Acórdão nº 978/07.3PAESP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelARTUR OLIVEIRA
Data da Resolução05 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 978/07.3PAESP.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 5 de novembro de 2014, o seguinteAcórdãoI - RELATÓRIO 1.No processo comum (tribunal coletivo) n.º 978/07.3PAESP, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, em que são arguidos B… e C…, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos [fls. 928]: “(…) A) Condenamos o arguido B…, pela prática de um crime de escravidão, previsto pelo art. 159º/a) do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão, no mais sendo absolvido; B) Condenamos a arguida C…, pela prática de um crime de escravidão, previsto pelo art. 159º/a) do Código Penal, e com aplicação do regime especial para jovens, na pena de 2 (dois) anos de prisão, no mais sendo absolvida, pena essa que se suspende na sua execução por 2 (dois) anos, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, e mediante regime de prova assente em plano de reinserção social a elaborar oportunamente pela Direcção-Geral de Reinserção Social, a incidir sobre as vertentes da sua formação escolar e/ou profissionalizante e da sua inserção laboral. (…)» 2. Inconformados, os arguidos recorrem, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 953-956]: «1. Discordam os arguidos do acórdão condenatório proferido e que aplicou ao arguido B… e C… as penas de 6 anos e 2 anos de prisão (suspensa na execução), respectivamente, pela prática, em regime de em co-autoria, de um crime de escravidão, p. e p. pelo art. 159º. al. a) do CP.

  1. Sustentam os arguidos existir violação do princípio in dubio pro reo (arts. 2º e 32º da CRP, 410º. N.º 2 al. c) do CPP), nulidade do acórdão por erro na determinação da norma aplicável e consequente omissão de pronúncia (artgs. 72º e 73º do CP, 374º n.º 2, 379º. N.º 2 al. c) e n.º 2 do CPP) e deficiente fixação da medida concreta da pena (artg. 71º do CP).

  2. O tribunal a quo deparou-se, como resulta do texto da decisão recorrida, com dúvidas sobre a valoração atribuível à prova produzida.

  3. A decisão recorrida, na exigência descrita, optou pela superação de toda a dúvida razoável assentando em três elementos fundamentais e que se percutem como notoriamente errada a sua apreciação valorativa.

  4. O primeiro, avançando com a incredibilidade da versão dos arguidos ao sustentarem razões de natureza caritativa para acolherem o ofendido quando este, por seu turno, afirma que sempre os acompanhou contra a sua vontade (Págs. 10 e 11 do acórdão recorrido) O carater singelo do argumento utilizado pelo tribunal a quo - a pouca probabilidade de um casal jovem acolher alguém com deficiência e que não da sua etnia - permite superar uma dúvida probatória, sendo na sua essência o tal "puro acto de fé" que o mesmo tribunal assumiu como impeditivo de juízo valorativo.

  5. O segundo, apontando a incongruência pontual das declarações dos arguidos em audiência, maxime, o conhecimento pelo arguido B… que o ofendido já havia vivido com outra família ao contrário do afirmado por este; saídas diárias do ofendido de casa dos arguidos; entrega de dinheiro pelo ofendido e aquisição de tabaco; posse de chaves da casa dos arguidos pelo ofendido. A pontual incongruência das declarações dos arguidos em nada belisca a possibilidade de corresponder realidade factual tudo quanto relataram. A vivência do arguido com outra família, a aquisição de tabaco, a posse de chaves da casa, e entrega de dinheiro de esmolas não consente a cristalização de um comportamento penalmente típico como esclavagista.

  6. O terceiro elemento, o facto de o ofendido iá haver vivido com os avós da arguida C…, tal como esta reconheceu; a arguida reconheceu, igualmente, que o ofendido pediu esmola aquando desta vivência com os seus avós. Tal factualidade mereceu, inclusivamente, o julgamento dos avós da arguida pela Vara Criminal do Porto no âmbito do processo no 1478/04.9 J APRT, reportando-se os factos ilícitos até 30/6/2006. Tal factologia - ainda que a defesa não percepcione qual a verdadeira relevância que a mesma tem na determinação dos factos ilícitos imputados aos arguidos, maxime, arguido B… - é assumida pelo tribunal a quo como dúbia no sentido de possibilitar a “… confusão no espírito do ofendido no que concerne à exacta delimitação dos períodos em que esteve com uns e com outros dos elementos deste mesmo agregado...” sendo que tal confusão é positivamente assumida pelo julgador (pág. 13 do acordão recorrido).

  7. Em conclusão, os três elementos fundamentais, e únicos, que serviram de estribo à valoração da prova sobre a qual havia recaído dúvida (tal qual reconhece o tribunal a quo) não permitem a conclusão extraída pelo julgador, seja pela sua contradição e opacidade, seja pela manifesta exiguidade em caucionar a certeza para além de qualquer dúvida razoável (saliente-se que o arguido B… nem sequer é figurante ocasional no segundo dos elementos de dissipação de dúvida).

