Acórdão nº 3330/13.8TBPRD-J.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução06 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Sumário (da responsabilidade do relator): 1 - O crédito que justifica a pretensão formulada pela credor no sentido de ser declarada a insolvência do devedor não necessita de estar incorporado em qualquer título executivo, pois embora o processo de insolvência seja um processo de execução universal, não se confunde com o processo executivo, nem o que é exigível para este é exigível para o outro. 2 – Demonstrada a qualidade de comerciante do cônjuge do alegado devedor, a contração da dívida no exercício do comércio e um regime de bens do casamento diverso do da separação, terá este cônjuge que provar positivamente que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal, porquanto esse proveito presume-se e, não afastada a presunção, a dívida comunica-se ao cônjuge do comerciante. 3 – Ainda que o tribunal, no julgamento da insolvência, não esteja sujeito apenas aos factos alegados, cabe ao oponente demonstrar que se encontra em situação de solvência, ou seja, não apurada esta situação e reunidos os demais pressupostos, a insolvência deve ser decretada.

Processo 3330/13.8TBPRD-J.P1 Recorrente – B… Recorrida – C…, Lda.

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 - Relatório: 1.1 – O processo na 1.ª instância C…, Lda.

veio requerer, através do presente processo especial, a Insolvência de B… e, para tanto, alegou o que ora se sintetiza: - É uma sociedade que se dedica ao fornecimento de bens e prestação de serviços de instalações elétricas, bombas submersíveis e alarmes e estabeleceu relações comerciais com o marido da requerida, para o exercício da atividade comercial deste, o que levou ao fornecimento, ao mesmo, de bens e serviços, mas que ele não pagou, encontrando-se por liquidar o montante de 9.768,85€.

- Interpelou por diversas vezes o marido da requerida, mas, não tendo havido pagamento, recorreu ao tribunal e, na ação 66939/12.0YIPRT, foi proferida sentença, em 12.07.2013 e já transitada, condenando o marido da requerida no pagamento daquele capital, e nos juros.

- O marido da requerida era empresário em nome individual e a requerida trabalhava com ele, participando ativamente na atividade comercial, além de serem casados entre si no regime de comunhão de adquiridos, pelo que a dívida é da responsabilidade de ambos, pois contraída pelo marido no exercício do comércio e em proveito comum do casal.

- O marido da requerida apresentou-se à Insolvência, e esta foi já declarada, estranhando-se a não apresentação conjunta, com o cônjuge, “a menos que pretendam de alguma forma que esta se eximisse das suas responsabilidades”, pois a dívida é da responsabilidade de ambos e, ao não se apresentar, a requerida viu acautelada a sua meação do património conjugal e eventualmente dos seus bens próprios, prejudicando os credores.

- Não são conhecidos rendimentos auferidos pela requerida ou qualquer atividade por si exclusivamente exercida, “pelo que o agregado familiar depende e subsiste à custa do rendimento do marido insolvente”.

- É notória a incapacidade da requerida para liquidar os débitos que a responsabilizam, e o seu património é insuficiente para fazer face ao passivo, e é manifesto o incumprimento generalizado das obrigações vencidas.

- Para efeitos do disposto no artigo 23, n.º 2 do CIRE, e porque não é possível à requerente obter dados concretos e atualizados, juntar documentos e prestar as informações pertinentes, como decorre do n.º 3 do mesmo preceito (o que requer), tal como também deve apresentar os elementos da sua contabilidade, bem como os documentos comprovativos da sua situação fiscal e perante a Segurança Social.

- O passivo da requerida tem-se avolumado, desde julho de 2011 e desde, pelo menos, a emissão da fatura não paga à requerente (31.01.2012) “os requeridos não têm cumprido com as suas obrigações perante a Requerente”. Assim, atento o incumprimento do dever de apresentação à insolvência, presume-se esta culposa. Além disso, em junho de 2012, a requerente e o marido tentaram proteger o património, ficcionando contratos de compra e venda com uma familiar, G…, tendo registado as alegadas aquisições, que, no entanto e entretanto, caducaram.

O requerente concretiza o pedido, acrescentando que, após declaração de insolvência da requerida, o processo deve ser apensado ao que corre termos pela insolvência do marido, “a fim de facilitar a liquidação do património dos devedores existente em comunhão (...) e ser aberto o incidente de qualificação da insolvência”.

Juntos os documentos de fls. 14 e ss., a requerida contestou (fls. 40 e ss). Em sede de questão prévia, alega que não é devedora do requerente de qualquer quantia, nem nunca foi interpelada; não foi condenada na sentença que condenou o seu marido, nem nessa ação foi invocada a comunicabilidade da dívida; o requerente já viu o seu crédito reconhecido e graduado na insolvência que corre termos no 3.º Juízo (3330/13.8TBPRD). Depois, exceciona a ilegitimidade da requerente, por esta não ser sua credora, defendendo que a ação nem sequer devia ter passado “da fieira do despacho liminar e ser aí liminarmente indeferida”, tanto mais que a requerente não cumpriu o que lhe era imposto pelo artigo 25 do CIRE (circunstâncias das quais é possível deduzir o incumprimento generalizado e a justificação da origem, natureza e montante do crédito).

No mais, a requerida entende que o requerimento de declaração de insolvência consubstancia “manifestamente um pedido infundado” e a requerente é responsável pelos danos causados. Com efeito, a requerente “tem perfeito conhecimento de que a requerida não é responsável pelas dívidas do seu marido” e recorreu a esta lide “com o intuito de pressionar a requerida a assumir a responsabilidade e onerar a sua meação no património comum”, sabendo também que a meação que responde pelas dívidas “já se encontra apreendida e salvaguardada”. A requerida invoca danos sofridos com este processo, conclui que a requerente agiu com dolo e também que litiga de má fé, ao deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar. E, no prosseguimento da sua contestação, diz que não se encontra em situação de insolvência, pois não é responsável pelas dívidas resultantes da atividade do marido e que a sua situação económica, correspondendo à diferença entre o passivo e o ativo traduz-se num saldo positivo de 49.152,33€. Acresce – refere – que, além de quinhoar nos créditos e débitos que relaciona, não tem qualquer dívida, seja “na mercearia ou tão pouco no talho onde faz as suas comprar semanais”. Em suma, acentua que “não existe cabimento na pretensão da requerente”. Diz, ainda, que aufere um salário mensal de 502,10€ e a quantia de 225,00€ de renda pela cessão da exploração de um estabelecimento comercial.

Acautelando a improcedência da sua oposição, a requerente requer que lhe seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante e informa que requereu o benefício do apoio judiciário, comprometendo-se a comprovar em juízo a respetiva decisão ou a pagar a pertinente taxa de justiça, se indeferido o benefício. A requerida relaciona os “cinco” maiores credores, os três bancos identificados a fls. 52, in fine, e conclui nos termos que decorreram de tudo quanto alegou. Junta, também, os documentos de fls. 56 e ss.

No prosseguimento dos autos, foi proferida a sentença de fls. 116 e ss., que veio a declarar a insolvência da requerida.

1.2 – Do recurso Inconformada, a requerida veio apelar. Pretende que seja revogada a sentença e “substituída por outra que, conhecendo da exceção dilatória insuprível da ilegitimidade da requerente, indefira o pedido de declaração de insolvência e absolva a requerida da instância, ou caso assim se não entenda, seja a requerida considerada solvente e, em consequência, absolvida do pedido” e formula, inicialmente, as conclusões de fls. 142/160, as quais, depois de despacho do Exmo. Desembargador de turno, vem a reduzir – ainda que escassamente – a fls. 173/180 e onde refere o que ora se sintetiza, omitindo-se as repetições manifestas: 1 - Os autos tiveram origem no pedido de declaração de insolvência formulado pela C…, Lda., que, para tanto alegou ser credora do marido da requerida, enquanto empresário em nome individual, da quantia de 9.768,85€, tendo sido condenado no seu pagamento por sentença proferida nos autos 66939/12.0YPRT. Alegou que o marido da requerente se apresentou à insolvência (3330/13.8TBPRD) e que são casados no regime de comunhão de adquiridos e, ainda, que a dívida foi contraída no exercício do comércio e no proveito comum do casal, razão pela qual é comunicável e da responsabilidade de ambos os cônjuges e acrescentando que a requerida se devia ter apresentado à insolvência conjuntamente com o marido, por igualmente se encontrar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, não lhe sendo conhecidos rendimentos próprios.

2 – A requerida deduziu oposição, alegando não ser devedora da requerente, nem nunca ter sido interpelada para o pagamento de qualquer dívida, nem constar da sentença como ré, nem nesses autos, em momento algum, foi suscitada a comunicabilidade da dívida do seu marido.

3 – Por conseguinte, não sendo credora da requerida, a requerente não possuiu legitimidade ativa para requerer a declaração de...

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