Acórdão nº 189/14.1PFCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2018
Magistrado Responsável | ORLANDO GON |
Data da Resolução | 07 de Março de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
Relatório Por despacho de 25 de setembro de 2017, o Ex.mo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Coimbra - Juiz 1, decidiu, nos termos do art.311.º, n.ºs 1, 2 alínea a) e 3, alínea b), do Código de Processo Penal, rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido A...
, por nula e manifestamente infundada.
Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o assistente B...
, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 39. Entende o Recorrente, perante a factualidade indicada no Despacho que ora se recorre e ao Direito aplicável, que não existem fundamentos para a rejeição do douto despacho.
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Assim, e como já se constatou, o Ministério Público adotou um discurso resumido, mas não deixou de evidenciar a clara intenção do arguido ao atuar de forma a enganar os vários assistentes deste processo, com vista a obter, para si, um enriquecimento patrimonial.
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Todavia, ainda que se considere a douta acusação ferida de nulidade, há que antever que terá de ser considerada nulidade sanável, à luz do art.119 [a contrario]; 42. E neste sentido, O douto despacho que rejeitou a acusação deve ser revogado e substituído por outro que permita a retificação da acusação pelo Ministério Público, dando-se cumprimento ao disposto nos arts.122º/2 do CPP.
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Sendo este o único procedimento que faz jus aos princípios da oficialidade, da verdade material e da economia processual.
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Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Évora proferido no âmbito do processo n.º 1083/08.OTAABF.E1 “«Mergulhada a jurisprudência em decisões desencontradas sobre o significado e alcance da expressão acusação manifestamente infundada, que [sem mais/constava do n.
º 2. al.a) do art.311.º, na versão originária do Código, aspecto que seguramente o legislador da Reforma de 1998 não desconhecia, entendeu ele indicar, expressamente, ao aplicador do direito, com a introdução do actual n.º 3 do preceito, os casos em que a acusação deve considerar-se manifestamente infundada.
Fê-lo, diga-se, de forma coerente. Na verdade, congruentemente com a norma do art.283.º, que fulmina com a nulidade a acusação que, no que agora importa, (i) não contenha a identificação do arguido, (ii) a narração, ainda que sintética, dos factos, (iii) a indicação das disposições legais aplicáveis e (iiii) as provas que a fundamentam, previu, expressa e imperativamente, estes casos como aqueles em que o juiz a rejeitará [a acusação. bem entendido] porque manifestamente infundada.
E acrescentou-lhe, por fim, outro fundamento de rejeição: os de os factos não constituírem crime - al. d) do n.º 3, do art.311.º. E tudo isto bem se compreende. É que uma acusação a que falte algum daqueles elementos ou que os factos nela descritos não constituem crime é de tal modo inepta que o juiz, ao ser-lhe remetido o processo para julgamento, só a pode rejeitar porque, claramente, notoriamente, está votada ao insucesso, sendo, pois, manifestamente infundada.
Se é assim, então temos por certo que a previsão daquela al. d) que impõe a rejeição da acusação, só contempla os casos em que os factos nela descritos, claramente, notoriamente, não constituem crime.
Quer dizer: a acusação só deve ser considerada manifestamente infundada, e consequentemente rejeitada, com base na predita al. d), quando for notório, quando resultar evidente, que os factos nela descritos, mesmo que porventura viessem a ser provados, não constituem crime [vale por dizer: que não preenchem qualquer tipo legal de crime].
Já se vê, assim, que tal não pode ser o caso em que o juiz, no despacho de saneamento, fazendo um juízo sobre a relevância criminal desses factos, escorado em determinado entendimento doutrinal ou jurisprudencial, opta por uma solução jurídica, quando, na situação concreta, outra, ou outras, seriam possíveis.
Procuremos transmitir a mesma ideia numa simples frase: a previsão da al. d) do n. º 3 do art.311.º não pode valer para os casos em que só o entendimento doutrinal ou jurisprudencial adoptado, quando outro diverso se poderia colocar, sustentou a não qualificação dos factos como penalmente relevantes.»[2] De regresso ao processo, e sem necessidade de grandes considerações ou sequer de tomar posição sobre a existência do crime por que foi deduzida acusação, cumpre referir que tendo o despacho recorrido, com o propósito de fundamentar a decisão nele tomada, encontrado apoio numa tendência jurisprudencial e doutrinária que não é, actualmente, uniforme e pacífica - porque existe entendimento jurisprudencial em sentido oposto - não podia, com tal fundamento ter rejeitado a acusação.
