Acórdão nº 1101/12.8TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA EIR
Data da Resolução25 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº1101/12.8TBMAI.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto B…, residente no …, .., ….- …, …, Caminha, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra C…, residente na Rua …, …, ..º Esquerdo Centro, …, e COMPANHIA DE SEGUROS D…, S.A., com sede no …, .., Lisboa.

Pede a condenação do réu e da ré no pagamento da quantia global de € 65.756,51, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, que: Cerca das 6:00 horas do dia 5 de Dezembro de 2002, na Rua …, na Maia, o réu C…, acompanhado por um amigo, após um desentendimento com indivíduos desconhecidos, conduziu o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Peugeot, modelo …, matrícula XJ-..-.., de forma deliberada, voluntária, livre e conscientemente, a um grupo de pessoas que ali se encontravam.

Desse modo, o réu C… invadiu e galgou, de forma voluntária, deliberada, livre e conscientemente, com o veículo XJ-..-.., o passeio para o trânsito de peões, indo, sem travar e sem reduzir a velocidade a que seguia, foi embater contra o referido grupo de pessoas, onde, para além dele autor, encontravam também E…, F… e G….

Após este primeiro embate, o réu C… continuou a sua marcha pela Rua …, no sentido Poente - Nascente.

Após inverter o seu sentido de marcha, a uma velocidade superior a oitenta quilómetros por hora, direccionou, de forma voluntária, deliberada, livre e conscientemente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula XJ-..-.. para o mesmo aglomerado de peões, que, nessa altura, se encontrava totalmente sobre o passeio.

O réu C… invadiu o referido passeio e sem travar e sem reduzir a velocidade de que seguia animado foi embater, pela segunda vez, contra o referido grupo de pessoas.

Desta segunda vez, embateu contra o corpo de H…, I…, J… e K….

Após o que o réu C… fugiu do local.

Na altura da prática dos factos estava já a despontar a luz do dia.

O réu C… agiu com a intenção voluntária, consciente e deliberada de atingir os corpos de todos os peões, de matar todos esses peões, que ali se encontravam.

Como consequência directa e necessária dos embates supra descritos, sofreu diversas lesões corporais, que indica.

Foi transportado de seguida e de ambulância ao serviço de urgência do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, onde lhe foram prestados os primeiros socorros.

Aí foi submetido a exames radiológicos e efectuadas as lavagens cirúrgicas às feridas e escoriações sofridas, com desinfecção.

Foram-lhe prescritos, medicamentos vários, nomeadamente analgésicos.

Após o que lhe foi dada alta hospitalar.

Como a dor no tornozelo esquerdo não passava, foi submetido a novos tratamentos na “L…”, bem como nas “M…, Lda.”.

Usou um imobilizador/protector do tornozelo esquerdo durante o período em que se realizara os tratamentos.

Usou duas canadianas durante pelo menos dois meses.

Não obstante a submissão a todos estes tratamentos, continuava a sentir instabilidade ao nível do tornozelo esquerdo, com dor.

No dia 12.05.2003 as referidas lesões atingiram a consolidação médico - legal.

No momento dos embates e nos instantes que os precederam e mediaram, sofreu um enorme susto, E dada a violência dos mesmos, o carácter súbito e imprevisto dos mesmos e da incapacidade de lhes escapar, receou pela própria vida, tanto mais que foi vítima de um crime de homicídio na forma tentada, pelo qual o réu C… foi condenado.

Sofreu fortes dores em todas as regiões do seu corpo que foram atingidas ao longo dos meses subsequentes, mais intensas nos seis meses seguintes.

As dores ainda o atingem e vão afectá-lo ao longo de toda a sua vida.

Sofreu os efeitos perniciosos dos raios X.

Sofreu os incómodos da perturbação da mobilidade autónoma.

Como consequência directa e necessária dos embates supra descritos, o apresenta as sequelas que descreve.

Na sequência e como consequência directa dos embates supra descritos, sofreu uma incapacidade temporária geral total de quarenta e um dias e uma incapacidade temporária geral parcial para o trabalho de oitenta e seis dias.

Ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente geral de, pelo menos, cinco por cento e de um “quantum doloris” de quatro, numa escala ascendente de gravidade de um a sete.

Ficou profundamente traumatizado.

Viu um colega seu a falecer à sua frente e outros que o acompanhavam ficar estropiados e banhados em sangue, com gritos de dor que ainda hoje o deixam transtornado.

Viu a morte à sua frente, passando a viver após os embates bastante ansioso e angustiado.

