Acórdão nº 1392/05.0TBMCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução06 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1392/05.0TBMCN.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial do Marco de Canavezes-2º Juízo Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário I- O ordenamento jurídico português desde há muito tempo–vd. o Código de Registo Predial de 1984 (Decreto Lei n.º 224/84)–contempla a inscrição provisória de aquisição e de constituição de hipoteca a favor de pessoa certa, antes de titulado o contrato translativo da propriedade (artigo 47.º, nº 1 do actual do CRP).

II- Os registos no âmbito do Código do Registo Predial distinguem-se, portanto, quanto ao seu regime jurídico e correspectivos efeitos, em provisórios e definitivos, carácter esse de provisoriedade ou definitividade que produz efeitos distintos nas situações jurídicas constituídas.

III- De acordo com o plasmado no artigo 10.º daquele diploma legal, os registos extinguem-se por caducidade ou cancelamento e, nos termos conjugados do disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 11.º, também daquele diploma, os registos provisórios caducam, automaticamente, se não forem renovados, no prazo máximo de 6 meses.

IV- Requerido registo pelo promitente-vendedor, com base num contrato-promessa de compra e venda com eficácia meramente obrigacional, deve o mesmo ser qualificado registralmente como aquisição antes de titulado o contrato, sendo a sua inscrição provisória por natureza [artigo 92.º, nº 1 al. g) do CRP].

V- Sem eficácia real do contrato-promessa de compra e venda de imóveis apenas resultam direitos obrigacionais, já que a propriedade apenas se transfere com a celebração da escritura ou por documento particular autenticado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 408.º, nº1, 875.º, 1316º e 1317º alínea a) do Código Civil.

VI- Esta consequência não pode ser afastada pelo facto de o artigo 6,º, nº3 do Código do Registo Predial atribuir ao registo definitivo a prioridade que tinha como provisório.

VII- Daí que o simples registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa não possa ter o efeito de fazer retroagir a aquisição da propriedade à do registo provisório. Fá-lo se o direito substantivo o permitir, isto é se do contrato resultar uma garantia ou direito real, não se dele apenas resultarem direitos de natureza obrigacional.

VII- No acto notarial da escritura tendo por objecto bem imóvel, compete ao Notário assegurar a legalidade do acto, da qual é garante nos termos da lei, e por isso, é obrigado a advertir os outorgantes da existência e consequências de ónus, assistindo, só aí, aos promitentes compradores, recusar-se a celebrá-la quando sobre ela aqueles incidam e do contrato promessa conste a venda livre dos mesmos ( artigo 50.º, nº 3 do Código do Notariado).

IX- Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 224º do Código Civil têm-se por eficazes as notificações que as cartas enviadas por uma parte à outra encerravam e que se por culpa desta não foram recebidas.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, divorciada, residente na Rua …, n.º .., .º esq., ….-… …., Gondomar, e C…, solteiro, residente na Rua …, …, …. Porto, instauraram a presente acção declarativa, com processo comum na forma ordinária, contra D…, residente na …, …. Marco de Canaveses, pedindo que se declare nulo o contrato-promessa celebrado entre ambas as partes e, em consequência, se condene o Réu a restituir-lhes a quantia de 14.567,40 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, que se vierem a vencer desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Para tanto alegam, em síntese, que Autores e Réu assinaram o documento escrito de fls. 7 a 11, intitulado de “contrato promessa de compra e venda” relativo a um imóvel sito no …, freguesia e concelho de Valongo, datado de 20/01/1999, no qual o Réu intitulou-se “Presidente do Concelho de Administração” da sociedade por quotas “E…, L.da”, contribuinte n.º ……….; Os Autores entregaram ao Réu, por intermédio da sociedade de mediação imobiliária F…, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 12.345,24 euros; Os Autores vieram, entretanto, a saber que esta sociedade por quotas não existe; O Réu não é, sequer era à data da celebração do contrato-promessa, o proprietário do imóvel objecto daquele contrato, pelo que é responsável pelo documento que subscreveu uma vez que criou a falsa aparência de que a referida sociedade por quotas existe e que era proprietária do imóvel; Acresce que as assinaturas constantes daquele documento não foram notarialmente reconhecidas, sequer certificada pelo notário a existência da respectiva licença de utilização ou construção; O Réu exerce profissionalmente actividade ligada ao ramo da construção civil e compra e venda de imóveis, pelo que tinha obrigação de conhecer as formalidades impostas por lei.

O Réu contestou por excepção e por impugnação.

Alegou a excepção da sua ilegitimidade passiva para os termos da presente acção, sustentando não ser sujeito da relação material controvertida uma vez que assinou o invocado contrato-promessa na qualidade de presidente do conselho da administração da “E…, S.A.”, a qual, por erro de escrita, vem identificada naquele documento como sociedade por quotas quando se trata de uma sociedade anónima.

