Acórdão nº 883/12.1PAPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução12 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 883/12.1PAPVZ.P1 Vila do Conde Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto (2ª secção criminal) I. RELATÓRIO No processo comum singular nº 883/12.1PAPVZ, do extinto 1º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Vila do Conde, em que é arguido B…, com os demais sinais dos autos, não foi admitida a desistência de queixa apresentada pela ofendida C…, por despacho proferido em 13 de março de 2014, com o seguinte teor: “Uma vez que o crime imputado ao Arguido reveste natureza pública, não admite desistência de queixa, pelo que não se homologa a desistência de queixa.

Assim, dar-se á início à audiência de julgamento.”*RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS Inconformados, com o despacho que não admitiu a desistência de queixa, quer o Ministério Público quer o arguido interpuseram recurso, apresentando a competente motivação, que rematam com as seguintes conclusões, Recurso do Ministério Público “

  1. O Tribunal a quo deveria ter homologado a desistência de queixa apresentada pela ofendida nestes autos e, em consequência, não deveria o arguido ter sido julgado e condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153º, nº 1 e 155º, alínea a) ambos do Código Penal, uma vez que o crime em apreciação tem natureza semi-pública.

  2. Se atentarmos nas sucessivas alterações ocorridas no que concerne ao crime de ameaça vemos que o mesmo, em todas as suas formas, sempre revestiu natureza de crime semi-público.

  3. Na revisão de 2007 juntou-se no artigo 155º do Código Penal as circunstâncias agravantes dos crimes de ameaça e de coacção, cujas previsões típicas se encontram, respectivamente, nos artigos 153º e 154º, alteração que adveio, por razões de utilitarismo sistemático, de modo a evitar a repetição de normas contendo circunstâncias agravantes idênticas, não se alterando a natureza dos crimes em apreço.

  4. Com o artigo 155º do Código Penal não se cria um tipo novo, mas apenas se prevêem circunstâncias que agravam a responsabilidade do agente, ou seja, a moldura penal.

  5. As circunstâncias previstas no artigo 155º não acrescentam quaisquer elementos fundamentais que pressuponham o respectivo preenchimento do ilícito.

  6. O crime raiz do artigo 153 n.º 1 do Código Penal mantém-se inalterado em todos os seus elementos; no artigo 155º o legislador simplesmente entendeu agravá-lo face a certas circunstâncias de relevo.

  7. Tendo em conta a própria moldura penal do crime em apreciação - pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias - e ainda o bem jurídico protegido, ligado à liberdade pessoal, faz com que não existam razões de ordem pública e de política criminal que imponham o prosseguimento da acção penal contra a vontade da pessoa ameaçada, ou seja, ofendida.

  8. Ao entender que o crime de ameaça previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153 n.º 1 e 155º n.º 1 do Código Penal tem natureza pública e, em consequência, não homologar a desistência de queixa e condenar o arguido pela prática desse ilícito, o Tribunal a quo violou os artigos 153º nº 1, 155º n.º 1 e 116º do Código Penal e ainda 48º, 49º e 51º n.ºs i e 2 do Código de Processo Penal.”*Recurso do arguido (conclusões renumeradas, por a indicada como 20ª corresponder à primeira e assim sucessivamente, até à 29ª, que corresponde à 10ª) “1ª Mal andou a Meritíssima Juiz ao não homologar a desistência da queixa requerida pela ofendida, por considerar que o crime em causa - ameaça agravada - constitui crime público.

    1. Dúvidas não restam que, o crime de ameaça, consagrado no artigo 153º do C.P. está dependente de queixa, tal como dispõe o seu n.º 2.

    2. No artigo 185 do C.P., sob a epigrafe "agravação", nada diz relativamente ao tipo de crime, não pelo legislador considerar que o mesmo deverá ser público, mas apenas, e tão só, por o tipo legal de crime já estar qualificado no artigo 153º C.P.

    3. Pretendendo o legislador, apenas por questões práticas, unificar as agravantes do crime de ameaça e de coacção, de forma a evitar a repetição de artigos semelhantes.

    4. Não constituindo, portanto, o crime de ameaça agravada um crime autónomo.

    5. Pelo que se conclui, que mesmo na sua forma agravada, é um crime dependente de queixa.

    6. Mais, o bem jurídico-penal protegido no crime de ameaça agravada, não é de tal forma gravoso para constituir um crime público.

    7. Na verdade, o crime em causa apenas diz respeito à esfera pessoal do ofendido, não necessitando a violação do bem jurídico em causa de uma reacção da comunidade, que justifique a sua natureza pública.

    8. Concluindo, não existem razões de ordem pública e colectiva que imponham ao ofendido a continuação de um processo crime que o mesmo não pretende continuar.

    9. Pelo que, se conclui que o crime de ameaça agravada constitui um crime semi-público, podendo a ofendida desistir do procedimento criminal, fazendo-se assim plena justiça.”*O arguido B… foi submetido a julgamento, tendo a sentença, proferida a 20 de março de 2014, e depositada no mesmo dia, o seguinte dispositivo: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a acusação deduzida pelo Ministério Público totalmente procedente por provada e em consequência condeno o arguido B… pela prática de um crime de ameaça gravada previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis), no montante total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros).

      Condeno o arguido nas custas do processo, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário (fls. 53).

      Deposite.”*RECURSO DA SENTENÇA Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões (que se renumeram, por a indicada como 25ª corresponder à primeira e assim sucessivamente, até à 36ª, que corresponde à 12ª): “1ª Mal andou a Meritíssima Juiz ao condenar o arguido na pena 80 dias de multa à taxa diária de € 6,00, no montante total de € 480,00.

    10. Na verdade, durante a audiência de Julgamento, não ficou provado que o crime pelo qual o arguido vinha acusado, foi efectivamente praticado por ele.

    11. Ora, o crime de ameaça, está previsto no artigo 153º do C.P.

    12. Diz esse artigo que o crime de ameaça tem de respeitar a um acto futuro e tem de ser susceptível de causar medo e inquietação.

    13. Ora, pelas transcrições dos depoimentos da ofendida, C… e pela testemunha E…, logo se conclui que em momento algum a ofendida sentiu receio, medo ou inquietação perante as palavras do arguido, 6ª Continuando a fazer as suas rotinas, não alterando o seu dia-a-dia, com medo que o arguido concretiza-se o que disse.

    14. Aliás, apesar de agora o arguido não ir buscar o filho a casa da ofendida, esta não mostrou receio que o mesmo se aproximasse da sua casa.

    15. Ademais, tendo em conta o meio em que o arguido e a ofendida de inserem, convém realçar que as palavras proferidas pelo arguido não têm o significado e importância que foi dada pela Douta sentença.

    16. Motivo pelo qual, aliás, não se verifica o medo e inquietação por parte da ofendida.

    17. A sentença ora em crise viola o disposto no n.º 1, do artigo 153º do Código Penal, ao entender que estão preenchidos todos os elementos do tipo de crime.

    18. Na verdade não podia a Meritíssima do Tribunal “a quo” considerar aplicável tal dispositivo legal, atento os fatos considerados como provados, não ficou demonstrado qualquer comportamento do arguido susceptível de provocar medo ou inquietação na ofendida.

    19. Pelo que, não pode o arguido ser condenado pelo crime de ameaça na sua forma agravada, só assim se fazendo plena Justiça!”*O Magistrado do Ministério Público junto o Tribunal a quo respondeu a ambos os recursos interpostos pelo arguido, concluindo da seguinte forma: a) “Entendemos assistir razão ao recorrente na parte em que recorre do despacho que não homologou a desistência de queixa da ofendida por entender que o crime de ameaça agravada configura um crime de natureza pública.

  9. Na verdade, o Tribunal a quo deveria ter homologado a desistência de queixa apresentada pela ofendida nestes autos e, em consequência, não deveria o arguido ter sido julgado e condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153º n.º 1 e 155º, alínea a), ambos do Código Penal, uma vez que o crime em apreciação tem natureza semi-pública.

  10. Nessa medida, a sentença condenatória deveria ser revogada.

  11. No entanto, não fosse este entendimento do Tribunal a quo...

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