Não pode, por isso, tal despacho prevalecer.” 45. Não sendo de olvidar que, a negação da possibilidade de convite à correção, ao aperfeiçoamento ou à simples apresentação de um requerimento, por forma a cumprir com os requisitos meramente formais da acusação, implica a violação do direito de intervenção do assistente e do Ministério Público no processo penal, nos termos do nº 7 do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a retificação da acusação.
Também o assistente D...
, inconformado com a douta decisão, dela interpôs recurso, sendo do seguinte teor as conclusões que extraiu da motivação que apresentou: 1. Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho, que se decide por rejeição da acusação pública, por oito crimes de burla simples, previstos e punidos pelo art.217.° do CP imputado ao arguido A... , por considerar ser nula e manifestamente infundada, nos termos dos artigos 283.°, n.º 3, al. b) e 311.º, n.ºs 2, al. a) e 3, al. b) do CPP, por considerar insuficiente a descrição fáctica do elemento subjetivo do crime, máxime ter agido de forma livre, voluntária e consciente e a consciência da ilicitude criminal dos factos; 2. Com todo o respeito pelo Douto Tribunal, não se concorda com tal decisão, por se entender que a acusação pública não padece de uma nulidade, pois contém a narração, ainda que sintética, de todos os elementos previstos nos artigos 311.°, n.º 3, alínea b) e 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal; 3. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 217.° do Código Penal, são elementos constitutivos do crime de burla: a) A “astúcia” empregue pelo agente; b) O “erro ou engano” da vítima astuciosamente provocado; c) A “prática de actos” pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida; d) O “prejuízo patrimonial” - da vítima ou de terceiro - resultante da prática dos referidos actos; e) Nexo causal: é necessário que entre os elementos acima descritos existam sucessivas relações de causa e efeito, nomeadamente que: da astúcia resulte o erro ou engano; do erro ou engano resulte a prática de actos pela vítima; da prática desses actos resulte o prejuízo patrimonial; f) Intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo: é necessário que se verifique a existência de dolo; 4. Na formulação da acusação apresentada pela douta Procuradora do Ministério Público foi efetuada a narração, ainda que sintética, dos factos, o que nos permitimos transcrever para melhor compreensão: «O arguido é vigilante de segurança privada (...)», «O arguido desempenhava, ao serviço da “ X (...) ”, funções de vigilante e de supervisor para a zona Centro.
Concomitantemente, o arguido, e em nome individual, desempenhou, também, funções relacionadas com ações de formação de vigilantes e angariação de clientes de tais formações, em parceria com outras empresas, dedicadas à formação.
Para o efeito, o arguido, para além de trabalhar como vigilante em diversos locais, tomou de arrendamento uma loja em Z(... ), no Centro Comercial (...) , na Av. (...) , onde desenvolvia o seu trabalho para a referida sociedade “ X (...) ” e anunciava ações de formação de vigilante em parcerias, com a “ X (...) ” e outras empresas similares como a “ Y (...) ”.
Aproveitando-se dos conhecimentos decorrentes da sua profissão e dos contactos que pela mesma via foi desenvolvendo, a determinada altura decidiu o arguido aliciar terceiros para ações de formação e reciclagem com vista à obtenção e renovação dos cartões profissionais de vigilante, sem que, todavia, tivesse efetivamente intenção de conseguir tais cartões para os potenciais clientes, com o único fito de ficar para si com as quantias que pelos mesmos viessem a ser entregues como contrapartida da formação e do cartão.
Em execução de tal plano, o arguido, em março de 2014, acordou com D... , titular de cartão de vigilante com validade até 12 de outubro do mesmo ano, a frequência, pelo segundo, de uma ação de formação para renovação do seu cartão profissional, pelo valor de € 185,00.
O D... entregou € 185,00 ao arguido e frequentou, por indicação deste, entre 10 e 21 de fevereiro de 2014, ações de formação em Z(... ), tendo entregue ao arguido, toda a documentação necessária para a renovação do cartão de vigilante». (....) «Todavia, o arguido não entregou qualquer quantia às entidades formadoras, não fez incluir o nome do D... , nas listas de formandos de tais entidades, nem diligenciou pela renovação do seu cartão profissional.
O arguido ficou para si com os € 185,00 entregues pelo D... , dissipando-os em seu proveito.
O D... , só em outubro de 2014, quando viu caducado o seu cartão, soube que foi enganado pelo arguido.( ... )» «O arguido atuou, sempre, com intenção de enganar os ofendidos, fazendo-os crer que junto dele se inscreviam em cursos de segurança privada, apenas pera deles receber os respetivos - alegados - pagamentos, com que se locupletou.
O arguido aproveitou a sua situação laboral e contactos com empresas de formação de segurança privada para levar os ofendidos a entregar-lhe quantias de dinheiro (…), apenas...
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