Impugnou parte da matéria alegada pelos Autores, sustentando que tal como resulta do próprio teor do contrato-promessa e era do conhecimento dos Autores quando assinaram aquele contrato, estes sabiam que o prédio ainda não havia sido construído e que ainda não tinha licença de construção, sendo certo que o referido prédio foi construído devidamente licenciado e beneficia, entretanto, da licença de utilização n.º ../2002, de 27/02/2002, pelo que a inexistência da licença de construção, à data de celebração do contrato-promessa, se encontra sanada; Invocou a excepção do abuso do direito, sustentando que os Autores agiram, ao longo do tempo, como se aquele contrato fosse válido, nunca tendo invocado a ausência da licença de construção como fundamento de invalidade do mesmo, designadamente nos autos de acção de fixação do prazo que contra eles foi intentada pela promitente-vendedora; ao invés, os Autores visitaram, com regularidade, a fracção objecto daquele contrato e chegaram mesmo a pedir à sociedade promitente-vendedora que esta lhes concedesse mais tempo para tentarem ceder a sua posição contratual, no que aquela foi anuindo enquanto pôde, conduta que naturalmente gerou na contraparte uma justificada confiança e investimento no pressuposto dessa validade; Após a promitente-vendedora estar munida de toda a documentação necessária à celebração da escritura de compra e venda, tentou obter o acordo dos Autores, por cartas datadas de 15 e 27 de Março de 2002, que endereçou sob registo e com a/r, para a morada dos Autores indicada no contrato, e que vieram a ser devolvidas, sobre a data para marcação da escritura de compra e venda; Como a promitente-compradora não teve qualquer resposta a essas cartas e porque o contrato não previa prazo para a escritura, a sociedade promitente-vendedora instaurou acção de fixação judicial de prazo a que os Réus responderam; Essa acção obteve procedência, fixando o prazo de trinta dias para a outorga da escritura de compra e venda e, em consequência, a promitente-vendedora escreveu e enviou aos Autores carta datada de 19/05/2005, sob registo, para a morada para onde aqueles foram citados, onde lhes solicitava que se dispusessem a celebrar a referida escritura de compra e venda, solicitando cópias dos elementos identificativos daqueles para se proceder à respectiva marcação, advertindo os promitentes-compradores de que se iria marcar a escritura e que se faltassem lhes seriam imputáveis as despesas de emolumentos; Como os Autores não deram resposta, a promitente-vendedora voltou a enviar sob registo a carta datada de 24/05/2005, convocando-os para a escritura pública de compra e venda, informando-os que se encontrava marcada para o dia 13/06/2005, no Cartório Notarial de Vila do Conde, explicando-lhes que em virtude da privatização dos cartórios, não fora possível marcar noutro mais próximo; Contudo, os Autores faltaram à referida escritura, o que inviabilizou a sua celebração; A promitente-vendedora enviou, sob registo, nova carta datada de 16/06/2005, na qual confirmava a falta dos Autores à escritura de compra e venda que tinha sido marcada, fixando-lhes um prazo suplementar de 20 dias para a realização da mesma e advertindo-os de que se até 10 de Julho de 2005 não cumprissem com a obrigação de celebrar a escritura se consideraria definitivamente incumprido o contrato, com a consequente perda do sinal; A esta carta respondeu a Autora, negando ter recebido a carta de comunicação da data da escritura e escudando-se no prazo fixado por decisão judicial, o qual em seu entender se encontrava ultrapassado, e sustentando que dado que a sociedade subscritora do contrato-promessa não tinha existência jurídica, nenhuma obrigação contratual a vinculava, assistindo-lhe antes o direito a obter a restituição do sinal prestado e que caso esse contrato seja válido, lhe assiste o direito a obter a resolução do mesmo por incumprimento do prazo estipulado, perda de interesse no negócio e impossibilidade de realização da prestação; A promitente-compradora respondeu a essa carta no sentido de que era ainda possível a celebração do contrato prometido, declarando-se disponível para tanto, esclarecendo a alteração da denominação social daquela e refutando as alegadas invalidade e perda de interesse; Como os Autores se mantiveram inertes, por carta datada de 13/07/2005, a promitente compradora comunicou àqueles que face ao incumprimento do contrato por banda daqueles, considerava o contrato resolvido por motivo que lhes era exclusivamente imputável, terminando pela reclamação dos pagamentos em falta; Ao agirem da forma supra descrita, refugiando-se na falsa questão e que constitui um mero lapso de escrita e, por outro lado, em nulidade que não lhes assiste invocar, tanto...

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