Acórdão nº 7010/11.0IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução26 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr7010/11.0IDPRT.P1 Acordam os juízes em conferência no Tribunal da Relação do Porto I - O Ministério Público veio interpor recurso da douta sentença do 2º Juízo Criminal do Porto que absolveu B… e “C…, Ldª” da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 6º, 7º e 105º, nºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Da motivação do recurso constam, em síntese, as seguintes conclusões: - A sentença padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto, em termos abstratos, pelo art. 410°, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.

- Com efeito, para além dos factos elencados na sentença, deveria o Tribunal ter dado como provada outra factualidade, relativa à faturas emitidas e ao IVA liquidado pelo arguido (agindo na qualidade de representante da sociedade arguida), no mês de junho de 2011, assim como ao pagamento dessas faturas.

-Analisando o texto da sentença, verifica-se que essa factualidade, omitida no elenco dos factos dados como provados, foi, na verdade, apreciada em audiência de julgamento e objeto de análise crítica do Tribunal, resultando a mesma dos elementos contabilísticos, sendo os mesmos mencionados pormenorizadamente no segmento relativo à motivação de facto.

- Subsidiariamente, impugna-se, por omissiva, a decisão proferida sobre a matéria de facto, por se entender que o Tribunal deveria ter considerado provada essa factualidade.

- Contrariamente ao decidido, a factualidade que resultou apurada em audiência de julgamento integra todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105º, n.º 1, do R.G.I.T., tendo sido errada a conclusão de Direito do Tribunal quando absolveu os arguidos de tal ilícito.

- Atendendo ao tipo de imposto em questão nos autos - Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), a interpretação do art. 105°, n.º 1, do R.G.I.T. terá de ser efetuada tendo presentes as normas que definem tal imposto e regulam a sua cobrança, afigurando-se essenciais em tal operação os artigos 8º, n.º 1; 27º, n.º 1; 29°, n.º 1, al. c); e 41°, n.º 1, do Código do I.V.A..

- Discorda-se do entendimento sufragado na sentença recorrida segundo o qual, apenas existirá crime de abuso de confiança fiscal se, até à data limite para o pagamento do I.V.A., o sujeito passivo tiver recebido dos seus clientes o montante da prestação tributária e, estando obrigado à sua entrega ao Estado, não o faça.

- Tal entendimento, pretendendo aproximar o tipo de ilícito fiscal em apreço do crime de abuso de confiança (comum) previsto no art. 2050 do Código Penal, pressupõe que o sujeito passivo não pode ser responsabilizado criminalmente quando, por incumprimento de terceiros, não recebe quantias que teria de entregar ao Estado.

- No entanto, esse entendimento não resolve as situações em que é o próprio sujeito passivo que estabelece uma relação de crédito com os clientes.

- Na situação em apreço, ficou demonstrado em audiência de julgamento que as faturas com os n.º 10/2011, 11/2011 e 12/2011 foram emitidas em 17 de junho de 2011 mas com data de vencimento para 16 de agosto de 2011, ou seja, a 60 dias, ultrapassando tal data aquela prevista na lei, no art. 410 do C.I.V.A. para o pagamento do IVA liquidado, ou seja, 10 de agosto de 2011.

- Em tal caso, sendo uma opção do próprio sujeito passivo a dilação no recebimento do valor da fatura, logo do I.V.A. liquidado, será mais consentâneo com os princípios legais e com as regras de cobrança do I.V.A. que o mesmo esteja obrigado a entregar o montante liquidado aquando da emissão da fatura, na data limite de entrega da declaração periódica de IVA.

- Uma vez que, em setembro de 2013, os arguidos regularizaram a situação, através do pagamento da quantia devida ao Estado a título de I.V.A., acrescida dos montantes legais devidos e dadas as circunstâncias que rodearam o cometimento do ilícito criminal, afigura-se possível e viável a aplicação do regime previsto no art. 22° do RGIT - Tendo decidido no sentido da absolvição dos arguidos da prática do crime de abuso de confiança fiscal, o Tribunal violou o disposto nos arts. 6°, 7°, e 105°, n.º 1, conjugado com o disposto nos arts. 27°, 29° e 41 ° do C.I.V.A..

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, por um lado, a de saber se a sentença recorrida padece de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos do artigo 410º, nº 2, a), do Código de Processo Penal, quanto à factualidade referida pelo recorrente (ou se procede a impugnação dessa sentença por omissão da decisão quanto a tal factualidade); e, por outro lado, se a factualidade provada (incluindo aquela a que se refere o recorrente) integra, ou não, a prática do crime de abuso de confiança fiscal por que os arguidos vêm pronunciados.

III- O teor da fundamentação da douta sentença recorrida é o seguinte: II-FUNDAMENTAÇÃO: 2.1) Factos provados: Discutida a causa e com interesse para a mesma provou-se que: 1) A arguida "C…, Ld.ª" é uma sociedade por quotas com sede na …, n.º …, .°, salas A-C-D, Porto, que se encontra coletada para o exercício da atividade de "atividades de engenharia e técnicas afins", CAE ….., sendo sujeito passivo de I.V.A. enquadrado no regime normal de periodicidade mensal.

2) No período compreendido entre Junho e Agosto de 2011, o arguido B… era gerente da sociedade arguida, sendo responsável pelos atos de gestão administrativa e financeira daquela.

3) A arguida "C…, Ld.ª" está obrigada a enviar ao Serviço de Administração do Imposto sobre o Valor Acrescentado (S.I.V.A.) a declaração periódica e o montante de imposto por si liquidado nos termos do disposto nos art.s 7°, n.º 1, al. a), 27° e 41º, al. a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (C.I.V.A.).

4) A sociedade arguida "C…, Ld.ª" fez transações comerciais no mês de Junho de 2011, tendo emitido aos seus clientes faturas e documentos equivalentes onde liquidou o respetivo I.V.A.; 5) Em relação ao aludido em 4), o arguido B…, na qualidade de representante legal da sociedade "C…, Ld.a", remeteu aos SIVA a declaração periódica de IVA na qual liquidou de IVA devido ao Estado o montante de €20.138, 99, porém não entregou até à data limite de pagamento desse imposto – 10 de Agosto de 2011 - nem nos 90 dias subsequentes, nem nos 30 dias após notificação nos termos do art. 105°, nº4 al.b) do RGIT tal montante, sendo que até à referida data limite de pagamento desse imposto - 10-08-2011- havia recebido dos seus clientes, a título de I.V.A., apenas a quantia de € 2.484,00 que integrou no património daquela.

6) Entretanto, os arguidos procederam à entrega nos cofres do Estado da totalidade da quantia em dívida e respetivos juros, pagamento finalizado em Setembro de 2013; 7) O arguido B… agiu na qualidade de representante legal da sociedade "C…, Ld.ª" e no interesse desta, fazendo desta a quantia acima identificada, liquidada e recebida a título de I.V.A., bem sabendo que esta não lhe pertencia, nem pertencia à sociedade arguida, e que havia sido retida com a incumbência da sua entrega nos cofres do Estado.

8) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou: 9) A falta de pagamento do IVA relativo ao período de Junho de 2011 nos termos expostos em 5) inseriu-se em contexto de atraso de pagamentos de clientes, quase todos organismos públicos e redução de serviços da sociedade arguida; Quanto à sociedade arguida 10) Nas declarações de IRC apresentadas pela sociedade arguida relativas aos anos de 2011 e 2012 (sendo esta a última apresentada), apresentou esta um resultado líquido de exercício antes dos impostos respetivamente de € 8.354,97 (positivo); € 13.919,05 (positivo); Quanto ao arguido B…: 11) O arguido nasceu em 27-02-1950 e é casado; 12) Mantém -se como gerente da sociedade arguida, retirando da sua atividade, mensalmente, cerca de...

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