Acórdão nº 358/14.4PBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução17 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal de Viseu, Juiz 2, sob acusação do Ministério Público e acusação particular da assistente A... , que o Ministério Público acompanhou, foi submetida a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, a arguida B...

, divorciada, nascida a (...) 66, natural de (...) , filha de (...) e de (...) , titular do CC nº (...) , residente na (...) , imputando-se-lhe, na acusação pública, a prática, em autoria material, de um crime de perturbação da vida privada, p. e p. no art.190.º, nº 2, do Código Penal e, na acusação particular, um crime de injúrias, na forma continuada, p. e p. pelo art.181.º do mesmo Código.

A assistente A... deduziu ainda pedido de indemnização contra a referida arguida/demandada, pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 4.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais a contar da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 28 de julho de 2017, decidiu: - Declarar extinto o procedimento criminal contra a arguida B... , relativamente aos crimes de perturbação da vida privada e de injúrias que lhe são imputados, por faltar ao Ministério Público e à assistente A... a necessária legitimidade para promover o processo e para a dedução das respetivas acusações pública e particular, com o consequente arquivamento dos autos; e - Julgar extinto o pedido de indemnização civil formulado pela referida demandante e assistente A... contra a referida arguida /demandada B... , por impossibilidade superveniente da lide (art.277.º, al. e) do CPC).

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso a assistente A...

, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. Em primeira instância, por sentença, foi declarada extinto o procedimento criminal contra a arguida, ora Recorrida, relativamente aos crimes de perturbação da vida privada e de injúrias p. e p. pelos artigos 181º e 190º n.º 2 do Código Penal (doravante, designado como C.P) que lhe são imputados, por faltar ao Ministério Público e à Assistente a necessária legitimidade para promover o processo e para a dedução das respectivas acusações pública e particular, com o consequente arquivamento dos autos. Ainda julgar extinto o pedido de indemnização civil formulado pela referida demandante e assistente e contra a arguida/ demandada por impossibilidade superveniente da lide (art. 277º al. e) do Código de Processo Civil).

  1. Não pode a Assistente, ora Recorrente, conformar-se com a sentença do tribunal a quo, na qual a Meritíssima Juiz entende que a Digna Magistrada do Ministério Público deduziu acusação, em processo comum singular, contra a referida Arguida B... , onde lhe imputa a prática, em autoria material, de um crime de perturbação da vida privada p. e p. no artigo 190º, nº 2 do Código Penal, tendo por base os seguintes factos “A assistente A... foi casada com D... , de quem se encontra separada há mais de 10 anos. Sendo que, desde 2012/2013, a ora arguida mantém um relacionamento com o referido D... com quem depois passou a viver em união de facto. Acontece que, desde o início desse relacionamento que a Arguida passou a perturbara vida privada, a paz e o sossego da A... , enviando-lhe constantemente mensagens para o telemóvel nº x (...) , que sabia pertencer à queixosa, o que fazia através do telemóvel nº y (...) e outros que não foi possível identificar. Com efeito, entre outras situações que não foi possível concretizar, a arguida enviou à queixosa mensagens pelo menos nos dias: 15,16, 24 e 29 de Março de 2013; 1 de abril de 2013; 18 de Novembro de 2013; 18 de Novembro de 2013; 3 e 28 de dezembro de 2013; 1 de Janeiro de 2014; 8,19,21,22,24 de Fevereiro de 2014; 18,21,24 de Maio de 2014 – Conforme reportagem fotográfica. A Arguida por diversas vezes enviou mensagens, pela mesma via, para o telemóvel da filha da queixosa nº z (...) , tentando coloca-la contra a mãe de que falava mal, para dessa forma perturbar a vida e o sossego da A...

    ”.

  2. Entende o tribunal a quo não haver legitimidade por parte do Ministério Público, para promoção do processo, respectivamente, acusar a arguida por entender que não há queixa e na existente, não há correspondência fática entre a queixa e a acusação pública e que na participação efectuada pela Assistente não existe manifestação de vontade de que seja instaurado procedimento criminal.

  3. Entende ainda o tribunal a quo, quanto ao crime de injúrias, também extinto o procedimento por faltar a Assistente a legitimidade de proceder à acusação particular, por quanto na participação não manifestou intenção de proceder criminalmente contra a arguida.

