Acórdão nº 1629/13.2TBLSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução23 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 1629/13.2TBLSD.P1 – 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 193) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto) Des. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO B… e esposa C…, instauraram, em 19-12-2013, no Tribunal Judicial da então Comarca de Lousada, este procedimento cautelar comum, contra D…, Lda.

Requereram que, como providência, se ordene a intimação da Requerida para proceder de imediato ao encerramento das suas instalações industriais.

Alegaram, na petição, que residem na casa ao lado. A requerida fabrica paletes, actividade que produz ruído (superior aos limites legais) durante a noite e o dia, deita cheiros, faúlhas e fumo para a sua habitação. Junto desta, estão a caldeira e uma chaminé não legalizada. Tal situação impede o “cultivo” do seu prédio, “afecta” ou “impossibilita” (itens 19º e 21º) o seu sono e descanso, “dificulta-lhes o dormir, impossibilitando-o mesmo” (22º), em consequência do que se sentem “cansados, angustiados, nervosos e sob stress” (23º). A autora apresenta, desde há cinco anos, um quadro depressivo (38º), precisando de medicação (15º).

Opôs-se a Requerida (fls. 127 a 134), impugnando e acrescentando que sempre teve caldeira, substituída pela actual, adquirida em 2011, e que não é prejudicial ao ambiente nem produz cheiros ou faúlhas, encontrando-se numa estrutura metálica amovível. Depois das 20 horas, ela funciona manualmente, pelo que, à noite, não há barulhos. Tem doze funcionários. O encerramento iria causar mais prejuízo do que o alegado.

Instruídos os autos, realizada perícia e inquiridas testemunhas, foi proferida, em 07-07-2014, a sentença (fls. 345 a 354), que indeferiu a providência.

Inconformados, os requerentes recorreram para esta Relação, alegando (fls. 397 a 436) e apresentando como “conclusões”:[1]“1ªA presente sentença é recorrível […] 2ªDeveria ter sido dado como indiciariamente provado que: A Câmara Municipal … apurou que a Requerida edificou:

  1. Estruturas metálicas, sem licença administrativa, em desconformidade com o afastamento mínimo para construções industriais ou armazéns, ao limite dos lotes vizinhos, de acordo com o PDM; b) Uma ampliação no alçado lateral esquerdo, sem licença administrativa, que não é considerada viável por a mesma não respeitar o afastamento legal exigido; c) Uma chaminé de resíduos industriais, sem o respetivo licenciamento, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03 de Abril, e as normas técnicas previstas na Portaria n.º 263/2005, de 17 de Março. (cfr. artigos 32º e 33º do Requerimento Inicial).

    1. Temos duas questões a considerar.

      A primeira reporta-se aos direitos de personalidade dos Requerentes.

      A segunda reporta-se à necessidade de cumprimento da legislação administrativa no âmbito do licenciamento das instalações e da atividade da Requerida.

    2. A providência cautelar que proiba o funcionamento de máquinas entre as 21 horas e as 8 horas do dia seguinte, cuja utilização impede o repouso, não pode ser recusada com uma suposta perda dos postos de trabalho dos trabalhadores da unidade fabril, porque num eventual conflito, os direitos em confronto são de espécies diferentes e desiguais, prevalecendo os direitos de personalidade das pessoas afectadas pelos ruídos, sobre os de carácter patrimonial dos trabalhadores. No Ac. do STJ, de 26 de Abril de 1995 […], decidiu-se que num conflito de valores e interesses entre a laboração de uma instalação fabril e um ambiente de vida humana, sadio e equilibrado, deve dar-se prevalência a este último.

    3. Resulta claro que os direitos de personalidade dos Requerentes, direito ao repouso, descanso, ambiente de vida humana saudável e sadio, consagrados pela Constituição da República Portuguesa nos Direitos, Liberdade e Garantias dos Cidadãos, prevalecem sobre quaisquer outros direitos, nomeadamente o direito ao trabalho, tudo ao contrário do considerado pela sentença recorrida, que erroneamente dá prevalência a interesses económicos em detrimento dos direitos fundamentais de qualquer cidadão.

    4. Os direitos dos Requerentes prevalecem mesmo sobre os interesses da Requerida, ainda que esta tivesse as suas instalações legais e respeitasse os limites legais de ruído, o que não é o caso. Com efeito é incompreensível como pode a sentença recorrida pactuar com a ilegalidade administrativa da Requerida e inércia desta ao longo dos anos em legalizar a sua situação, bem como violação do Regulamento Geral do Ruído. Pelo que, além de terem de ser salvaguardados os direitos dos Requerentes, tem de ser cumprida a legalidade quer das instalações e equipamentos da Requerida, quer os limites de ruído de forma a não impedir o repouso dos Requerentes e a vivência e vida humana saudável e sadia.

