Acórdão nº 2072/11.3TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelPEDRO LIMA COSTA
Data da Resolução23 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 2072/11.3TJPRT Juiz Relator: Pedro Lima da Costa Primeiro Adjunto: Araújo Barros Segundo Adjunto: Pedro Martins Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.

Sumariamente, alega o autor: O autor lançou concurso de empreitada de obras públicas, a qual foi preliminarmente adjudicada a C…, Limitada [doravante denominada “C1…”]; Para garantir o cumprimento das obrigações que teria no contrato de empreitada, a C1… apresentou garantia bancária autónoma e automática onde o réu figura como garante, escrevendo-se no instrumento da garantia que “O Banco B… (…) presta a favor do Município …, garantia autónoma, à primeira solicitação, no valor de 24.075€ (…) destinada a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações que C…, Limitada (…) assumirá no contrato que com ela o Município … vai outorgar e que tem por objecto a empreitada de Requalificação da Rede Viária do Município … (…)” e “O banco obriga-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação do Município …, sem que este tenha de justificar o pedido e sem que o primeiro possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato (…)”; A garantia foi validada pelo autor, o qual notificou a C1…, em 29/9/2008, para celebrar o contrato de empreitada em 8/10/2008, sem que a C1… tivesse comparecido no acto correspondente e sem que apresentasse motivo alheio à sua vontade, ou explicação, que a impedisse de comparecer; Segundo o nº 3 do art. 115 do Decreto-Lei 59/99, de 2/3, “o adjudicatário perderá a favor do dono da obra a caução prestada, considerando-se, desde logo, a adjudicação sem efeito se não comparecer no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato e não houver sido impedido de o fazer por motivo independente da sua vontade, devidamente justificado”; O autor contactou o réu em 14/10/2008, informando-o que a empresa adjudicatária da empreitada não compareceu no dia, hora e local acordados para a celebração do contrato; O autor, deste modo, informou o réu do sucedido, intimando-o para que fosse accionada a garantia bancária; O autor voltou a solicitar o accionamento da garantia no dia 27/10/2008, teimando o réu em não cumprir com aquilo a que se obrigou pela garantia; O autor é completamente alheio ao facto de não ter sido levado a cabo a celebração efectiva do contrato de empreitada, não tendo recebido qualquer justificação para o sucedido por parte da C1….

Sumariamente, alega o réu: A C1… solicitou ao réu a emissão de garantia, a qual tem o número ……. e data de 6/6/2008; Em 22/6/2008 a C1… solicitou ao réu a emissão de nova versão da mesma garantia, de acordo com a minuta que o autor lhe facultou; Desta forma, a C1… devolveu ao réu o original da garantia referida em primeiro lugar e o réu emitiu nova garantia, agora de acordo com aquela minuta, tendo esta segunda garantia o mesmo número da primeira garantia, mas um teor diverso; Em data posterior a 12/9/2008, o réu ainda emitiu e entregou à C1… uma segunda via da segunda garantia; Por comunicação de 25/9/2008, a C1… solicitou a anulação da garantia, devolvendo o instrumento original da segunda garantia e devolvendo o instrumento original da segunda via da segunda garantia; Foi em 14/10/2008 que o autor solicitou o accionamento da garantia; Então, o réu já tinha cancelado a garantia, mediante a solicitação da C1…; O autor não é o portador do original da segunda garantia e não é o portador do original da segunda via da segunda garantia, sendo o réu quem tem tais originais.

Sumariamente, alega a C1…: Não é verdade que a C1… tenha faltado injustificadamente ao acto de celebração do contrato, não tendo o autor qualquer direito à caução prestada; A C1… enviou o original da garantia ao réu e cancelou a garantia antes da data marcada para a celebração do contrato, tudo através de telecópia enviada ao réu em 21/9/2008; A C1… foi informada que o concurso para a adjudicação da empreitada ia ser anulado e foi por isso que solicitou ao autor a devolução do original da garantia; Entre a notificação de 29/9/2008 e o dia 8/10/2008, o autor reiterou à C1… que não havia outra solução que não fosse a de anulação do concurso de adjudicação da empreitada e foi por confiar nessa intenção, duplamente comunicada, que a ré não compareceu no acto de celebração do contrato; O autor não adjudicou a empreitada ao segundo classificado para a adjudicação, o que revela que não quis dar sequência ao concurso.

O réu formula as seguintes conclusões: 1. Emerge da factualidade dada como provada que a recorrida entregou, de forma voluntária, à chamada o original da garantia bancária constante dos autos.

  1. Tal facto, inequivocamente um facto pessoal da própria recorrida, “sibi imputat”… 3. É inequívoco, também, que a chamada procedeu ao cancelamento da mesma junto do Banco recorrente.

  2. A regra nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.

  3. O sentido decisivo da declaração negocial é, assim, o que corresponderia à interpretação de um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente sagaz, diligente e prudente, colocado na posição concreta do declaratário.

  4. A teoria da impressão do destinatário, assim consagrada, sintetiza-se com o alcance decisivo da declaração qual será aquele que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz colocado na posição concreta do declaratário real, em face dos termos da declaração, das circunstâncias que este efectivamente conheceu aquando da sua emissão, bem como das circunstâncias concomitantes, anteriores e posteriores que com ela se relacionem, dos interesses em jogo e do seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, dos usos, da prática e da lei.

  5. Assim, não sendo conhecida pelo declaratário a vontade real do declarante, esta teoria concede, pelo menos em tese, primazia ao ponto de vista do destinatário, a partir do qual a declaração deve ser focada, neste caso, em concreto, do Banco recorrente.

  6. Ora, o Banco recorrente ao receber o original da referida garantia, bem como o pedido de cancelamento formal da mesma, pela chamada, interpretou tal facto como a extinção da mesma garantia, por acto consensual dos restantes intervenientes.

  7. Nem é crível, de alguma forma, que uma autarquia como a recorrida pudesse devolver à chamada a garantia em questão, caso não fosse essa a sua intenção… 10. Assim sendo, não pode pois o Banco recorrente ser responsabilizado pelo pagamento à recorrida do valor constante da referida garantia, em virtude da extinção da mesma.

  8. Com base na matéria factual carreada para os autos pela chamada, percepciona-se que a recorrida não promoveu, no concurso público em questão, à adjudicação ao 2º concorrente da empreitada em causa.

  9. Mas sim optou por lançar 2 novas empreitadas, nas quais se encontravam incluídos os trabalhos a que respeitavam a empreitada em causa nos presentes autos.

  10. O que pretende pois a recorrida: ser ressarcida pelo Banco recorrente de um valor ao abrigo de um procedimento concursal que não concluiu, tendo optado por abrir 2 novos!!! 14. Procedimentos concursais esses, decerto, caucionados por intermédio das respectivas garantias bancárias.

  11. Ora, não havendo pois concurso a caucionar não pode pretender a ora recorrida, ver honrada pelo Banco recorrente tal garantia.

  12. A garantia bancária em causa nos autos não se encontra pois em vigor.

  13. Sem prejuízo, o concurso para a qual foi emitida, acabou por se não realizar e consumar.

  14. Ora, o instituto do abuso de direito tem em vista impedir que as normas jurídicas, formuladas em termos gerais e abstractos, determinem, na sua aplicação aos casos concretos, flagrantes injustiças.

  15. Quando a aplicação concreta dos preceitos legais...

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