Acórdão nº 1369/13.2JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelALVES DUARTE
Data da Resolução12 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1369/13.2JAPRT.P1 Tribunal Judicial do Porto 3.ª Vara Criminal Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório.

B… recorreu, primeiro dos acórdãos intercalares[1] que indeferiram a arguição das nulidades relativas ao despacho do Presidente do Tribunal Colectivo que lhe comunicou a alteração não substancial da acusação e a produção de provas que nessa sequência requerera e, depois, do acórdão final que o condenou, como autor material e na forma consumada de um crime de homicídio simples, previsto e punido pelo art.º 131.º do Código Penal, na pena de 12 anos de prisão.

a.No recurso intercalar[2] • O recorrente pediu que se declare a nulidade do despacho proferido na sessão de 27.05.2014, sendo o mesmo substituído por outro que, nos termos do artigo 359.º, solicite o acordo dos sujeitos processuais para que os mesmos venham a ser considerados neste processo e, caso assim não se entenda, se determine a realização da deslocação ao local para reconstituição e inquirição das testemunhas indicadas, culminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões: I. O despacho proferido na sessão de julgamento do passado dia 27-05-2014 em que o tribunal considerou como não substancial a alteração de fatos efectuada na sessão do passado dia 14.05.2014 é nulo por violação do disposto nos artigos 1.2, al. f), 358.2 e 3592 do Código de Processo Penal.

  1. Nos termos do artigo 1.º, al. f), consubstancia uma “Alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”; III. Crime diverso, não se refere a um outro tipo de crime, mas a um facto criminoso diferente daquele que inicialmente foi imputado ao arguido na acusação ou pronúncia.

  2. A proibição da alteração de fatos encontra-se associada ao princípio da vinculação temática, segundo o qual o objecto do julgamento tem de se cingir aos factos constantes da acusação, e ao princípio constitucional dos direitos de defesa, fundamento de um processo justo e equitativo.

  3. No caso em análise, conforme consta da acusação constante de fIs.,. que aqui se dá por integralmente reproduzida, o objecto do julgamento estava delimitado na circunstância do arguido ter causado a morte da vítima, intencionalmente, apenas porque esta estacionou um veículo na rampa da sua (arguido) casa.

  4. Tais factos foram qualificados pela acusação como um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea e), do Código Penal.

  5. Não consta da acusação que o gesto do arguido que atingiu a vítima tivesse sido praticado em defesa a uma agressão que o mesmo estava a ser vítima, com um ferro, apesar, assinale-se, desses fatos constarem à evidência do inquérito.

  6. Perante esta imagem global do facto da acusação, o arguido organizou a sua defesa, apresentando uma contestação, onde, reconhecendo ter sido o seu infeliz gesto a causar a morte da vítima, apenas o fez em defesa a uma agressão violenta de que estava a ser vítima, para além de nunca ter pretendido tirar a vida à vítima.

  7. Esta defesa consubstanciou-se numa alegação de fatos que alargou o objecto do processo que passou a incluir uma agressão mortal descrita na acusação e uma agressão da vítima em resposta à qual o arguido se defendeu, admitindo-se que o tribunal, a provar-se a versão da defesa, poderia, nos termos legais, considerar excessiva — o que reduziria a censura do fato — ou não — o que excluiria a sua ilicitude.

  8. Ora, terminado o julgamento, ficando a defesa convicta que a prova produzida tinha, efectivamente, confirmado a sua versão e afastado a versão da acusação, foi surpreendida com o despacho cuja nulidade aqui pretendemos que seja reconhecida, em que o tribunal comunicou que seriam susceptíveis de ser dados como provados novos fatos, qualificados de uma alteração “não substancial”.

  9. Nesse despacho constam factos que não constam nem da acusação nem da contestação e que configuram uma terceira versão do sucedido, como tal, um crime diverso do imputado ao arguido, para os efeitos previstos no artigo 1.º, al. f), do CPP.

  10. Na verdade, pretende o tribunal alargar o objecto do processo mencionando que, já depois da agressão da vítima ao arguido, aquela retrocedeu e o arguido avançou na sua direcção, atingindo-o com a navalha.

  11. Esta alteração afasta-se, tanto da versão da acusação, em que a morte se deveu a uma reação ao estacionamento indevido, como da defesa, em que a morte foi uma defesa a uma agressão.

  12. O factos constantes do despacho em análise, a serem considerados provados, implicam que, afinal, o arguido não causou a morte da vítima por causa do estacionamento, nem se queria defender, mas estaria a reagir a uma agressão anterior — no que se denomina retorsão -, uma vez que consta que a vítima agrediu o arguido, após o que retrocedeu tendo aquele avançado na direcção daquele desferindo-lhe o golpe fatal.

