Acórdão nº 35/13.3JACBR-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução20 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA No Juízo de Instrução Criminal de Leiria, da Comarca de Leiria – J2, a encerra a fase de instrução, foi proferida decisão instrutória relativamente aos arguidos A... , B... e “ C... , L.da”, não os pronunciando pela prática do crime de falsidade informática por que vinham também acusados e pronunciando-os pela prática, em co-autoria material, em concurso real e efectivo e na forma consumada, de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256°, n.º1, al. a), d) e e), do C. Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 202º, al. b), 217°, n.°1 e 218°, n.°2, al. a), todos do C. Penal. A arguida C... , Lda. é penalmente responsável pelos mesmos crimes, nos termos do artigo 11°, n.°2, al. a) e n.°4, do C. Penal.

Na sequência, o arguido B... veio arguir a nulidade do despacho de pronúncia, pedindo a sua substituição por outro que reconheça a nulidade da acusação e daí retire todas as consequências.

O MP pronunciou-se pelo indeferimento do requerimento em causa.

Sobre o mesmo recaiu o seguinte despacho (teor literal): Em requerimento autónomo, veio o arguido B... arguir a nulidade da decisão instrutória, por violação do disposto nos artigos 303º e 309º do C. P. Penal.

Conclusivamente, sustentou tal entendimento no seguinte: a) as correcções e modificações feitas à acusação não resultam, efectivamente, de novos factos descobertos na instrução, pelo que não há lugar à aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 303° do CPP; b) sendo que, paralelamente, e faltando algum elemento essencial à acusação – nos termos do n.º 3 do artigo 283º – a solução é a do arquivamento ou não pronúncia, e nunca o recurso ao regime da vinculação temática; c) ou seja, a interpretação dos artigos 1º, alínea f), 303º, 358º e 359º do CPP de acordo com a qual é possível em fase de instrução ou julgamento, que o juiz proceda à sanação de nulidades da acusação por omissão da narração de factos essenciais (em violação do disposto no artigo 283º do CPP) invocando uma “alteração não substancial dos factos” é inconstitucional por violação do disposto no n.º 5 do artigo 32º da CRP; d) caso assim não se entenda, sempre se consideram as alterações realizadas – no seu conjunto – como substanciais nos termos dos artigos 1º, n.º 1, alínea f) e 303º do CPP; e) e entende-se assim, pois as alterações feitas correspondem, no fundo, a uma global correcção da acusação pelo JIC, confundindo-se a função do JIC com a do MP, em desconformidade ao princípio do acusatório; f) sendo que, também, tais alterações têm um impacto significativo no direito de defesa do arguido, sacrifício este que não é – no caso – justificado pelo interesse conflituante de prossecução penal, uma vez que o MP teve todas as mais justas e amplas oportunidades de deduzir uma acusação válida, tal não tendo acontecido apenas por incúria; g) ou seja, a interpretação dos artigos 1º, alínea f), 303º, 358º e 359º do CPP, de acordo com a qual é possível em fase de instrução ou julgamento, que o juiz proceda à sanação de nulidades da acusação por omissão da narração de factos essenciais (em violação do disposto no artigo 283º do CPP) ou à correcção de contradições, erros e omissões graves da acusação, sem que tenham sido, efectivamente, descobertos quaisquer factos novos, invocando para tal uma “alteração não substancial dos factos” é inconstitucional por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 32º da CRP.

Notificados os co-arguidos e o Ministério Público para, querendo se pronunciarem, apenas o fez este último, sustentando, em síntese, a Digna Procuradora da República que as alterações à acusação feita no despacho de pronúncia contiveram-se dentro dos limites permitidos pelas disposições conjugadas dos artigos 303º, n.º 1, 3, 4 e 5 e 309º, n.º 1, e com respeito pelos artigos 1º, al. f), 358º e 359º, todos do CPP; que a alteração factual considerada não permite a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, nos termos definidos pelo citado artigo 1º, pelo que a alteração factual que ocorreu na prolação do despacho de pronúncia se traduziu numa alteração não substancial de factos; pelo que a convolação a que se procedeu não enferma de qualquer vício processual justificativo da alegada nulidade do despacho de pronúncia.

Cumpre apreciar e decidir.

As questões suscitadas pelo arguido requerente já foram alvo de tratamento no despacho de pronúncia, nada havendo a acrescentar ou modificar. Pelos fundamentos que se voltarão a reproduzir, mantenho que o despacho de pronúncia não colmatou nulidades da acusação e não alterou substancialmente os factos nela descritos, não incorrendo em qualquer nulidade ou interpretando de forma inconstitucional qualquer preceito legal.

Como já se disse na decisão instrutória: «(…) a alteração factual considerada conteve-se dentro do balizamento definido pela acusação do Ministério Público. Mesmo perante as muito significativas deficiências de tal peça, resulta evidente que aos arguidos é imputada a falsificação de receituário e documento suporte de vendas fictícias de medicamentos. A delimitação de quais as receitas e vendas de medicamentos integradas no objecto do processo foi feita mediante a descrição de tal documentação. Foi também listado o rol de utentes cujos elementos identificativos foram, na tese da acusação, abusivamente usados para fabricar receitas e documentos de venda falsos. A alteração de factos que se considera verificável em caso de pronúncia, como resulta dos aludidos despachos de 08/05/2017 e de 07/06/2017 e, de resto, é reconhecido pelo arguido B... a fls. 1889 a 1994, traduz essencialmente clarificação e correlação de factos, eliminando aqueles que, manifestamente, não permitem a sustentação da aplicação aos arguidos de pena ou medida de segurança e, consequentemente, não têm lugar numa acusação ou pronúncia (artigos 283º, n.º 1 e n.º 3, al. b) e 308º, n.º 1, ambos do C. P. Penal). A definição do objecto processual que a acusação deve fazer não é extensível, com respeito pela opinião contrária, a factos meramente instrumentais ou que servem para “contextualizar” aqueles que integram tipos legais de crimes. Os arguidos também não têm “direito” a ver mantida factualidade na acusação que lhes permite invocar vícios de nulidade ou ininteligibilidade. Assim como não faz sentido que vejam atentados ao seu direito de defesa por via da eliminação de factos que constavam da acusação inicial. Em boa medida, o que resulta dos despachos de 08/05/2017 e 07/06/2017 traduz concordância e desenvolvimento da argumentação expendida do RAI do arguido B... . Não existe construção de “narrativa fundamentalmente” diversa da narrada na acusação. O que está em causa já resultava do acervo factual descrito nessa peça, isto é, a imputação de plano entre os arguidos médico e farmacêutico no sentido de obterem do Serviço Nacional de Saúde (SNS) comparticipações indevidas mediante a “fabricação” de receitas que não correspondiam a efectivas prescrições, com base nas quais se simulavam vendas de medicamentos a utentes mediante a “fabricação” de documentos de venda, sendo que tais vendas nunca ocorreram na verdade. O conjunto de documentos listado na acusação define o alcance do plano executado, pelo que a sua manutenção assegura a convergência do objecto processual, estando em causa a mesmíssima narrativa. Não há violação do princípio acusatório quando o Juiz de Instrução se limita a clarificar a – neste caso particular, muito – confusa descrição feita na acusação pública, a torná-la inteligível, a correlacionar receitas e documentos de venda com utentes (que a acusação elencou em listas separadas) e a eliminar factos penalmente irrelevantes ou relativamente aos quais se indiciava o preciso contrário do que era afirmado. A alteração factual considerada não permite a imputação aos...

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