  8. Neste conspecto, assume limpidez cristalina a violação do princípio in dubio pro reo na determinação dos factos provados e não provados, sendo tal violação constante do texto da decisão recorrida e, como tal, sindicável pela via de recurso e enquadrável na previsão do artg. 410º. N.º 2 al. c) do CPP.

  9. Devendo, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, e, em conformidade, ser proferido acórdão pelo tribunal ad quem que, pela aplicação do principio in dubio pro reo, absolva os arguidos da prática do crime de escravidão, p. e p. pelo artg. 159º al. a) do CP pelo qual se acham condenados.

  10. Os arguidos B… e C… foram condenados pela prática de um crime de escravidão, p. e p. pelo art. 159º0 al. a) do CP, nas penas de 6 anos de prisão e 2 anos de prisão (suspensa na sua execução por igual período), respectivamente.

  11. Os factos encontram-se delimitados temporalmente ao período compreendido entre 15 de Agosto a 16 de Setembro de 2007, sendo que prolação de acórdão condenatório ocorreu a 16 de Julho de 2013 (cfr. declaração de depósito), ou seja, decorridos que são mais de 6 anos sobre a prática delituosa.

  12. O tribunal a quo atribui relevância jurídica ao decurso do prazo assinalado, 6 anos, em sede de determinação da fixação da medida concreta da pena (veja-se fundamentação de fls. 23 e 24 do acórdão recorrido), quando devia ter inscrito tal facto objectivo na previsão do artg. 72º n.º 2 al. d) do CP, aplicando-se, em conformidade, a atenuação especial da pena abstractamente aplicável ao tipo legal de crime em causa (seguindo as regras de fixação da moldura penal previstas no artg. 73º do CP).

  13. A aplicação do regime atenuativo obedece aos requisitos constantes do artg. 72º n.º 1 do CP, relevando para o caso concreto a existência de circunstâncias posteriores ao crime que diminuem a necessidade da pena, acrescendo a boa conduta do agente no decurso temporal pós prática criminosa.

  14. Se a boa conduta do agente se manteve, e, tal dado é objectivo na pessoa da arguida C…, o mesmo se dirá do arguido B…, embora sem perder de vista o respectivo CRC, mas, aduzindo, em abono do preenchimento da exigência lei a não comissão de qualquer crime de idêntica descrição típica, nem qualquer outro que se Inscreva nos crimes que afectam a liberdade pessoal.

  15. E, no caso dos autos, o longo decurso de tempo nem sequer pode ser imputado a qualquer conduta dos arguidos mas, outrossim, à patente desvalorização que foi concedida à investigação destes autos pelo OPC (cfr. fls. 18, 22, 24 a 26).

  16. Neste conspecto, não se pronunciando o tribunal a quo pela aplicação do disposto no artg. 72º e 73º do CP, atenuação especial da pena pelo decurso de longo tempo sobre a actividade delituosa, omitiu pronuncia sobre matéria de direito de conhecimento obrigatório, ferindo o acórdão recorrido de nulidade por força do disposto nos artgs. 374º n.º 2, 379º. N.º 2 al. c) e n.º 2 do CPP, e, artgs. 72º e 73º do CP.

  17. O que se requer seja declarado com as legais consequências, maxime, a remessa dos autos ao tribunal a quo para que se pronuncie sobre a aplicação do artg. 72º do CP, e, sendo deferida a pretensão da defesa, seja sentenciada pena criminal em conformidade.

  18. O arguido B… foi condenado na pena de seis anos de prisão pela prática do crime de escravidão, p. e p. pelo artg. 159º al. a) do CP.

  19. A moldura penal abstracta aplicável ao crime de escravidão tem como limite mínimo os 5 anos de prisão e, no seu máximo, os 15 anos de prisão.

  20. A defesa discorda, na sua essência, com a fixação de pena superior ao limite mínimo aplicável, ou seja, 5 anos de prisão, sustentando haver sido incorrectamente valorados os elementos decisivos na determinação da medida concreta da pena.

  21. No caso em apreço, o tribunal a quo — e não obstante os antecedentes criminais do arguido, circunscritos na sua quase globalidade a delito estradal — sobre dimensionou a valoração da medida concreta da pena, porquanto os elementos que Indiciam a sua agravação para além do limite mínimo já se encontra inscrito na tipificação legal (vulnerabilidade da vitima), e, como tal, já sopesado pelo legislador na fixação do limiar mínimo da punição, pelo que, os demais elementos nefastos se acham neutralizados por aqueloutros que abonam o arguido, intervindo neste especial contexto, o longo decurso de tempo desde a actividade delitiva até à condenação com trânsito em julgado).

  22. Em nome da justiça e da equidade, seria adequada a aplicação ao arguido/recorrente de urna pena de 5 anos de prisão, qual realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.

  23. A condenação do arguido em 5 anos de prisão possibilita a suspensão de execução da pena de prisão (artg. 50º e do CP) o que, em entendimento da defesa, apenas poderá ser julgado pelo tribunal a quo (em 1ª instância), pelo que, em conformidade com a condenação em pena de 5 anos de prisão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT