Acórdão nº 663/16.5 PBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

I – Relatório.

O arguido A...

, entretanto mais identificado, foi submetido a julgamento sob a aludida forma de processo comum singular[1], porquanto alegadamente incurso nos termos da acusação deduzida pelo Ministério Público, na prática de um crime de violência doméstica, p.p.p. art.º 152.º, n.ºs 1, al. b), 2, 4, 5 e 6 do Código Penal, em concurso efectivo de infracções com um crime de dano, este p.p.p. art.º 212.º, do mesmo diploma.

Findo o contraditório[2], proferiu-se sentença decidindo convolar aquela acusação pública, imputando ao arguido a prática de dois crimes de ofensas à integridade física simples, p.p.p. art.º 143.º, n.º 1, e três crimes de injúria, p.p.p. art.º 181.º, n.º 1, preceitos ambos do Código Penal, e, em consequência, homologar a desistência de queixa quanto aos mesmos, determinando a extinção do procedimento criminal assim subsistente.

1.2. Inconformado com o sentenciado, recorre o Ministério Público para este Tribunal da Relação, retirando da correspondente motivação as seguintes conclusões e pedido: 1.ª Na sentença recorrida foram dados como provados todos os factos constantes da acusação que estiveram na base da imputação do crime de violência doméstica, com excepção do seguinte: “Com a conduta descrita, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, reiteradamente, com o propósito concretizado, de maltratar física e psicologicamente a ofendida, sua namorada, bem como após terminarem o relacionamento, causando-lhe medo e inquietação e lesando-a na sua dignidade pessoal e enquanto mulher, não se coibindo de o fazer na residência da ofendida.” 2.ª Para dar o facto supra descrito como não provado, sendo aquele que corresponde ao elemento subjectivo atinente ao crime de violência doméstica, o Tribunal a quo considerou que os demais factos dados como provados não consubstanciam a prática desse crime mas sim de crimes de ofensas à integridade física simples e de injúrias.

  1. Sobre o âmbito de protecção do crime de violência doméstica pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-02-2013: “A ratio deste artigo que estamos a analisar vai muito mais longe que os maus tratos físicos, abrangendo também os maus tratos psíquicos, como as ameaças, as humilhações, as provocações, as curtas privações da liberdade de movimentos e as ofensas sexuais. Assim sendo, podemos dizer que o bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é a saúde, esta entendida enquanto saúde física, psíquica e mental e, por conseguinte, podendo ser afectada por uma diversidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa, afectem a dignidade pessoal e individual do cônjuge.” (Acórdão proferido no processo n.º 2167/10.0 PAVNG.P1 disponível in www.dsgi.pt) 4.ª A conduta tipificada no crime de violência doméstica é um “estado de agressão permanente” por parte do sujeito activo, sem que as agressões físicas ou psíquicas tenham que ser reiteradas ou constantes.

  2. Não vemos como não considerar os factos dados como provados integradores deste tipo legal.

  3. A relação de namoro entre o arguido e a vítima B... durou, segundo as palavras desta e não colocadas em causa, entre meados de Novembro de 2014 e Novembro de 2016, ou seja, cerca de 2 anos (conforme declarações constantes no sistema integrado de gravação, 11:25:02, passagem com início a 00:02 e fim a 02:59).

  4. Quer o período temporal de relacionamento, quer o período efectivo em que estavam juntos, mostra-se substancialmente reduzido, mas sempre pautado por violência, quer física, quer psicológica.

  5. Não se pode aceitar dizer-se, tal como refere a sentença recorrida, que houve grande dispersão temporal entre os factos e baixa gravidade na sua prática.

  6. O arguido, nas poucas vezes que esteve com a ofendida, supostamente para namorarem ou para férias, optou por maltratá-la e rebaixá-la, mantendo essa postura até depois de o relacionamento terminar, como comprovam os factos ocorridos em 19/12/2016.

  7. A violência doméstica não exige uma reiteração de condutas, nem exige uma actuação prolongada no tempo - O que se exige para a distinguir dos tipos legais que, autonomamente, poderiam integrar os factos, é que a actuação do sujeito seja de tal forma capaz de subjugar a vítima que se torne um “plus” em relação a esses mesmos tipos legais.

  8. A própria forma como a vítima manifestou a intenção de desistir de queixa não mostra qualquer desculpabilização pela conduta do arguido ou sequer atribuição de pouca gravidade ao que aquele lhe fez, mas tão-somente uma tentativa de procurar a paz e a tranquilidade que lhe faltou durante o relacionamento e que esperava conseguir ao deixar estes episódios no passado.

  9. Mal andou por isso o Tribunal a quo ao dar como não provado o facto constante dos factos não provados e correspondente ao elemento subjectivo do crime de violência doméstica.