  13. A defesa concentrou-se desde o primeiro momento em demonstrar que o arguido estava a ser agredido com um ferro e que apenas se defendeu dessa agressão de que estava a ser vítima, facto evidente mas que a acusação, bem como todas as notícias na comunicação social, sempre omitiram.

  14. Nunca poderia pensar que afinal se teria de defender de um homicídio por retorsão a uma agressão que, repita-se, não constava da acusação.

  15. O caso ainda é mais nítido por colocar em causa o contraditório e o princípio do acusatório.

  16. Na verdade, como se disse, a agressão de que o arguido estava a ser vítima já constava à saciedade da prova de inquérito, tendo constado logo das primeiras inquirições das testemunhas pela Polícia judiciária, já para não falar das declarações do arguido.

  17. Ora, o Ministério Público, como legítimo titular da acção penal, decidiu afastá-la na totalidade da acusação e como tal, do objecto do processo.

  18. A responsabilidade inicial de delimitação do objecto do julgamento é do Ministério Público que, em rigor, “arquivou” a agressão ao arguido, tendo sido a defesa que a inseriu no julgamento, mas claro, como versão de exclusão ou, no limite, de atenuação da sua responsabilidade criminal.

  19. Neste caso, não só o tribunal altera os factos criando uma nova leitura do que se passou face à acusação do Ministério Público como utiliza a verdade que a defesa evidenciou, para a alterar para uma nova vertente incriminatória.

  20. Em conclusão, o despacho proferido que qualificou de não substancial a alteração de fatos é nulo, por violação do disposto nos artigos 358. e 359.º, do CPP, nulidade essa que afectaria sempre a validade da sentença proferida, nos termos do artigo 379.º, 1, al. b), do CPP.

  21. Neste termos e nos melhores de direito deve este recurso ser procedente e deverá ser declarada a nulidade do despacho proferido na sessão de 27.05.2014, sendo o mesmo substituído por outro que, nos termos do artigo 359.º, solicite o acordo dos sujeitos processuais para que os mesmos venham a ser considerados neste processo.

    Sem prescindir e caso assim não se entenda! XXIV. Deverá ser declarada a nulidade do despacho que indeferiu os novos meios de prova requeridos pelo arguido.

  22. Com efeito, mesmo admitindo que a alteração é não substancial, determina o artigo 358.º, n.º 1 do CPP que “Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritas na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”.

  23. Assim, requereu o arguido como diligência adicional, uma deslocação ao local para reconstituição e inquirição suplementar no local das seguintes testemunhas: - C…, - D… - E… - F… e - G….

  24. Esta diligência adicional decorre da valoração da prova já produzida evidenciada pelos novos factos pretendidos alterar.

  25. Com efeito, embora saibamos, como infra se referirá, que os novos fatos não estão ainda provados, os mesmos sustentam-se no depoimento de apenas uma das testemunhas inquiridas — C… —, desconsiderando todas as outras que apresentaram uma versão diferente.

  26. Evidenciando o tribunal querer dar especial credibilidade a um dos depoimentos, ou melhor, como o próprio tribunal bem salientou na audiência, por apenas uma das diferentes percepções dos factos evidenciadas pelas várias testemunhas, e estando perante um caso de homicídio em que a decisão não pode estar sujeita a qualquer dúvida razoável, o caso concreto exige que se apurem as condições de visibilidade das mesmas no momento dos factos.

  27. Na verdade, em todo o julgamento foram evidentes as dificuldades do tribunal, do ministério público e das partes, em perceber o que as testemunhas podiam ver do local onde estavam.

  28. Perante a surpresa do despacho de alteração dos factos, que revela uma especial valorização de uma das percepções, desconsiderando as restantes, é fundamental que essa decisão seja devidamente baseada numa visão precisa de onde as testemunhas estavam e o que podiam ver, afastando meras reconstruções mentais do que não se viu (como é um exemplo flagrante a utilização da mão esquerda pelo arguido mencionada pela testemunha H…).

  29. Nem de outra forma o Tribunal da Relação, caso exista recurso da decisão, pode ter elementos objectivos para poder fundamentar uma leitura da prova gravada, compatíveis com um caso de um crime de homicídio, que não seja uma mera aproximação baseada no Google Earth.

  30. Nestes termos e nos melhores de direito, deve este recurso ser procedente e declarada a nulidade do despacho que indeferiu o meio de prova apresentado pela defesa, por violação do disposto no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, que determina que “Constituem nulidades dependentes de arguição (...) a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”, sendo substituído por outro que determine a realização da deslocação ao...

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