Do “acidente” resultaram danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que elenca e quantifica.

Estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil.

Sucede que o réu C… havia transferido a responsabilidade civil emergente pelos danos decorrentes da circulação da viatura automóvel ligeiro de passageiros de matrícula XJ-..-.. para a ré Companha de Seguros N…, S. A (actualmente denominada Companhia de Seguros D…, S. A.).

Contestando diz, em síntese, a ré Companhia de Seguros D…, S.A., que: Por contrato de seguro titulado pela apólice nº…....... assumiu a responsabilidade pelo pagamento, até ao máximo de € 600.000,00, das indemnizações devidas pelos danos causados pelo veículo de matrícula XJ- ..-...

Entre a data da ocorrência em causa nos presentes autos e a propositura do presente acção decorreram mais de três e de cinco anos, quase dez, pelo que se encontra prescrito o direito à indemnização que o autor pretende exercer.

Aceita tudo o que foi alegado na petição inicial quanto à forma como teve lugar a ocorrência e atropelamento do autor e demais peões.

Porque a ocorrência em causa não foi um acidente de viação, não se encontra constituída no dever de indemnizar, dado que não há contrato de seguro que possa conferir cobertura aos danos derivados de um crime cometido com dolo directo.

Quanto aos danos, impugna os mesmos.

Por via do atropelamento do autor e dos demais peões correu contra o aqui réu C… o processo-crime n.º1272/02.1GAMAI, que sempre foi do conhecimento do autor.

Incumbia ao autor, na qualidade de lesado, deduzir o pedido cível a que se achasse com direito no processo penal respectivo, conforme fizeram, de resto, os pais do falecido E…, O… e esposa P…, e os lesados G… e H….

Por causa de vicissitudes processuais que iriam determinar atraso no andamento do processo-crime em que os pedidos de indemnização foram formulados, os autores civis foram remetidos para os meios cíveis.

Os lesados que foram remetidos para os meios comuns propuseram entretanto acções de indemnização.

Na acção em que era, e é, autor J…, a contestante - sabedora como era do valor dos pedidos cíveis que haviam sido deduzidos por alguns dos lesados e da enorme desproporção quando comparado com o valor do capital assegurado pela apólice do seguro automóvel - deduziu o incidente de intervenção principal provocada de todos os demais lesados, incluindo o aqui autor.

Ainda antes de incidir qualquer despacho sobre o mencionado incidente a aqui ré foi citada para as acções entretanto instauradas pelos mencionados G…, H… e O… e esposa.

A soma dos pedidos formulados em todas as referidas acções ascende a cerca de € 1.186.311,57, isto é, pouco menos que o dobro do limite do capital seguro, mas, não obstante, e já depois de ordenada a apensação ao processo 9041/04.8TBMAI do 4º juízo cível deste tribunal de todas as demais acções pendentes, foi indeferida a requerida intervenção dos demais lesados e nomeadamente a do aqui autor.

Proferida sentença foi condenada a pagar, até ao limite do capital de € 600.000,00 e de forma rateada, as indemnizações fixadas para cada um dos lesados.

Na mesma sentença foi o réu C… condenado a pagar, para além do mais, aos autores o remanescente das indemnizações.

Dessa decisão foi interposto recurso pelos autores O… e mulher, pelo autor G… e pela autora H…, em cuja apelação se batem pelo aumento das indemnizações que lhe foram arbitradas.

E dela foi igualmente interposto recurso pela aqui contestante, sustentando a inexistência do seu dever de indemnizar ou, caso assim não seja entendido, a redução da indemnização arbitrada aos autores G… e H….

Tais recursos não foram até ao momento objecto de decisão, mas se lhes for negado provimento, sobretudo ao interposto pela aqui contestante, tudo se conjuga para que se venha a esgotar o capital garantido pela apólice do seguro do automóvel conduzido pelo co-réu.

Caso tal suceda jamais poderá ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização que se venha a apurar ser devida ao aqui autor, uma vez que não foi por culpa sua (da ré) que o autor não foi chamado ao rateio do capital seguro, mas sim à inequívoca inércia daquele.

Conclui pela procedência da excepção de prescrição, com a sua consequente absolvição do pedido.

Caso assim não entenda, conclui pela improcedência do pedido formulado quanto a ela.

Caso assim se continue a não entender, conclui no sentido de que o pedido deve ser julgado de acordo com a prova que se produzir quanto aos danos sofridos pelo autor caso se não confirme o esgotamento do capital garantido pela apólice do seguro com o pagamento das indemnizações aos lesados que...

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