Acórdão nº 204/10.8GASRE.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelOLGA MAUR
Data da Resolução17 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO 1.

O arguido A... foi condenado nas penas de 2 anos e 2 meses de prisão e 160 dias de multa, à taxa diária de 10 €, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de violência doméstica, do art. 152º, nº 1, al. a), e 2, do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, dos art. 2º, nº 1, al. a), 3º, nº 6, al. c), e 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23/2.

Feito o cúmulo jurídico foi-lhe aplicada a pena única de 2 anos e 2 meses de prisão e 160 dias de multa, à taxa diária de 10 €.

A execução da pena de prisão foi suspensa por 2 anos e 2 meses.

O arguido foi, também, condenado a pagar à vítima, B... , 700 € a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da sentença até pagamento.

Foram declaradas perdidas a favor do Estado uma arma de fogo longa com a marca Winchester e o número K48086E, calibre 12, com o comprimento total de 111 cms e de cano de 69,5 cms, e uma arma de fogo longa, com marca e número de série desconhecidos, calibre 12, com o comprimento total de 110,5 cms e 69,5 cms de cano.

2.

O arguido recorreu e apresentou as seguintes conclusões: 1. O conteúdo dos pontos 4. e 6. dos factos provados é conclusivo; 2. Padece de nulidade a acusação e por consequência a sentença que a ratifica, pois não concretiza o tempo e lugar da prática dos factos, nos termos do artº 283º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal; 3. Um episódio integrador do crime de injúria e/ou ameaça, praticado num só momento, não perde a qualificação primária e imediata que a lei penal, desde sempre, lhe despendeu, integrando, desde logo e sem mais, a previsão legal mais gravosa do crime de violência doméstica pela circunstância de se dirigir ao cônjuge; 4. Relativamente ao imputado crime de violência doméstica, não se provou o elemento volitivo, porque não se provou que, ao actuar da forma e nas situações descritas, o arguido sabia que estava a maltratar física e psicologicamente, de forma reiterada, a sua mulher, e a violar os deveres de respeito e solidariedade que sabia lhe incumbirem, querendo agir da forma por que o fez; 5. O tribunal a quo não dispunha de prova para ter por assente que era o arguido o detentor das armas, que estavam num local onde não vive e ao qual não tem acesso; 6. A expressão “fora das condições legais”, do artº 86, nº 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23/2, é de tal forma aberta e equívoco que não pode basear um tipo legal, que se exige acessível e claro; 7. Perante a previsão legal qualquer cidadão conclui que a expressão «detenção de arma proibida» se reporta à arma e não às condições da sua detenção; 8. As armas cuja detenção determinou a condenação não são proibidas: são duas armas de classe D, destinadas a uso venatório, para o uso das quais o arguido estava legalmente habilitado, com a respectiva licença de uso e porte de arma.

3.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu dizendo que os factos dos pontos 1 a 6 não são referência genéricas e conclusivas, que a conduta violenta do arguido se prolongou no tempo, desde 1977 a 2010, de forma reiterada, e que os termos em que a acusação foi deduzida permitiram ao arguido defender-se, por a matéria imputada estar suficientemente concretizada.

Quanto ao crime de detenção de arma proibida disse não ser admissível o arguido, caçador, alegar não saber que tinha que legalizar as armas que comprava.

O sr. P.G.A. emitiu parecer no mesmo sentido. Defendeu que as expressões não datadas apenas pretenderam dar conta da relação conjugal e do comportamento do arguido nessa relação e não imputar-lhe um concreto crime. Quanto à alegada falta de consciência da ilicitude relativamente ao crime de detenção de arma proibida, disse não ter sentido defender-se desta forma uma vez que possuía outras armas que registou.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.

* FACTOS PROVADOS 5.

Foram julgados provados os seguintes factos: «1 – O arguido e B... celebraram entre si casamento em (...) de 1977; 2 – E encontram-se separados desde data não concretamente determinada, anterior ao mês de Agosto, do ano de 2010; 3 – Dessa união nasceram dois filhos: a) C... , em (...) 1978; e b) D... , em (...) 1986; 4 – Desde data não concretamente determinada, o arguido, por diversas vezes, molestou, física e verbalmente, B... ; 5 – Chamando-lhe “puta” e “vaca”; 6 – Por diversas vezes, o arguido anunciou a B... que atentaria contra a vida dos seus familiares e, de seguida, se mataria a ele próprio; 7 – No dia 10 de Agosto de 2010, o arguido dirigiu-se à casa do casal composto por si e por B... , em Portugal, sita na Rua (...) ; 8 – Onde se encontrava B... e D... ; 9 – Nessa ocasião, pretendia levar consigo três armas de sua propriedade; 10 – Perante a recusa de B... , o arguido, perante o filho D... , chamou àquela “puta” e “vaca”; 11 – E disse: “Deito fogo à casa e ao carro… fodo-vos a todos”; 12 – Desde data não concretamente determinada, até ao dia 12 de Agosto de 2010, o arguido detinha, na referida residência do casal: a) Uma arma de fogo longa com a marca Winchester e o número K48086E, calibre 12, com o comprimento total de 111 cms e de cano de 69,5 cms, em bom estado de conservação e aparentando condições para efectuar disparos; b) Uma arma de fogo longa, com marca e número de série desconhecidos, calibre 12, com o comprimento total de 110,5 cms e 69,5 cms de cano, em mau estado de conservação e funcionamento; 13 – Tais armas não se encontravam registadas nem manifestadas.

14 – O arguido conhecia a natureza e as características das armas que detinha; 15 – O arguido sabia que a posse e a detenção, naquelas circunstâncias, das referidas armas, eram proibidas; 16 – O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; 17 – O arguido é pedreiro de profissão, encontrando-se, presentemente, em situação de incapacidade, auferindo pensão no valor mensal de cerca de € 1.500,00; 18 – O arguido vive com uma companheira; 19 – O arguido tem averbada ao seu registo criminal uma condenação, proferida em (...) 2012, pelo Tribunal Correctionnel de (...) , da República Francesa, pela prática, em (...) 2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com regime de prova».

6.

O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos: «… Quanto aos filhos do casal composto pelo arguido e B... , o Tribunal considerou os depoimentos prestados pelos próprios, C... e D... , relevando, igualmente, o depoimento daqueloutra testemunha.

No que respeita aos comportamentos do arguido, o Tribunal fundou a sua convicção nos espontâneos e consentâneos depoimentos prestados pelas referidas testemunhas, B... , C... e D... , que descreveram o que presenciaram, justificando as respectivas razões de ciência, referindo a testemunha C... que a sua mãe e o seu irmão se haviam deslocado a Portugal, para a residência do casal neste país, narrando B... e D... , de forma concordante e coerente, o desenrolar dos eventos ocorridos no dia 10 de Agosto de 2010.

Tais depoimentos, em articulação com o teor do termo de recebimento, a fls. 16, e com o auto de apreensão, a fls. 17, relevaram para a determinação da posse das armas, pelo arguido, na residência do casal.

As características das armas assentaram-se com base no auto de exame directo, a fls. 18, e nos autos de exame, a fls. 236 e 237.

A subjectividade presente no arguido retira-se do próprio circunstancialismo em como decorreram os eventos, não se afigurando crível que o mesmo agisse sem ser por livre determinação da sua vontade, nem se descobrindo – maxime, pela repetição dos comportamentos – outro propósito que não o deliberado. Ademais, a sancionabilidade dos comportamentos da natureza dos descritos é do geral conhecimento dos cidadãos e, concomitante e necessariamente, também, do arguido, mostrando-se pouco plausível que o desconhecesse, sendo certo, por outro lado, que, dedicando-se o mesmo à actividade venatória, conforme reconhecido unanimemente pelas testemunhas inquiridas, e sendo possuidor de licença de caça, de licença de uso e porte de arma de caça (cfr. fls. 50 e 51), bem como de outra arma manifestada e registada (cfr. fls. 48 e ss.), teria, forçosamente, que saber ser necessário o manifesto e o registo respeitante àquelas em discussão nos presentes autos, bem como da censurabilidade penal da sua ausência.

No que respeita aos antecedentes criminais, foi considerado o certificado de registo criminal junto aos autos.

As condições pessoais do arguido retiraram-se dos depoimentos das referidas testemunhas, B... , C... e D... , que revelaram conhecimento directo de alguns aspectos atinentes à actual vivência do arguido e justificaram as respectivas razões de ciência, depondo, ademais, com espontaneidade.

Escasso relevo tiveram os depoimentos das testemunhas...

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