmente admissível reconhecer a existência de um contrato de trabalho celebrado com a Recorrida nem fixar a data de início da produção dos respectivos efeitos. Assim o impede a lei, que expressamente comina a nulidade, originária e insuprível, de contratos de trabalho celebrados pela Recorrida sem obtenção da prévia obtenção de autorização governamental, sendo que uma decisão judicial nunca seria suficiente para suprir tal nulidade.

II.

Trata-se, aliás, da solução que tem sido seguida na generalidade das sentenças que têm julgado pleitos em tudo idênticos ao presente.

III.

A posição sustentada pelo Recorrente revela-se totalmente improcedente e até inconsequente, desde logo porque assenta numa contradição insanável e totalmente contrária ao escopo da presente ARECT.

IV.

Servindo a presente ação para declarar a existência de um contrato trabalho e fixar a data da constituição da relação laboral por ele instituída, não pode a mesma ter como resultado declarar que existe um contrato que a lei expressamente estabelece ser nulo, razão pela qual não pode essa mesma existência ser declarada pelo Tribunal, como acertadamente decidiu a sentença recorrida (e também tem sido decidido nas demais ações em tudo idênticas à presente), sendo, aliás, contrário ao fim a que a ARECT se destina.

V.

Tal decisão não permitiria, pois, obter o resultado visado pela presente ação, isto é, o reconhecimento da existência de contrato de trabalho válido e eficaz, suscetível de permitir a manutenção da relação laboral.

VI.

A pretensão do Recorrente, no sentido de obter do Tribunal a declaração de existência de contrato de trabalho inexistente ab initio, com vista a que se produzam os efeitos da nulidade do Código do Trabalho, é subversiva do escopo positivo da própria Ação (como ação de espécie declarativa de simples apreciação positiva com vista à declaração de existência de um direito), não fazendo, por isso, qualquer sentido, VII.

Improcede também o argumento do Recorrente quanto afirma que reconhecimento de existência de contrato de trabalho acarreta os efeitos jurídicos da nulidade prevista no Código do Trabalho, pois tais efeitos e respetivo regime encontram-se afastados pelas normas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT