Acórdão nº 755/04.3TAVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução05 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 755/04.3TAVFR.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira com o nº 755/04.3TAVFR, foi submetida a julgamento a arguida B…, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 23.01.2014, que condenou a arguida, pela prática de um crime de descaminho p. e p. no artº 355º do Cód. Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de € 6,00.

Inconformada com a sentença condenatória, dela veio a arguida interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. Na presente data já decorreram 9 anos e 9 meses sobre o dia em que o facto criminoso se consumou. A prescrição é assim de aplicar, o que se requer expressamente e que obsta à apreciação de mérito do recurso e determina a absolvição. O Tribunal a quo, que deve conhecer oficiosamente da matéria, violou os artºs. 118º a c), 119º nº 1 e 121º nº 3 do CP. Ora, salvo douta decisão melhor fundamentada, estamos perante uma exceção – prescrição – que aqui se argui e cujo instituto fulmina o processo; 2. A sentença recorrida violou o artº 355º e o artº 14º nº 3 do Código Penal; 3. No entendimento da recorrente, o tribunal recorrido interpretou o artº 355º do Código Penal no sentido de que preenche o conceito de “subtração ao poder público” qualquer ação ou omissão, intencional ou não, do depositário que não seja a entrega do bem, quando o mesmo lhe for solicitado. Contudo, não integra o crime de descaminho previsto e punido no artº 355º do Código Penal a não entrega dos bens penhorados ao encarregado da venda. Tal crime exige uma ação direta sobre a coisa, isto é, uma atuação que a destrua, inutiliza ou impeça a sua entrega em definitivo; 4. E igualmente não integra o crime de descaminho, na forma de dolo eventual, prevista no nº 3 do artº 14º do Código Penal, deixar os bens penhorados na casa de um filho, em local diverso da morada primária, a qual foi entregue ao senhorio por denúncia do contrato de arrendamento. Para preencher tal previsão legal exige-se uma ação direta sobre os bens, ainda que não intencional, que conduzisse à destruição, inutilização ou impedimento de sua entrega em definitivo; 5. Os factos provados na sentença recorrida não permitem concluir que a arguida cometeu um crime de descaminho pelo qual vinha acusada. Nem podem fundamentar a aplicação à arguida da pena de prisão na qual foi condenada, substituída por multa; 6. Ressalta do teor da decisão condenatória a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; 7. Por outro lado, devia o tribunal a quo ter-se pronunciado (o que não fez) sobre o alegado pela arguida na prova/contestação que apresentou, quanto à situação dos bens penhorados e ao facto, necessário, que teve de mudar os bens para outro local, em virtude de ter ido residir para Espanha, em esforço de apoio ao marido que aí se encontrava doente, com doença cancerosa, pois tal reveste interesse decisivo quer para o sentido da decisão, quer para a medida concreta da pena; 8. Pelo que a sentença proferida é nula, nos termos do artº 379º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal; 9. Sem condescender, acresce que a arguida não foi notificada para apresentar os bens penhorados, tanto pelo tribunal como pelo encarregado da venda, o qual aliás não é funcionário judicial; a arguida não se recusou em tempo algum a entregá-los; muito menos foi advertida de que a não apresentação dos bens fosse cominada com o crime de descaminho; o tribunal a quo ao não relevar tais factos essenciais para o cumprimento dos requisitos formais, materiais e subjetivos do crime, errou na apreciação da prova, violou o artº 410º nº 2 al. c) do CPP. Deve, por isso, a arguida ser absolvida; 10. O Tribunal a quo optou pela pena única de 120 dias de multa. Atentas as circunstâncias do crime e o facto de se tratar de arguida sem antecedentes criminais, bem integrada em Espanha, onde reside, com uma condição financeira muito débil (beneficia do apoio judiciário), além de que nunca respondeu em Tribunal – vide certificado do registo criminal –, considera-se que foram violados os determinativos da medida da pena (artº. 71º do CP), os quais deveriam ter sido levados mais em conta, ou seja, mais brandamente, pelo tribunal singular. A pena deverá ser alterada para uma pena única de 50 dias de multa, à taxa diária mínima exigível por lei. O Juiz a quo violou o artº 71º do CP.

*Na 1ª instância, o Mº Público respondeu às motivações de recurso concluindo pela sua improcedência.

*Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer concordante com a resposta do MºPº na 1ª instância.

*Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.

*Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

* *II – FUNDAMENTAÇÃO A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: (transcrição) 1. No dia 18 de Março de 2003, no âmbito da Carta Precatória nº 1344/03, que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da feira e que havia sido extraída do processo de execução por custas nº 455-D/95, que correu os seus termos na 3ª Vara Cível – 3ª secção de Lisboa, foram apreendidos vários bens móveis, tendo a arguida sido nomeada fiel depositária dos mesmos e informada das obrigações que isso implicava.

  1. Tais bens móveis ficaram guardados na residência da arguida sita na Rua …, nº .., r/c …, Santa Maria da Feira.

  2. Em data que não foi possível determinar concretamente, mas anterior a 4 de Maio de 2004, a arguida desfez-se desses bens móveis, de forma que também não foi possível averiguar, ausentando-se de seguida para parte incerta.

  3. Por essa razão, quando se procurou proceder à venda dos mesmos, não foi possível alcançar tal desiderato.

  4. A arguida sabia que tinha sido nomeada fiel depositária dos bens móveis que tinham sido penhorados no processo supra identificado e que, por esse motivo, era sua obrigação guardá-los e apresentá-los quando tal lhe fosse exigido.

  5. A arguida sabia também que, ao...

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