  4. A Assistente, ora Recorrente, é obrigada a discordar com a posição tomada pelo tribunal a quo, por entender que existe um erro notório na apreciação da queixa e respectivos aditamentos constante nos autos.

  5. Preceitua o artigo 190º do C.P que “Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.

  6. 2 - Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel. (sublinhado nosso)”, comete um crime de perturbação da vida privada, crime este de natureza semi-pública e por isso, dependente de queixa para desencadear o seu procedimento criminal, conforme o disposto no artigo 198º do C.P.

  7. Já o crime de Injúria previsto e punido pelo artigo 180º do CP prevê que “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.

    ”, é um crime de natureza particular, pelo que depende de acusação particular conforme preceituado no artigo 188º nº 1 do CP.

  8. Fala-se a este propósito do princípio da oficialidade, «a iniciativa e o impulso processuais da investigação prévia e da submissão a julgamento das infracções criminais competem oficiosamente às entidades públicas a quem a lei confere o encargo daquela investigação e aos tribunais criminais» (Simas Santos e Leal Henriques, 2003, p. 329).

  9. Este princípio sofre limitações, dado existirem, ao lado de crimes em que o procedimento criminal é desencadeado oficiosamente pelo Ministério Público, que exerce a acção penal com plena autonomia – os chamados crimes públicos, crimes relativamente aos quais, atenta a sua natureza, se exige diferentes requisitos para a respectiva promoção processual, nomeadamente crimes cujo procedimento criminal depende de apresentação de queixa por parte do ofendido, ou de terceiros que para tal tenham também legitimidade – art.49º do CPP – assim se conferindo legitimidade ao Ministério Público para exercer a acção penal – os crimes semi-públicos; e crimes em que a legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal necessita de ser integrada não só com uma queixa, mas também com uma acusação particular – os crimes particulares (art. 50º do CPP). Em suma, de acordo com a fonte do impulso para instauração de procedimento criminal, podem os crimes ser classificados como crimes públicos, semi-públicos, e particulares.

  10. O procedimento criminal tem como primeira fase o inquérito. Este inicia-se com a aquisição da «notícia do crime», através da denúncia (da mera denúncia, nos crimes públicos), da queixa (crimes semi-públicos), ou da queixa e constituição de assistente (crimes particulares). A denúncia consiste numa comunicação, que pode ser verbal (reduzindo-se então a escrito com elaboração do respectivo Auto) ou escrita, através da qual é levada ao conhecimento do Ministério Público a suspeita de que foi cometido um crime.

  11. Nos crimes semi-públicos, a promoção do procedimento pelo Ministério Público está condicionada pelo poder/dever de apresentação de queixa pelas pessoas para tal legitimadas, sem o exercício do direito de queixa, o Ministério Público carece de legitimidade para promover o processo, sendo que, no caso dos crimes semi-públicos, esta constitui um pressuposto (processual) da admissibilidade do mesmo.

  12. Nos crimes particulares, o artigo 50º do CPP exige que o ofendido apresente queixa. Assim, apresentada a queixa, o Ministério Público desencadeia a investigação penal, com os elementos de prova fornecidos pelo ofendido. O Ofendido terá que se constituir Assistente. Findo o inquérito, o Ministério Público convida o queixoso a deduzir acusação, o Ministério Público não acusa.

  13. No procedimento por crimes que têm essa natureza, o conteúdo da queixa define o objecto da investigação, que só poderá ser ampliado com novos factos, cujo procedimento criminal também dependa de queixa, se entre estes e os iniciais se verificar conexão ou identidade substantiva, o mesmo é dizer, desde que, neste caso, se mantenha no âmbito da situação denunciada e de protecção do mesmo bem jurídico.

  14. A queixa pode considerar-se uma forma de denúncia, da qual, no entanto, se distingue porque enquanto esta é uma mera declaração de ciência (simples transmissão do facto com eventual relevância criminal a quem tem legitimidade para promover o processo penal), a queixa exige, também, uma manifestação de vontade (por parte do respectivo titular, normalmente o ofendido) especificamente dirigida a que o agente seja perseguido criminalmente.

  15. Essa manifestação de vontade tem que dar a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto, podendo considerar-se como tal o pedido de intervenção no processo como assistente por parte do titular do direito de queixa formulado em momento imediatamente subsequente à verificação do facto.

  16. Reforçando o anteriormente dito com a...

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