Acórdão nº 3263/12.5TBGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 3263/12.5TBGDM.P1 – 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 196) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto) Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO B… intentou, em 24-08-2012, acção declarativa sumária contra a Companhia de Seguros C…, SA e D… pedindo a condenação daquela ou, subsidiariamente, a deste:

  1. No pagamento da quantia de 7.999,99€; b) Pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde a data do sinistro; c) Pagamento de sanção compulsória prevista no artº 829º-A, nºs 1 e 4, CC, à taxa anual de 5%, desde a citação e após trânsito em julgado; d) Pagamento de indemnização por danos não patrimoniais em função da privação da sua viatura a arbitrar equitativamente.

    Alegou que, em consequência de um incêndio que deflagrou inicialmente num veículo automóvel estacionado, de noite, na via pública, ao lado do seu, este ficou destruído. Aquele começou a arder e o fogo alastrou, nada tendo conseguido fazer para o evitar quando acorreu, pois havia explosões, tendo sido também infrutíferos os esforços dos bombeiros. A sua viatura estava impecável mas teve de ser entregue para abate. A ré seguradora considerou-a «perda total», avaliou-a em 8.000€, valor com que o autor (profissional do ramo automóvel) concordou, mas, a pretexto de se estar «perante um caso especial», comunicou-lhe, por carta, que, nos termos do artº 505º, do CC, declinava qualquer responsabilidade, acrescentando depois que o incêndio «teve origem em factores estranhos ao seu funcionamento».

    Em contestação, a ré seguradora impugnou, apenas, a factualidade alegada relativa ao incêndio, maxime por desconhecimento das circunstâncias em que ele deflagrou, acrescentando que não sabe quais os motivos nem a causa da sua eclosão, onde ou como ele começou e se há autores. Na «hipótese» de se tratar de «fogo posto», não vê que ele tenha tido origem no veículo seguro, sendo certo que não responde por «causas externas». Além disso, «por se tratar de sinistro da responsabilidade de terceiro», aplica-se o disposto no artº 505º, do CC. Acrescentou, por fim, que o prejuízo do autor não excede 6.850,00€ (valor venal, menos o salvado).

    O 2º réu não contestou, nem constituiu mandatário nos autos.

    Baseando-se na circunstância de o autor não ter alegado «o que terá provocado tal incêndio, de que modo deflagrou e se foi devido a alguma acção ou omissão do segundo réu ou se foi provocado por algum risco específico associado ao veículo», foi exarado (fls. 60) despacho a convidar o autor «a clarificar os pontos factuais» referidos e a «suprir as imprecisões apontadas».

    Perante isso, o autor, «tentando ser o mais rigoroso possível», reiterou que, quando chegou ao local do sinistro, já a viatura estava em chamas, pelo que não pode, com certeza absoluta, afirmar o que terá provocado o incêndio, «presumindo», pela sua experiência de mecânico-auto, que ele «terá tido origem no sistema eléctrico/electrónico do veículo TP», onde começou, «possivelmente…poderá ter ocorrido um curto-circuito que tenha provocado faísca» e incendiado materiais combustíveis, não sabendo em que concreto componente tal teria tido início, propagando-se posteriormente para o seu.

    Contrapôs, ainda, a ré que tal não passa de «suposições ou conjecturas».

    Saneados tabelarmente os autos, seleccionaram-se os factos relevantes, tendo-se incluído e mantido – apesar da reclamação do autor, indeferida –, nos quesitos 6º a 8º da BI, como factos controvertidos a instruir e a provar, os aspectos por aquele tão só «presumidos» e como tal acrescentados na sequência do convite ao aperfeiçoamento.

    Realizada a audiência de julgamento, por sentença de 12-06-2014, exarada a fls. 209-218, a acção foi julgada improcedente e absolvidos os réus do pedido.

    O autor não se conformou e interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações: “I. O presente Recurso de Apelação tem por objecto a douta Sentença proferida pela Meritíssima Juíza, a fls .. dos Autos, que pôs fim ao processo decidindo sobre o mérito da causa.

    1. A douta Sentença ora recorrida, a nosso ver erradamente, absolveu os Réus, porquanto entendeu não existir nexo de causalidade por inexistir risco próprio.

    2. Tal, deveu-se, em nosso entendimento, a errada interpretação e aplicação dos artigos 483º, 499º, 503º, 504º, 505º, 508º, 562º, 563º, 564º e 566º, todos do Código Civil, e artigo 14º nº 4, do DL 291/2007 de 21/08 (com as alterações do DL 153/2008 de 60/08), o que levou à violação daqueles mesmos preceitos.

    3. A Meritíssima juíza de 1" Instância, deu como provados os factos essenciais para dar razão ao Autor na sua demanda contra os Réus, como decorre dos autos, mormente da douta Sentença ora recorrida, e como tal é inequívoco, que: […][1] V. Face a tais factos dados como provados, seria expectável, ao abrigo dos artigos 483º, 499º, 503º, 504º, 505º, 508º, 562º, 563º, 564º e 566º, todos do Código Civil, e artigo 14º nº 4, do DL 291/2007 de 21/08 (com as alterações do DL 153/2008 de 60/08) que a Meritíssima Juíza de 1ª Instância condenasse os Réus no Pedido.

    4. Tão só, porque a Meritíssima Juíza de 1 ª Instância, interpretou, entre outros já referidos, o artigo 503º, do Cód. Civil, a nosso ver, erradamente.

    5. Atentos os factos dados como provados, a Meritíssima Juíza de 1ª Instância sempre teria de concluir pela procedência da demanda do Autor contra os Réus se tivesse interpretado e aplicado correctamente os artigos 503º e 505º, ambos do Cód. Civil.

    6. Daqueles factos provados resulta de modo inequívoco que: A) O incêndio começou na viatura com a matrícula ..-..-TP pertença do Réu D… e se propagou à viatura de matrícula ..-..-OM do Autor.

      1. Que existe em relação à viatura com a matrícula ..-..-TP pertença do Réu D… um contrato de seguro titulado pela apólice ………, o Réu D… transferiu para a Ré Companhia de Seguros C…, SA a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo com a matrícula ..-..-TP.

      2. Que não consta dos autos e muito menos foi dada como provada qualquer intervenção de terceiro que não fosse parte na acção que tivesse dado origem ao predito incêndio que começou na começou na viatura com a matrícula ..-..-TP pertença do Réu D… e se propagou à viatura de matrícula ..-..-OM do Autor.

    7. A Meritíssima Juíza de 1 ª Instância entendeu erradamente que aquele incêndio não se deveu a um perigo específico e inerente, a um risco do próprio veículo.

    8. A responsabilidade civil pelo risco prevista pelos artigos 503º e seguintes, do Cód. Civil, é objectiva, não depende de comportamento, culpa ou de subjectividade.

    9. De uma maneira geral, o caso de força maior, relativo à viatura, ao condutor ou à via, não exclui a responsabilidade pelo risco.

    10. Abrangendo veículos estacionados ou parados: por exemplo, danos causados pela explosão do depósito de gasolina ou por um veículo parado numa curva sem visibilidade.

    11. Responde pelos danos ocasionados pelo veículo quem tenha o poder real facto) sobre ele, o detentor, o proprietário, o condutor, acompanhado ou não de legitimação jurídica, e o utilize em proveito próprio, mesmo através de comissário.

    12. Detentor será o dono do veículo (no sentido de que a propriedade do veículo faz presumir a direcção efectiva e utilização no próprio interesse, Acórdão STJ, de 6/12/2001, CJ-ASTJ 9, 3, págs. 141 a 143, falando de uma presunção natural” em tal sentido, e Acórdão STJ, de 17/12/1985.

    13. Os titulares do direito de indemnização são, conforme já está implícito no artigo 503º, do Cód. Civil, os terceiros afectados nas suas pessoas ou bens pelo acidente (artigo 504º, nº 1, do Cód. Civil), que neste caso se reporta ao Autor.

    14. A enumeração das causas de exclusão da responsabilidade objectiva previstas no artigo 505º do Cód. Civil – que clarifica o artigo 503º, nº 1, do Cód. Civil -, no elenco ali consagrado, ter-se-á por taxativa, ou seja: A."Quando o acidente for imputável ao próprio» lesado ou a terceiro"; B"Quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veiculo" XVII.

      A responsabilidade pelo risco, no que ao caso dos autos diz respeito, só seria afastada, se o acidente tivesse sido produzido por causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo - cfr. artigo 505º, do Cód. Civil) -, o que não é o caso dos autos.

    15. "Terceiro", para efeitos do artigo 505º, do Cód. Civil, pode ser, inclusive, um condutor de outro veículo ou um passageiro, que se encontrava fora do veículo XIX. Representam, reconhecidamente, casos de força maior estranhos ao funcionamento do veículo, por exemplo, uma "força da natureza": um raio que provoca um incêndio no carro, um ciclone ou uma enxurrada que arrastam o veículo, etc.

    16. A responsabilidade pelo risco, no que ao caso dos autos diz respeito, só seria afastada, se o acidente tivesse sido produzido por: D. Acção do lesado: E. Acção de terceiro; F. Causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

      XXI.

      O que não é o caso dos autos: dos factos dados como provados resulta claro que o acidente não se deveu a acção do lesado (Autor), de terceiro (estranho ao Autor e Réus) ou de causa de força maior estranho ao funcionamento do veículo (raio que provoca um incêndio no carro, um ciclone ou uma enxurrada que arrastam o veículo, etc.).

    17. Sendo que, havendo culpa do detentor ou condutor, o caso de força maior, que com aquela porventura concorra, não evita a sua responsabilidade (com fundamento em culpa), pois configura, todavia, uma circunstância atendível para efeitos de limitação equitativa da indemnização (artigo 494º. do Cód. Civil).

    18. Incumbia ao Réu D… dono da viatura com a matrícula ..-..-TP, o ónus da prova de que não tinha a direcção efectiva e interessada, sendo de presumir tê-la.

    19. A propriedade do veículo faz presumir a direcção efectiva.

    20. E jurisprudência pacífica que para a aplicação do nº 1 do artigo 503º, do Cód Civil bastará a prova da propriedade do veículo e tal propriedade está dada como provada -, pois...

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