Acórdão nº 178/13.3TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução23 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 178/13.3TVPRT.P1 Varas Cíveis do Porto 4ª Vara Cível Relatora: Judite Pires 1ª Adjunta: Des. Teresa Santos 2º Adjunto: Des. Aristides de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO 1. "B…, S.A.D.", com sede na Rua …, n.º .., Funchal, ao abrigo do disposto no art. 27.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto intentou acção declarativa constitutiva de anulação de decisão arbitral, seguindo os termos de processo civil experimental, contra "C…, S.A.D.", com sede na …, …, …, .º Piso, Porto.

Alega ter celebrado, em 20/01/2001, contrato de trabalho desportivo com o atleta profissional de futebol D…, mais conhecido por D1…, por cinco épocas desportivas, com início em 01/07/2001.

Afirma que, em 21/05/2004, foi outorgado entre si e a Recorrida um contrato, denominado em epígrafe de “ACORDO”, de “cessão de direitos de inscrição desportiva" e que, por conta do aludido negócio, a Recorrida liquidou à Recorrente a quantia global de € 3.647.500,00, pelo que entendia ser credora da Recorrida da quantia de € 552.500,00, dos respectivos juros de mora e da compensação devida pelo facto de não ter cumprido integralmente com o vertido na condição 2.ª, parágrafo Primeiro, do ACORDO.

Expõe que propôs, em 14/10/2010, na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol a respectiva acção declarativa de condenação contra a aqui Recorrida, pedindo a sua condenação a pagar-lhe:

  1. A quantia global de € 726.793,17, correspondente ao capital de € 552.500 e juros de mora; b) A quantia de € 34.760,41, correspondente aos juros de mora vencidos sobre as quantias referidas na tabela inserida no artigo 51° da Petição Inicial; c) A título de indemnização pelo não cumprimento da respectiva obrigação contratual, a quantia salarial prevista no contrato de trabalho desportivo outorgado entre a Recorrida e o jogador E…, para a época desportiva 2004/2005, descontada da quantia de € 75.000, acrescida de juros de mora.

    Adianta que, em 16/11/2010, a Recorrida contestou e deduziu reconvenção, alegando ter liquidado € 100.000,00 a mais por erro dos seus serviços financeiros.

    Relata que, por decisão de 14/09/2012, a acção interposta foi julgada parcialmente improcedente, julgando ainda procedente o pedido reconvencional deduzido pela Recorrida, decisão essa que veio a ser confirmada por Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral de 1 de Fevereiro de 2013.

    Defende que tal decisão padece de nulidade, por incompetência do tribunal (caducidade da convenção de arbitragem) e por irregularidade da sua constituição (violação do princípio do juiz natural) – cfr. artigos 19.º, 21.º e 27.º da Lei n.º 31/86, de 29/8.

    A Recorrida "C…, S.A.D." veio contrapor que são desprovidas de qualquer fundamento as pretensões da Recorrente.

    Defende que a jurisdição arbitral da Comissão Arbitral da LPFP não é voluntária (mas sim necessária), pelo que resulta impossível a aplicação subsidiária da Lei da Arbitragem Voluntária e, menos ainda, por analogia.

    Mais defende que o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, não se vislumbrando a alegada violação do princípio do juiz natural.

    Remata pugnando pela improcedência da acção, por não provada e fundamentada, com a sua consequente absolvição do pedido formulado, declarando-se válido o Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 01 de Fevereiro de 2013, no âmbito do Processo 06-CA/2010.

    Após os articulados das partes foi proferido despacho saneador, afirmando a validade e regularidade processuais, e, por se considerar serem apenas de direito as questões suscitadas nos autos, foi proferida sentença que, conhecendo do mérito da causa, julgou “o presente recurso improcedente, por não provado e, em consequência, julgam-se improcedentes os fundamentos invocados pela Recorrente no sentido da nulidade ou anulação do Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 01 de Fevereiro de 2013, proferido no Processo n.º 06-CA/2010”.

    1. Inconformado com tal decisão, dela interpôs o Recorrente “B…, S.A.D.” recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “A) De acordo com o disposto pelo artigo 202º, 1, da Constituição, “[o]s tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”, acrescentando o artigo 209º, 2, quanto às categorias dos tribunais, que, para além dos tribunais previstos no n.º 1, podem existir tribunais arbitrais.

    1. No ordenamento jurídico português, os tribunais arbitrais exercem, assim, ao lado dos tribunais estaduais, uma função jurisdicional, que é legitimada constitucionalmente pelo artigo 209º, 2, e reconhecida e controlada obrigatoriamente por lei, nomeadamente, por via do disposto pelo artigo 26º, 2, da Lei n.º 31/86, de 29/08, aplicável in casu (LAV 86).

    2. A arbitragem constitui um modo de resolução de litígios entre duas ou mais partes, alternativo aos tribunais estaduais, desencadeado por uma ou mais pessoas que detêm poderes para esse efeito reconhecidos pela Constituição e por lei, mas atribuídos por convenção das partes ou por imposição legal, assumindo a decisão arbitral, na medida em que resolve ou dirime um litígio, a natureza de acto jurisdicional.

    3. Não fora a previsão do no n.º 2 do artigo 209º da Constituição e o exercício da função jurisdicional estaria vedada aos tribunais arbitrais, por ser, em regra, privativa dos tribunais estaduais.

    4. A arbitragem distingue-se dos tribunais judiciais não pelo valor da decisão proferida, que, em princípio, tem o mesmo valor de uma sentença judicial, mas pela sua natureza: a arbitragem é administrada por pessoas privadas investidas por poderes conferidos por pessoas privadas – as partes do litígio – a que um factor externo – a lei reconhece valor decisório vinculativo na solução do litígio.

    5. O exercício da função jurisdicional por parte dos tribunais arbitrais ter-se-á sempre, que conter dentro de determinados limites impostos por lei da República.

    6. Nos termos da lei, há apenas dois tipos de arbitragem: a arbitragem voluntária regulada pela Lei de Arbitragem Voluntária (LAV 86, entretanto, revogada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro – LAV 2011) e a arbitragem necessária prevista, na falta de disposição legal especial, nos artigos 1525º e ss do anterior CPC e nos artigos 1082º do novo CPC.

    7. Se a resolução do litígio por via de arbitragem decorre de imposição legal, a arbitragem é necessária; se o recurso à arbitragem assenta em convenção das partes, a arbitragem é voluntária (cf. art. 1º, 1, da LAV 86).

    8. Em todo o caso, não há arbitragem fora da lei: a arbitragem ou é necessária, e neste caso aplica-se-lhe o regime legal especial concretamente previsto para o caso (v., por ex., arts. 510º e ss do Código do Trabalho e art. 38º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro) e ou o regime geral previsto no CPC (cf. arts. 1525º e ss do anterior CPC e arts. 1082º do novo CPC); ou é voluntária, ficando submetida à vontade das partes com os limites impostos, designadamente, pela Lei da Arbitragem Voluntária (LAV 86).

    9. É precisamente por isso que a decisão arbitral só poderá formar caso julgado se respeitar os princípios do processo e demais regras impostas por lei, pois, caso não cumpra, poderá e deverá ser anulada, a pedido de qualquer das partes – cf. art. 27º, 1, da LAV 86.

    10. No ordenamento jurídico português, as ligas profissionais são associações privadas sem fins lucrativos com personalidade jurídica e autonomia administrativa técnica e financeira (cf. art. 22º, 1, da Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro – Lei de Bases da Actividade Física e do Deporto).

    11. A Liga Portuguesa de Futebol Profissional é uma associação de direito privado, que se rege pelos respectivos Estatutos, pelos Regulamentos que de acordo com aqueles forem emitidos e pela legislação aplicável (cf. art. 1º dos Estatutos da LPFP).

    12. É, portanto, uma pessoa colectiva de direito privado que, enquanto tal, está sujeita ao regime dos artigos 157º a 184º do Código Civil e que aprovou em assembleia geral os estatutos por que se rege, que prevêem os direitos e deveres dos associados, nomeadamente o de aceitarem a competência da Comissão Arbitral para dirimir os eventuais conflitos existentes entre associados no âmbito da associação (cf. arts. 54º dos Estatutos da LPFP).

    13. A qualidade de associado da LPFP não decorre directa ou necessariamente de qualquer lei: a qualidade de associado da LPFP adquire-se através de declaração escrita de candidatura apresentada nos termos do artigo 8º, 1, b), 2 e 3, dos Estatutos da LPFP, explicitando artigo 4º-A, 1, do Regulamento Geral da LPFP que “[a] declaração de candidatura à inscrição como associado na Liga deve ser formulada por escrito e manifestar de forma expressa e inequívoca a adesão integral e sem reservas aos Estatutos da Liga e de aceitação dos direitos e deveres deles decorrentes, bem como a aceitação da jurisdição arbitral da Comissão Arbitral da Liga”.

    14. É, pois, inequívoco que a filiação de um clube ou sociedade desportiva na LPFP nasce de um acto de vontade do clube ou sociedade desportiva, e é pela expressão dessa vontade – de integrar a LPFP e de aceitar a jurisdição da Comissão Arbitral – que os clubes e as sociedades desportivas ficam vinculados ao dever de recorrer a arbitragem para a resolução de determinados litígios e ao poder da Comissão Arbitral.

    15. Não há no ordenamento jurídico-desportivo nenhuma lei aprovada pela Assembleia da...

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