    5. Tudo devidamente justificado pelo provado nos pontos 1, 2, 3, 4 que demonstram que o prédio dos Requerentes é a sua habitação própria permanente, 5, 6, 7, 8 (existência de ampliações, fumos, ruído todo o dia e noite por parte da Requerida), 9, 12, 15, 19, 20, 21 e facto cujo aditamento como provado foi requerido supra (demonstram as ilegalidades por parte da Requerida em violação da lei administrativa, Regulamento Geral do Ruído e direitos fundamentais dos Requerentes que nunca foram resolvidas não obstante as reclamações e insistências), 10, 11, 13 e 15 que devido à sua importância e gravidade se transcrevem: 10- O referido em 7) afeta o descanso, o repouso dos Requerentes; 11- Em consequência dos referidos ruídos, os Requerentes sentem-se cansados, angustiados, nervosos e sob stress; 13- A Requerente apresenta um quadro depressivo prolongado com predomínio de sintomas de exaustão (depressão por esgotamento). Tem uma evolução de cerca de 5 anos com agravamento nos últimos 3 anos; 15- A Requerida adquiriu uma nova caldeira em 13-7-2011, a qual é alimentada de biomassa e madeira de pinho.

      Dos pontos 10, 11, 13 e 15 resulta que devido ao ruído os Requerentes sentem-se cansados, angustiados, nervosos e sob stress, sendo afetado o descanso e repouso dos mesmos devido ao ruído e fumos produzidos nas instalações da Requerida.

      A Requerente apresenta um quadro depressivo causado por exaustão, agravado nos últimos 3 anos, coincidente este agravamento com a colocação da caldeira por parte da Requerida, ou seja, com o aumento do ruído.

    6. A falta de resolução das ilegalidades e ruídos pela Requerida e não resolução do problema pelas entidades públicas competentes às quais foi a situação denunciada, tem afetado o direito ao descanso, repousa e vida salutar dos Requerentes, o que se tem agravado com o tempo e poderá causar problemas ainda mais graves na saúde dos Requerentes, daí a necessidade dos mesmos recorrerem ao presente procedimento cautelar.

    7. Atendendo ao tempo decorrido (anos) desde a denúncia da situação e tentativa por parte dos Requerentes para que a Requerida resolva o problema, sem que esta o tenha feito até hoje, não obstante os inúmeros prazos concedidos para o efeito pelas diversas entidades administrativas e todos ultrapassados, demonstra que a única forma da Requerida resolver a situação e passar a cumprir a lei sem violar os direitos dos Requerentes é ser determinado o das instalações industriais sitas na rua […].

    8. O artigo 1346.º do Código Civil justifica igualmente a aplicação da medida cautelar requerida pois os Requerentes como proprietários do imóvel supra identificado podem opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a quaisquer outros factos semelhantes, provenientes do prédio vizinho da Requerida, por tal importar um prejuízo substancial para o uso do imóvel (casa de habitação dos Requerentes onde não conseguem descansar), acrescendo que a utilização do prédio da Requerida não é normal por ilegal.

    9. […]12ª[…]13ªInexiste fundamento para a sentença recorrida considerar que não existe ligação causal entre a depressão da Requerente e o ruído da fábrica da Requerida. O ruido da fábrica da Requerida afeta o repouso dos Requerentes, conforme ficou provado.

    10. A lesão grave do direito dos Requerentes e de difícil reparação resulta dos problemas de saúde que são sempre de difícil tratamento e podem não ter cura ou deixar danos permanentes, bem como a perda de condições e vida familiar salutar que depois de perdida, como já passou, não pode ser recuperada.

    11. Não podemos aceitar que a sentença recorrida dê prevalência a interesses económicos em detrimento dos direitos de personalidade fundamentais dos cidadãos, fazendo uma incorreta aplicação do disposto n.º 2 do art.º 335º do Código Civil, violando o mesmo.

    12. Resultou claro e provado que a Requerida utiliza as instalações como bem lhe apetece, sem cumprimento da legislação administrativa portuguesa (cfr. docs. juntos com o Requerimento Inicial), violando todas as diretivas ambientais, administrativas e de licenciamento, incluindo o PDM, violando horários de funcionamento e poluindo descaradamente. O licenciamento encontra-se imposto pelo DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, nomeadamente no artigo 4º, n.ºs 1 e 2. Estando ilegal, não pode a Requerida utilizar as instalações que possui, pois não tem a necessária licença de utilização para o efeito, polui, não sendo as ampliações licenciáveis sequer.

    13. O procedimento cautelar, como processo urgente, foi decretado antes de concluída a medição acústica solicitada pelo Tribunal. A medição que se encontrava pendente foi concluída após a sentença ter sido proferida. Tal conclusão da medição permitiu aos Requerentes apurar que aquando da medição ordenada pelo Tribunal, a Requerida, tendo conhecimento da realização da mesma, procurou ocultar o ruído que produzia, desligando alguns equipamentos. Não sabendo a Requerida que ia ser concluída a medição acústica após proferida a sentença recorrida, voltou a ligar os mesmos, o que permitiu apurar o verdadeiro ruído que a mesma produz, muito acima dos limites legais em todos os horários...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT