Acórdão nº 38/12.5TASJP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Novembro de 2014

Data da Resolução19 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 38/12.5TASJP.P1 1ª Secção Criminal Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.

Relatório No Tribunal Judicial de São João da Pesqueira, Secção Única, foi proferido despacho de pronúncia para julgamento em processo comum, e perante tribunal singular, dos arguidos B… e C…, devidamente identificados nos autos, imputando-lhes a prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º 2, do Código Penal.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com a seguinte decisão (transcrição): “Nestes termos e pelos fundamentos que antecedem, decido condenar, pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência qualificada prevista no art.º 348º, n.º 1 2 e do Cód. Penal, por referência ao art.º 391.º do CPC: - A arguida B…, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), o que perfaz o quantitativo global de €760,00 (setecentos e sessenta euros); - O arguido C…, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 9,00 (nove euros), o que perfaz o quantitativo global de €855,00 (oitocentos e cinquenta e cinco euros).

Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.º 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1 do CPP e 8.º, n.º 5 do RCP).

Registe e deposite.

Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal”.

Inconformados com a condenação, os arguidos recorreram para este Tribunal da Relação do Porto, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. Os recorrentes não se conformam e, assim, impugnam: A) a decisão sobre a matéria de facto corporizada nos pontos 2. (na parte em que se referencia haver um impedimento efectivo de passagem), 7., 8. E 9.: B) a decisão sobre a matéria consubstanciada no facto de se entender ter sido preenchido o tipo legal de crime previsto nas disposições conjugadas dos artigos 391.º do CPC (actual artigo 375.º) e 348.º do CP.

  1. Entendem os recorrentes que dos elementos de prova produzidos se deveria ter dado como assente que: A) os queixosos nunca estiveram efectivamente impedidos de passar para o seu prédio através do dos ora recorrentes, não existindo obstáculos que a tal circunstância levasse - pontos 2. E 8.; B) conjugado o ponto 7. Com os pontos 3. A 6., não foi dado como provado que os ora recorrentes foram pessoalmente notificados da sentença de 30.04.2012, proferida na sequência da sua oposição; C) os recorrentes não tiveram intenção de desrespeitar o comando judicial, considerando tanto o já exposto como o facto de a ordem em causa, então não transitada em julgado, falhar em termos de requisitos de concretude no que toca à fixação de prazo para a reposição do leito do caminho, não sendo, por tal motivo e em bom rigor, susceptível sequer de execução civil.

  2. Por outro lado, existe nos autos factualidade relevante para a decisão da causa não expressamente referenciada na sentença, designadamente: A) em complemento ao ponto 6., ter o arguido C… sido notificado da sentença de 02.03.2012 em 22.03.2012 e a arguida B… em 19.03.2012 (vd. Docs. 1 e 2 juntos com a contestação); B) a participação criminal ter sido apresentada em 04.04.2012, ou seja, antes sequer de ter terminado o prazo para os ora recorrentes deduzirem oposição à dita sentença, para dela recorrerem e invocarem eventuais nulidades e da sentença de 30.04.2012 que constituiu a decisão definitiva em 1.ª instância; C) os ora recorrentes não terem sido pessoalmente notificados da sentença de 30.04.2012 sobre a qual, posteriormente, veio a formar-se caso julgado no que toca à integralidade da matéria daqueles autos, após contraditório, mas apenas da sentença de 02.03.2012; D) contendo as sentenças três segmentos decisórios, a saber a restituição imediata na posse, a prestação de facto negativo consubstanciada na abstenção de prática de actos que impedissem a passagem e a prestação de facto positivo consubstanciado na reposição do leito do caminho, e tendo sido cumpridas as duas primeiras, em nenhum momento ter sido fixado pelo tribunal o prazo para o cumprimento daquela prestação de facto positivo (vd. Sentenças de 02.03.2012 e de 30.04.2012).

  3. Resulta ainda dos depoimentos de arguida B…, depoimento prestado na audiência de 21.03.2014 (cfr. Acta) e gravado no ficheiro 2014032211031246-12653-65 12, das 10'32'46 às 11'12'31; D… (ofendida), depoimento prestado na audiência de 21.03.2014 (cfr. Acta) e gravado no ficheiro 20140321112025_12653_65132, das 11:20:25 às 11:29:41, E…, depoimento prestado na audiência de 21.03.2014 (cfr. Acta) e gravado no ficheiro 20140321124652_12653_65132, de 12:46:53 a 12:55:26, e dos depoimentos constantes do documento 5 do requerimento de abertura de instrução, que, mesmo não tendo corrido prazo para a reposição do leito do caminho, os ofendidos podiam passar para o seu prédio através do prédio dos ora recorrentes e que os recorrentes estavam convencidos de que não desobedeciam ao comando judicial em virtude de permitirem o efeito útil para os ofendidos de poderem aceder ao seu prédio.

