Acórdão nº 433/13.2TTGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução06 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 433/13.2TTGDM.P1 Secção Social do Tribunal da Relação do Porto Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B… (NIF ………, residente na Rua …, n.º .. .º ..ª esq. poente, ….-… …) intentou em 05-08-2013, no Tribunal do Trabalho de Gondomar e mediante formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra C… (NIPC ………, com sede na Rua …, …, ….-… …), requerendo, subsequentemente, a declaração de ilicitude ou de irregularidade do mesmo, com as devidas consequências.

Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, veio a empregadora, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 98.º-I, n.º 4, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, apresentar articulado a justificar o despedimento do trabalhador.

Para tanto alegou, muito em síntese, que a trabalhador faltou ao trabalho entre o dia 29 de Abril (a partir das 14h00) de 2013 e o dia 3 de Maio seguinte, tendo justificado com o falecimento de um familiar (sogro); porém, tal justificação não corresponde à verdade, uma vez que o trabalhador tem o estado civil de divorciado.

Acrescentou que é (a Ré) de pequena dimensão e que presta serviços de socorro e apoio clínico (transporte de doentes), que as funções do Autor consistiam na condução de ambulâncias de transporte múltiplo e que com as referidas faltas dadas pelo mesmo teve que retirar pessoal de tarefas e horários habituais, com todos os transtornos que tal causa, “designadamente com a diminuição da produtividade dos demais funcionários”.

Concluiu, por isso, que o comportamento do trabalhador foi grave e justificou o seu despedimento com justa causa.

O trabalhador contestou o articulado da empregadora, sustentando que as referidas faltas que deu ao trabalho o foram por motivo de falecimento de familiar (sogro), ocorrido em 29 de Abril de 2013, do que deu oportuno conhecimento à Ré.

Isto não obstante reconhecer que tem o estado civil de divorciado, mas afirmando que desde 1999 vive em união de facto com D… e que as faltas dadas o foram por motivo do falecimento do pai desta.

Concluiu, por isso, que deve ser declarada a ilicitude do despedimento e, em consequência, a Ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare o mesmo ilícito, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde o seu vencimento até integral pagamento.

Mais pediu a condenação da Ré por litigância de má fé, uma vez que, sustenta, esta sabe que ele vive há mais de 13 anos em união de facto com D… e que as faltas foram dadas pelo falecimento do pai desta.

Respondeu a empregadora, a reiterar o constante do articulado que motivou o despedimento quanto às faltas injustificadas do trabalhador.

Após vicissitudes processuais que ora não relevam, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, que se prolongou pelos dias 27-11-2013 (fls. 204 a 207 dos autos), 17-12-2013 (fls. 228 a 233 dos autos) e 13-01-2014 (fls. 248 a 253; na acta refere-se o ano de 2013, mas trata-se de manifesto lapso), tendo nesta última data o tribunal respondido à matéria de facto, sem reclamação das partes.

Em 31 de Março de 2014 foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: «Termos em que julgo a acção improcedente e julgo procedente o pedido reconvencional, declarando ilícito o despedimento de que o Autor trabalhador foi objecto por parte da Ré Empregadora, e, em consequência, condeno a Empregadora a reintegrar o Trabalhador no seu posto de trabalho e a pagar-lhe todas as prestações vencidas desde o despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde o respectivo vencimento.

Custas pela Ré.

Valor da acção: € 5.000,01.».

Inconformada com o assim decidido, a Ré empregadora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões: «1º Salvo o devido respeito o Recorrente não concorda com a douta decisão recorrida, na parte em que este decaiu.

  1. O Recorrente carreou para o processo factos integradores da causa de pedir e que sustentaram a decisão de despedimento tomada no aludido processo disciplinar.

  2. Tendo presente a prova testemunhal efectuada (e antes aludida: E…; F…; G… e H…) os factos constantes dos arts. 23º a 28º e 29º da petição inicial deveriam ter sido dados como provados.

  3. A serem provados teríamos, tal como consta da decisão do processo disciplinar, a verificação de grave incómodo e inconveniente de serviço (impossibilidade/diminuição de resposta em emergência pré-hospitalar) e lesão patrimonial séria para a entidade patronal.

  4. Independentemente de tal facto, e sem prescindir, é inequívoco que o Recorrido apresentou justificação falsa para a falta dos dias co[ns]tantes do item 6 dos factos provados.

  5. Tal constitui justa causa de despedimento por parte da entidade patronal, ora Recorrente.

  6. Pelo que a cessação de contrato de trabalho foi lícita.

  7. Com o acto em causa o Recorrido violou e colocou em causa a confiança inerente à relação laboral, colocando em causa princípio fundamental para a manutenção de tal relação.

  8. Tal constitui justa causa de despedimento por parte da entidade patronal, ora Recorrente.

  9. O Recorrido nem sequer tentou, durante o processo disciplinar, apresentar defesa que evitasse a situação de despedimento (ainda que apresentando os argumentos da presente acção), bem sabendo que estava em causa o seu despedimento.

  10. A contestação que veio, assim, apresentar nos autos recorridos assenta, assim, num verdadeiro venire contra factum próprio.

  11. Todo o processo disciplinar foi rigoroso e pautou-se pela tentativa de obtenção de resposta do ora Recorrido.

  12. Os factos apurados no processo disciplinar, tendo em atenção a prova documental e testemunhal apresentada, conduziram à existência de justa causa para despedimento do ora Recorrido.

  13. Tal matéria transitou para os presentes autos e, quer por força da confissão do Recorrido, pela prova produzida e pela não impugnação (designadamente do contido no processo disciplinar) por parte do Recorrido, ter-se-á como provada.

  14. Existe, assim, violação dos deveres do trabalhador e justa causa para o seu despedimento, nos termos e fundamentos antes indicados.

  15. A decisão recorrida viola o disposto no n.º1 e alíneas d), e), f) e g) do art. 351º do Código de Trabalho.

    Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado provado por procedente, revogando-se, em conformidade a douta sentença recorrida, e determinando-se a condenação do Recorrido nos termos peticionados nos autos recorridos (verificação da existência de justa causa e da validade da decisão de despedimento proferida), tudo como única forma de se repor e fazer inteira e sã JUSTIÇA.».

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, sendo o efeito meramente devolutivo.

    Recebidos os autos neste tribunal em 18-07-2014, aqui o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual concluiu que o recurso deve ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto e que “não merece provimento na parte sobrante”.

    Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

    1. Objecto do recurso Como é sabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam.

      Assim, tendo em conta as conclusões da recorrente são as seguintes as questões essenciais decidendas: 1.ª saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto, o que pressupõe a análise e decisão sobre a questão prévia de determinar se a recorrente cumpriu o ónus que a lei lhe impõe quanto à impugnação da matéria de facto; 2.ª saber se existe justa causa para o despedimento do trabalhador.

    2. Factos A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: 1. O Trabalhador foi admitido ao serviço da Empregadora em 1/03/1985, para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, mediante retribuição.

      1. Tendo exercido as funções inerentes à categoria profissional de motorista, conduzindo ambulâncias de serviços de socorro e apoio clínico, inseridos na actividade da Empregadora.

      2. A Empregadora remeteu, por carta registada com A/R que o Autor recebeu em 4/6/2013, a nota de culpa constante de fls. 54 a 57 destes autos.

      3. Por carta registada com A/R, que o Autor recebeu em 2/8/2013, a Empregadora comunicou-lhe a decisão de despedimento sob alegação de justa causa, pelos factos constantes da referida nota de culpa.

      4. No dia 13 de Fevereiro de 2013, o Trabalhador faltou ao serviço durante 3 horas e 50 minutos, tendo o Trabalhador apresentado justificação com fundamento em doença.

      5. Igualmente faltou durante os dias 11 e 12 de Março de 2013, tendo o Trabalhador apresentado justificação com fundamento em doença.

      6. O Trabalhador faltou ainda nos dias 29 (durante o período da tarde, entre as 14:00 e as 17:30 horas), 30 de Abril, 2 e 3 de Maio de 2013, tendo apresentado justificação por motivo de falecimento do “sogro” I…, cujo funeral ocorreu em 30 de Abril.

      7. O dia 1 de Maio foi feriado...

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