Acórdão nº 2686/11.1TBGDM-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | RODRIGUES PIRES |
Data da Resolução | 11 de Novembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. nº 2686/11.1 TBGDM-A.P1 Tribunal Judicial de Gondomar – 3º Juízo Civel Apelação Recorrentes: B… e C… Recorrida: “D…, SA” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO Os executados B… e C… vieram deduzir oposição à execução que lhes é movida pela exequente “D…, SA”, alegando em síntese que: - O tribunal é territorialmente incompetente, sendo competente o Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, conforme acordado no contrato subjacente à emissão da letra dada à execução; -Tal letra foi avalizada pelos oponentes na sequência da celebração de um contrato de compra exclusiva de café, com mútuo gratuito entre a exequente, os executados e a aceitante da letra; - O mútuo gratuito tinha como contrapartida a vinculação da sociedade aceitante por um longo período de 5 anos à compra exclusiva de café à exequente; - O estabelecimento veio a encerrar e as prestações de reembolso do mútuo deixaram de ser pagas, pelo que na sequência de a exequente ter declarado vencidas todas as prestações relativas ao mútuo, os oponentes assumiram o pagamento dessa quantia, liquidando-a por completo em 6.8.2004, tendo a exequente se comprometido a entregar-lhes as letras por considerar nada mais ser devido; - Os oponentes ficaram perfeitamente convencidos de que nada mais lhes podia ser exigido e assim aconteceu durante mais de 7 anos; - Apenas em 3.1.2010, os oponentes receberam uma carta da exequente a resolver o contrato, pedindo uma indemnização de 20.113,92€, que os oponentes tempestivamente contestaram; - Não há título executivo, pois a letra dada à execução foi assinada em branco e abusivamente, já que não houve qualquer pacto relativo ao seu preenchimento; - Os valores indemnizatórios reclamados pela exequente não são devidos, pois o mútuo gratuito, que era a contrapartida da exclusividade, foi integralmente pago a 10.8.2004, pelo que nessa data desapareceu a obrigação da exclusividade da compra de café por o sinalagma ter deixado de existir; - A considerar-se de outra forma, estará a violar-se as regras anti-concorrenciais, pois continua a manter-se a cláusula de exclusividade sem justificação, o que não pode deixar de ser havido como prática proibida pelo art. 4º da Lei nº 18/2003, de 11.6 e como tal a cláusula será nula; - A indemnização de 25% da quantia mutuada tem a natureza de cláusula penal, pelo que, face ao disposto no art. 812º, nº 1 do Cód. Civil, não pode a exequente exigir o pagamento de cláusula penal estabelecida para uma obrigação que já foi cumprida; - Exigir-se uma indemnização de 12.607,92€ pelo alegado incumprimento de uma obrigação para a qual a sociedade aceitante não teve contrapartida constitui um abuso do direito.
- Ainda que se considere que as cláusulas penais contratualmente estabelecidas são devidas, sempre as mesmas deverão ser reduzidas, de acordo com a equidade, por manifestamente excessivas; - A letra dada à execução não foi objecto de protesto, nem apresentada a pagamento; - Finalmente, a penhora do vencimento do oponente B… viola o disposto no art. 824º, n. 2 do Código Civil.
A exequente contestou, defendendo, em síntese, a competência territorial do Tribunal Judicial de Gondomar, a exequibilidade do título dado à execução, a validade do aval e do pacto de preenchimento, o montante em dívida, bem como o facto de não ter desonerado os oponentes, aquando do pagamento do mútuo, das restantes obrigações emergentes do incumprimento do contrato, nem que o mútuo fosse contrapartida da exclusividade e a cláusula penal tivesse sido acordada para o caso de incumprimento de uma única obrigação.
Quanto ao invocado excesso da cláusula penal, defende que tal cláusula tem como objectivo que a exequente receba, por essa, via, a totalidade do valor que receberia caso o contrato se mantivesse em vigor até ao final do prazo contratualmente estabelecido.
Mais requereu a condenação dos oponentes como litigantes de má fé.
Concluiu pela improcedência da oposição.
Proferiu-se despacho saneador no qual se decidiu pela improcedência da excepção de incompetência territorial e se declarou válida e regular a instância.
Considerada a simplicidade da causa, não se procedeu à selecção da matéria de facto, nos termos do disposto no art. 787º do Código de Processo Civil.
Procedeu-se depois a julgamento, como observância do legal formalismo, findo o qual se decidiu, sem reclamações, a matéria de facto, nos termos constantes de fls. 146 a 154.
Foi proferida sentença que julgou a oposição à execução parcialmente procedente e, em consequência: a) Reduziu a quantia exequenda para o valor global 15.009,84€, absolvendo-se os oponentes do restante pedido executivo; e b) Determinou o prosseguimento da execução.
Por outro lado, julgou a oposição à penhora procedente e, em consequência, determinou que a penhora no vencimento mensal do executado B… deverá incidir sobre o valor líquido da retribuição (incluindo o subsídio de alimentação), depois de abatidos os descontos legais devidos ao Estado (IRS), Segurança Social e ADSE e deverá deixar incólume valor líquido não inferior a um salário mínimo nacional, determinando-se que sejam restituídas ao oponente as quantias que tenham sido penhoradas sem observância deste critério.
Absolveram-se ainda os oponentes do pedido de condenação como litigantes de má fé deduzido pela exequente.
Inconformados com o decidido, os executados interpuseram recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da parte da sentença proferida pelo tribunal “a quo” que julgou parcialmente improcedente a oposição à execução formulada pela ora recorrida, e determinou o prosseguimento da execução relativamente ao valor global de 15.009,84 €.
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Com todo o devido respeito, a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” fez uma incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, e, por consequência, proferiu uma desadequada decisão sobre a matéria de facto, o que conduziu a uma indevida interpretação e aplicação do direito, razão pela qual se impõe a sua alteração.
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A posição tomada pelo Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto e as consequências daí retiradas para a decisão tornam inclusive a sentença nula nos termos do artigo 615.º do CPC.
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Entendem os Recorrentes, para efeitos do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 640.º do CPC que os pontos 15 e 16 dos factos dados como provados na sentença que se recorre foram incorrectamente julgados.
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Como tal parece claro aos Recorrentes que, relativamente a estes factos que constam dos pontos 15 e 16 da decisão recorrida, o tribunal deveria ter dado como provado que: “O Café denominado ‘E…’, esteve em funcionamento cerca de um ano, tendo encerrado a sua actividade em finais de Agosto ou início de Setembro de 2004, mas sempre em data posterior ao pagamento integral do mútuo por parte dos avalistas”.
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A sentença de que se recorre deve ser considerada nula nos termos do artigo 615.º do CPC uma vez que a ter-se a matéria de facto como correctamente julgada, então terá de considerar-se a decisão do tribunal como ambígua ou inintelegível face aos seus fundamentos.
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Sem qualquer fundamento para tal constante dos autos, o Tribunal “a quo” entende que a oposição dos recorrentes deve ser improcedente porque à data do pagamento integral do mútuo o contrato já estava resolvido e as cláusulas penais eram já devidas pelos Recorrentes.
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Ora, esta conclusão do Tribunal “a quo” não tem qualquer suporte factual e está em contradição com os próprios factos dados como provados pelo tribunal pelo que não pode deixar de se entender que a decisão está em oposição com os seus fundamentos ou que, pelo menos, [é] ambígua ou ininteligível, para efeitos e nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º1, c).
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Estamos assim perante uma união ou coligação de contratos, união esta que doutrinalmente se deve considerar interna, i.e., em que há uma relação entre o ajuste de um contrato e a celebração do outro, de subordinação recíproca, em que as alterações produzidas em um dos contratos se reflecte no outro e vice-versa, bilateral, funcional, no sentido em que o destino de ambos os contratos está ligado não só na sua formação, como também no desenvolvimento e funcionamento das respectivas relações e, finalmente, uma coligação necessária no sentido em que há uma relação natural entre os dois contratos que é, neste caso, económica.
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Ora, se tivermos em conta que a matéria de facto dada como provada não permite inferir como manifestamos já que o contrato foi resolvido automaticamente antes do pagamento do mútuo integral por parte dos recorrentes, 11. Tem de se considerar, então, e em alternativa, que com o pagamento integral do mútuo por parte dos recorrentes, o contrato de mútuo se extinguiu por cumprimento.
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Na verdade, não obstante o prazo acordado entre as partes para o pagamento do mútuo, sendo este gratuito deve presumir-se que o prazo opera a seu favor e, acima de tudo, 13. Que é permitido ao mutuário antecipar o pagamento sem qualquer penalidade.
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Deve assim considerar-se que com o pagamento integral do mútuo por parte dos recorrentes as obrigações da sociedade aceitante se extinguiram.
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Não só a obrigação de restituição do montante mutuado como também as obrigações de compra exclusiva de café, uma vez que os dois contratos se encontravam coligados de um modo bilateral, funcional e necessário.
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Sendo a obrigação de compra exclusiva a contraprestação do contrato de mútuo gratuito, tal como ficou provado, a extinção do mútuo gratuito tinha obrigatoriamente de determinar a extinção daquela contraprestação.
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Ora, a manutenção de uma cláusula restritiva da liberdade de concorrência da sociedade aceitante sem nenhuma contrapartida não podia deixar de se considerar integrante daquele conceito de prática restritiva do comércio e até de abuso de posição dominante, pelo que sempre teria que ser declarada...
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