  10. Em consequência, entende-se ser de aditar à matéria de facto provada o seguinte ponto: “Com a conduta descrita, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, reiteradamente, com o propósito concretizado de maltratar física e psicologicamente a ofendida, sua namorada, bem como após o final do relacionamento, causando-lhe medo e inquietação e lesando-a na sua dignidade pessoal e enquanto mulher.” 14.ª A sentença recorrida violou o disposto no art.º 152.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.

Devendo ser substituída por uma outra que condene o arguido pela prática deste ilícito.

1.3. Notificado da interposição do recurso, o arguido não respondeu.

1.4. Proferido despacho admitindo a oposição e cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos para esta Relação.

1.5. Aqui, aquando da vista a que alude o art.º 416.º do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu proficiente parecer nos termos resumidos seguintes: - Atenta a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida sob os pontos n.ºs 2 a 10, e, visto o art.º 127.º, do Código de Processo Penal, não se poderia ter dado como não provado o elencado elemento subjectivo da infracção. Aliás, no que concerne, a decisão recorrida padece de omissão na apreciação crítica da prova, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal.

- A sentença recorrida padece de nulidades de conhecimento oficioso que se invocam e, assim, deverão considerar-se questões prévias à apreciação de meritis. Com efeito: a) Tal peça procedeu à convolação dos crimes, alterando a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, sem observar o disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, incorrendo, consequentemente, na nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma adjectivo; b) Não constam da sentença recorrida os elementos subjectivos dos tipos legais para que foi feita a convolação [rectius, que o arguido agiu com intenção de ofender ou molestar fisicamente a ofendida e com intenção de ofender a honra ou consideração da mesma], e daí que ela não possa operar. Vale por dizer, então, que ocorre nulidade por insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, nos termos e para os efeitos do art.º 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, o que, como o demais alegado, justifica e impõe o reenvio dos autos à 1.ª instância para os fins do estatuído pelo art.º 426.º, n.º 1 do aludido diploma.

1.6. No âmbito do subsequente art.º 417.º, n.º 2, o arguido não ofereceu qualquer resposta.

1.7. Efectuado o exame preliminar dos autos, no entendimento de que nenhuma circunstância obstava à apreciação do recurso, determinou-se o seu prosseguimento com a recolha dos vistos vistos legais e submissão a conferência.

Cabe, então, apreciar e decidir.

* II - Fundamentação.

2.1. A decisão recorrida deu como provados os factos seguintes: Da acusação pública: 1. O arguido e a ofendida B... encetaram uma relação de namoro em meados de 2014 até Novembro de 2016, mantendo o arguido a residência na Rua X... e a ofendida a residência na Y... , em Z... .

  1. Em dia não concretamente apurado, no Verão de 2015, quando a ofendida se encontrava junto às traseiras do prédio onde reside, o arguido, por motivos não concretamente apurados, desferiu-lhe um murro nas costas.

  2. Simultaneamente, o arguido dirigiu-se à ofendida dizendo “sua puta, sua cadela vadia, és pior do que as mulheres da estrada.” 4. Em dia não concretamente apurado de Julho de 2016, pelas 05h00, quando ambos se encontravam num quarto de hotel na localidade de W... , Espanha, o arguido, por motivos não concretamente apurados, desferiu um murro na face do lado esquerdo da ofendida, fazendo com que esta caísse e batesse com a cabeça na cama.

  3. Simultaneamente, o arguido dirigiu-se à ofendida dizendo-lhe “sai deste quarto, sua puta, és pior que as mulheres da estrada” e “sai daqui, fui eu que paguei este quarto, sai nunca mais te quero ver.” 6. No dia 19 de Dezembro de 2016, após a ofendida ter dito que iria mostrar à polícia mensagens que o arguido lhe havia enviado, o arguido enviou do seu telemóvel com o n.º 0 (...) para o telemóvel da ofendida com o n.º 1 (...) uma mensagem com o seguinte teor: “Ui que medo. Tu és muito amiga deles, quem sabe não esteja lá o teu futuro engate. Mas diz-lhes que meteste os cornos ao teu ex comigo e que me encornaste a mim com o teu ex e agora so tu sabes quem te anda a foder e a fazer os dois de cornos. Que medo eu tenho dessa escumalha. Vai se quiseres ate vou contigo sua vadia reles ate a C... e a D... são mais mulheres e honestas que tu seu monte de merda, uma gaja que o dia que acaba uma relação mete outro em casa é o quê? Uma gaja que mal acaba uma relação vai para o ex é o quê? Sei que estas palavras são duras mas mereces ouvi-las mesmo tu não sendo nenhuma puta ou vadia, mas que és desonesta e falsa és.” 7. Nesse mesmo dia 19 de Dezembro de 2016, pelas 21h15, quando a ofendida se...

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