Acórdão nº 2918/16.0T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução16 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra A... e B...

, casados entre si, residentes na Rua (...) , (...) , vieram propor a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra o Banco C... .

, com sede na (...) .

Alegaram, em síntese útil, em abono da sua pretensão, que: - são clientes do C... , S.A., sucursal de (...) , há mais de 15 anos, onde são titulares, com a sua filha, de uma conta à ordem, sendo a Autora mulher, pessoa com a 4ª classe, quem sempre contactava o Réu; - em 2006, o então gestor de conta aconselhou a Autora a efetuar um depósito de € 100.000,00, por um período de 2 anos, com um juro de 6% ao ano, o que a Autora aceitou julgando tratar-se de um depósito a prazo; - apenas agora a Autora soube que, afinal, a referida quantia foi aplicada em obrigações de caixa aforro, realidade que desconhecia o que fosse; - em 2008, com o vencimento de tal “depósito”, a então gestora de conta aplicou o referido montante em obrigações de caixa subordinadas, não explicando à Autora (então com 76 anos de idade) que se tratava de uma aplicação financeira e não de um mero depósito a prazo, assegurando o juro anual de 6%; - tais obrigações são emitidas pelo prazo de 10 anos; - em 2015, a Autora, por disso necessitar, quis levantar parte do dinheiro, o que não pôde por apenas em 2018 poder mobilizar o capital; - em junho de 2015, o então gestor de conta disse à Autora que poderia dispor do dinheiro se assinasse uns papéis. Atenta a relação de confiança existente, a Autora acedeu, tendo sabido agora que, afinal, se tratava de uma troca das obrigações subordinadas por ações do C... , S.A.; - com essa troca, a Autora perdeu logo o valor de € 7.500,00, o que não se apercebeu por não ser investidora qualificada; - O Réu assegurou à Autora que os seus € 100.000,00 estavam seguros, garantindo o capital, e a Autora, se conhecesse a natureza do investimento, nunca teria dado o seu assentimento à aplicação.

Pediram, assim, que se condene o Réu a pagar-lhes a quantia de € 100.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Citado, o Réu contestou, alegando que foi a Autora quem sempre interagiu com o Réu, mostrando-se bem esclarecida e conhecedora, tanto que foi dela a iniciativa de renovar, em 2008, a aplicação com uma remuneração idêntica ou muito semelhante à que se vencera, tendo obtido todas as explicações e respetiva documentação. Mesmo na troca das obrigações pelas ações, porque a Autora pretendia mobilizar o capital antecipadamente, ocorreram três reuniões com a Autora, tendo esta sido esclarecida dessa troca e das características das ações e obtido toda a documentação.

Concluiu pela improcedência da ação.

Proferiu-se despacho saneador e definiram-se o objeto do litígio e os temas da prova, sem reclamações.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 238 a 248, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se julgou improcedente, por não provada, a presente acção, com a consequente absolvição do réu do pedido, ficando as custas a cargo da autora.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso, os autores, A... e B... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 159), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1) Na d. sentença recorrida foram julgados provados os factos transcritos a fls- 2 a 6 das presentes alegações e que aqui se dão como reproduzidas e como não provados os factos transcritos a fls- 6 e 7 e que aqui também se dão como reproduzidos 2) Para formar a sua convicção sobre a matéria de facto a Sra. Juíza baseou-se na entrega de documentação (cujo conteúdo ignora) à A., documentação que esta não leu dada a confiança que depositava no seu gestor de conta.

3) No que concerne à prova testemunhal a Senhora Juíza alicerçou a sua convicção unicamente no depoimento da testemunha G... , gestor da conta da A., que tinha óbvio interesse no resultado da acção, dado o facto de ser funcionário do Réu.

4) Aliás o seu depoimento foi prestado de forma vaga e defensiva, constituindo um verdadeiro “ depoimento de parte” e como tal deveria ter sido valorado.

5) Mas a Senhora Juíza baseou também a sua decisão sobre a matéria de facto no “boletim de aceitação da oferta pública de troca de valores mobiliários emitido pelo C... e pelo C... Finance Company”.

Só que, 6) Para além da A. não ter lido o aludido boletim (documento elaborado em letra minúscula e em linguagem cifrada) este não é intelegível para grande parte da população portuguesa e muito menos por uma pessoas com as características da A.: uma senhora de 83 anos, doméstica e que apenas exercera a profissão de costureira Mas mais: 7) No aludido boletim aparece como ordenante “ A... ” quando é certo que o Banco nunca o contactou, sendo que o R. não ordenou o que quer que fosse.

8) É que o Banco, com receio que os outros titulares da conta não aceitassem a operação em causa, optou por não lhes dar conhecimento da mesma.

Acresce que, 9) A Senhora Juíza, apesar de os transcrever, não aplicou ao caso concreto o estatuído no art. 312. n. 2 nem o art. 312-E do C.V.M., sendo que este artigo refere que o intermediário financeiro, deve, além do mais explicar “ com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro “, sendo que 10) Como resulta da matéria provada nenhum dos riscos do investimento (risco do preço, risco de liquidez, risco de crédito …) foram explicados à A., sendo que se tal tivesse acontecido nunca a A. teria aceite a operação 11) Dos factos provados também não resulta que o Banco tivesse dado cumprimento ao estatuído no art. 314 do CVM., apesar de ser público e notório que o investimento em acções é apenas adequado a investidores com muita experiência.

12) Aliás é significativo que, no seu depoimento, o aludido G... tenha escamoteado a razão pela qual o C... promoveu a troca das obrigações por acção: o aumento do seu capital social.

13) Escamoteou este facto para “ esconder” o interesse do Banco nesta operação e a consequente “obrigação” dos funcionários de convencer os clientes de que estes teriam de ganhar com a operação em causa.

14) No caso vertente, e contrariamente ao referido na d. sentença recorrida, estamos perante “ técnicos de venda agressivas, com vista ao cumprimento de meros objectivos que recaem sobre funcionários bancários …” 15) É o que decorre do facto do aludido G... ter reunido três vezes com a A., estando numa das reuniões presente o responsável do balcão, Dr. K..., que foi apresentado como Presidente do banco.

Acresce que, 16) No último dia do prazo para a troca das obrigações por acções o gestor de conta telefonou para a A., sendo que esta apenas se deslocou à agencia e efectuou a operação após este telefonema (cfr. depoimento de G... 20170502095801_3735876_2870939 wma: minuto 00:16:12 a 00:16:24.

Da impugnação da matéria de facto 17) O ponto 20 da matéria de facto tem a seguinte redacção: “ Em todos os actos acima referidos tudo foi tratado pela A., a qual se mostrava interessada e com capacidade para gerir o património da A. “ 18) A redacção correcta deste ponto é a seguinte: “Em todos os actos acima referidos tudo foi tratado pela A. e pelo seu gestor de conta, sendo que a A. ignorava o significado financeiro de acções e obrigações.

19) Não existe qualquer prova, em todo o processo, que a A.

“tivesse capacidade para gerir o património financeiro dos AA.“, sendo que tal expressão é meramente conclusiva, não constituindo matéria de facto, razão pela qual deverá ser considerada não escrita.

20)Mas mais: A A. poderá ter capacidade para efectuar depósitos e proceder a levantamentos, mas não tem obviamente conhecimentos que lhe permitam efectuar investimentos, e transacionar produtos financeiros.

21) No entanto, por mera cautela, ir-se-á indicar os depoimentos das testemunhas que demonstram que a A. não tinha os conhecimentos necessários sobre os produtos financeiros, tendo ouvido falar em ações e obrigações, ignorando no entanto em que os mesmos consistiam, nunca tal lhe tendo sido explicado.

a)Depoimento de B...

(ficheiro 20170502093622_3735876_2870939.wma, minuto 00:01:53 a minuto 00:02:47) (ficheiro 20170502093622_3735876_2870939.wma, minuto 00:10:55 a minuto 00:11:06) – (cujo depoimento se deixou transcrito a fls 17no corpo destas alegações e que aqui se dá como reproduzido).

b)Depoimento de D...

(ficheiro 20170502103432_3735876_2870939.wma, minuto 00:05:24 a minuto 00:05:52)(ficheiro 20170502103432_3735876_2870939.wma, minuto 00:06:19 a minuto 00:06:41) (cujo depoimento se deixou transcrito a fls 18 no corpo destas alegações e que aqui se dá como reproduzido).

  1. Depoimento de E...

    (ficheiro 20170502133932_3735876_2870939.wma, minuto 00:06:10 a minuto 00:06:31) (cujo depoimento se deixou transcrito a fls 18 no corpo destas alegações e que aqui se dá como reproduzido).

    d)Depoimento de F...

    (ficheiro 20170502134825_3735876_2870939.wma, minuto 00:04:20 a minuto 00:05:27) (ficheiro 20170502134825_3735876_2870939.wma, minuto 00:09:32 a minuto 00:09:49) (cujo depoimento se deixou transcrito a fls 18 e 19 no corpo destas alegações e que aqui se dá como reproduzido).

    22) Por outro lado é óbvio que a A. nunca tomou qualquer opção nem nunca efectuou qualquer transacção sozinha, mas sempre em conjunto com o seu gestor de conta, como resulta dos seguintes depoimentos.

    a)Depoimentos de B... .

    (ficheiro 20170502093622_3735876_2870939.wma, minuto 00:03:50 a minuto 00:04:17) (ficheiro 20170502093622_3735876_2870939.wma, minuto 00:07:45 a minuto 00:07:53) (ficheiro 20170502093622_3735876_2870939.wma, minuto 00:11:26 a minuto 00:11:53) (ficheiro 20170502093622_3735876_2870939.wma, minuto 00:06:25 a minuto 00:06:31) (cujo depoimento se deixou...

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