  4. Resulta, em suma, do exposto que, mesmo depois de decretada a providência cautelar: A) os ora recorrentes permitiam a passagem dos ofendidos e filha; B) era possível passar a pé e a tractor, existindo marcas de rodados de veículo automóvel ; C) o efeito útil que era a passagem dos ofendidos para o seu terreno, para fins agrícolas, estava assegurado; D) quando a participação criminal foi apresentada não tinha sequer sido proferida a sentença de 30.04.2012 nem tinha decorrido o prazo de oposição dos ora recorrentes; E) nenhuma decisão judicial fixou prazo para a prestação de facto positivo, o que inviabiliza até a propositura de acção executiva tendente àquele fim; F) que os arguidos estavam convencidos de que não estariam a desrespeitar o comando judicial, visto que processos cíveis definitivos e não meramente cautelares estavam em curso.

  5. Assim, no facto 2. Deve eliminar-se a referência "ao impedimento efectivo da passagem", ou, pelo menos, declarar-se que tal impedimento não existia efectivamente, sendo possível a passagem dos ofendidos ao seu prédio; 7. Deve dar-se como assente que os recorrentes não foram pessoalmente notificados da sentença de 30.04.2012, proferida na sequência da sua oposição, mas apenas o seu mandatário, não estando provado nos autos que tomaram efectivamente conhecimento desta, apesar de aqui se poder, em abstracto, revogar a decisão da sentença que efectivamente lhes fora notificada; 8. No que toca ao facto 8, deve eliminar-se a referência a obstáculos à passagem, devendo apenas referir-se que, não obstante o caminho que haviam aberto, os arguidos não repuseram objectivamente o caminho anteriormente existente; 9. Quanto ao facto 9, deve ser alterado no sentido de ali se referenciar que os arguidos estavam convencidos de que, permitindo o efeito útil de passagem para o prédio dos ofendidos, não estavam a desrespeitar o comando do tribunal que, não obstante, era provisório e não fixava prazo para a prestação do facto positivo reposição do leito do caminho, estando então em curso acção cível definitiva.

  6. O fim do preceito prevendo a punição penal da desobediência por incumprimento de sentença cautelar é impedir que o requerido, não acatando a providência, crie uma situação que impossibilite a futura execução específica da sentença que contra ele venha a ser proferida e estes casos devem, por isso, ser tidos como abrangidos pela garantia penal.

  7. A inserção da previsão no CPC, a par da significativa epígrafe ("garantia penal"), indicia um propósito que o texto da norma expõe com clareza e sem lugar a equívocos: o de criminalizar a desobediência à providência decretada como garantia para o requerente da mesma, uma garantia reforçada, pois acresce à dos meios cíveis de execução coerciva de que ele também dispõe; não basta a mera desobediência, relevando aquela que coloque em causa a possibilidade de se respeitarem ainda que coercivamente os direitos, ainda que provisórios, dos requerentes da providência.

  8. É que, a não se entender assim, a tutela penal seria claramente desproporcionada aos fins a atingir, uma vez que uma sentença cautelar, provisória por natureza e baseada em prova meramente indiciária, no fumus boni iuris, passaria a ter tutela mais intensa do que a da sentença definitiva, de que é acessória, o que constituirá interpretação do artigo 391.º do CPC então vigente claramente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade. O contrário implicaria tornar o âmbito de aplicação do artigo 348.º do CP demasiadamente lato, o que o legislador penal não quis expressar, pois o direito penal constitui a ultima ratio da política social e a sua intervenção só pode ser convocada nestes termos.

  9. No caso dos autos, resulta à saciedade, que nenhum comportamento dos ora recorrentes colocou em causa a possibilidade de execução da sentença cautelar, o que, só por si, leva à conclusão de que não se preencheu o tipo de crime pelo qual foram condenados.

  10. Para o cometimento do tipo legal de crime de desobediência, é necessário: 1\) contrariar uma ordem ou mandado; b) que consubstanciem uma norma de conduta concreta, directa e expressa, a impor uma específica conduta, activa ou omissiva, de estrito cumprimento; c) emanados de uma autoridade estadual ou de um dos seus agentes, no exercício das suas funções e dentro das suas competências legais; d) que tenham sido regular e claramente comunicados à pessoa obrigada a cumprir, de modo que esta tenha pleno conhecimento do seu conteúdo; e) que tenha havido desobediência aos mesmos; f) que tenha havido intenção de desobedecer.

  11. No caso dos autos, falham os requisitos elencados sobre as alíneas b), d), e) e f).

  12. Falta à sentença...

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