Acórdão nº 214/09.8TTSTS.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Outubro de 2014
Magistrado Responsável | EDUARDO PERTERSEN SILVA |
Data da Resolução | 13 de Outubro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
20 Processo nº 214/09.8TTSTS.P2 Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 383) Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto Adjunto: Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório[1] B…, residente em …, …, Trofa, veio instaurar a presente acção de processo declarativo comum contra “C…, Lda.”, com sede em …, Trofa,”, pedindo que:
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Seja declarada a ilicitude do despedimento do A.; b) O A. seja reintegrado no seu posto de trabalho; c) Seja a Ré condenada ao pagamento de todos os créditos salariais que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até à sua efectiva reintegração; d) Seja a Ré condenada no pagamento de uma Sanção Pecuniária Compulsória, no montante de € 100,00 por cada dia que passe até à efectiva reintegração do A.; e) Seja a Ré condenada ao pagamento das custas e ao pagamento de procuradoria condigna.
Em síntese, alegou que é trabalhador da Ré desde Outubro de 1976. Em 31 de Outubro de 2008, foi-lhe comunicado que, em consequência da instauração de procedimento disciplinar, estava suspenso preventivamente da prestação de trabalho, foi posteriormente notificado da nota de culpa, e mais tarde de uma nota de culpa adicional. Esta é ilegal, pois que os factos que alegadamente lhe são aí imputados já eram do conhecimento da Ré pelo menos desde 2005. Nega os factos da primeira nota de culpa, invocando a existência de ordens contraditórias que radica em litígio entre os dois sócios da Ré.
Contestou a Ré defendendo a verdade dos factos imputados ao Autor que, pela sua gravidade, tornaram impossível a manutenção da relação laboral, alegando ainda que o Autor, sabedor do litígio existente entre os sócios da Ré, actuou com um deles, seu sogro, numa clara estratégia de afrontamento ao outro, ao qual cabiam os poderes de representação, como o Autor sabia, e ao qual incumbia a gestão de pessoal.
Foi proferido despacho saneador, em que se decidiu remeter para sentença a apreciação da alegada ilegalidade da nota de culpa adicional e invocada prescrição, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
De tal selecção reclamou a Ré, nos termos de fls. 203 a 205, que não foram atendidos.
Realizado o julgamento, foi proferido despacho consignado os factos provados e respectiva fundamentação, sem reclamação.
Foi seguidamente proferida sentença cuja parte dispositiva é a seguinte: “Em face do exposto, decide-se julgar improcedentes os motivos invocados pela Ré para sustentar o despedimento do Autor no âmbito do processo disciplinar que lhe foi movido, e, em consequência:
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Declara-se a ilicitude do despedimento do A.; c) Condena-se a R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho; d) Condena-se a R. no pagamento de todos os créditos salariais que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, que nesta data, e por ora, se liquida já em 64.295,00 euros: 1837,00x35 meses, e a que acrescerá o subsídio de alimentação, em montante a apurar); e) Condena-se a R. no pagamento de uma Sanção Pecuniária Compulsória, no montante de € 100,00 por cada dia que passe até à efectiva reintegração do A. sendo a mesma devida após o trânsito em julgado da presente sentença”.
Inconformada, interpôs a Ré recurso, apresentando então, e a final, as seguintes conclusões: “A- Do núcleo dos poderes de representação dos gerentes das sociedades fazem parte os actos ou negócios jurídicos destinados a constituir, modificar e extinguir relações com terceiros.
B- Na decisão em recurso não se distinguiram correctamente tais poderes dos poderes de administração.
C- Relativamente à sociedade Recorrente o trabalhador Recorrido é terceiro.
D- A instauração do processo disciplinar visava extinguir o contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido.
E- A suspensão do trabalhador integra-se naquele poder disciplinar.
F- Sendo o trabalhador terceiro relativamente à sociedade, no caso, tratava-se do exercício de um poder de representação.
G- Nos termos da lei (artº. 261º. do CSC), conjugada com o pacto social da Recorrente (artº.6º), apenas o sócio-gerente D… tem poderes para, só por si, instaurar o procedimento disciplinar e decidir quer a suspensão quer o despedimento, pelo que foi legítima a ordem de suspensão que deu ao Recorrido e este deveria tê-la acatado.
H- Ainda que se entenda, atento o princípio da ilimitação dos poderes dos gerentes, que o sócio-gerente E… tem poderes de representação, o mesmo só poderá exercer tais poderes conjuntamente com o sócio-gerente D…, enquanto este os pode exercer sozinho (artº. 261º. do CSC. e artº. 6º. do pacto), pelo que o trabalhador não devia obediência à “ordem” de se apresentar ao trabalho.
I- Está provado que o trabalhador desobedeceu às ordens de um sócio-gerente e de um superior hierárquico.
J- Está provado que o Recorrido conhecia o teor do pacto social.
L- A antiguidade do trabalhador na empresa, o facto de ser genro do outro sócio-gerente e o seu conhecimento do conteúdo do pacto social, sempre fariam dele um terceiro de má-fé, a quem não aproveita o princípio da ilimitação dos poderes de gerência que protege os terceiros de boa-fé.
M- Mesmo que, por hipótese, o que só como tal se concebe, se entendesse que a instauração do procedimento disciplinar e a decisão de suspensão preventiva deveriam ser precedidas de uma deliberação, nela não podia participar o sogro do Recorrido por manifesto conflito de interesses.
N- A ordem de suspensão é legítima e o Recorrido devia-lhe obediência.
O- A ordem que o Recorrido supostamente teria recebido através da carta subscrita por seu sogro é ilegítima, violando quer o pacto social quer a lei (artº. 261º. do C.S.C.).
P- Depois dessa ordem, como se encontra provado, o Recorrido recebeu em 03, 17 e 18 de Novembro de 2008, novas ordens do sócio-gerente D… para acatar a suspensão e não obedeceu.
Q- Os factos atinentes à desobediência e as suas consequências, também provadas, deveriam ter sido tomados em conta na decisão.
R- O comportamento do Recorrido é censurável e mesmo doloso.
T- No caso, nenhum argumento razoável tinha o Recorrido, à luz do critério de um “bom pai de família”, para que tivesse desobedecido a repetidas ordens legítimas e “obedecido” a uma “ordem” ilegítima.
U- Os factos que traduzem a desobediência, só por si, ou conjuntamente com a restante matéria dada como provada, impunham a improcedência da acção e a declaração de que o despedimento é lícito.
V- Para quem entendesse que o exercício do poder disciplinar, para poder ser exercido, deveria estar regulado entre os sócios-gerentes, o que só como hipótese se concebe, deveria ter sido tida em conta a alegação da Recorrente em 72 da contestação, de que sempre as questões relativas ao pessoal couberam ao sócio-gerente D…, o que impunha a ampliação da base instrutória com a matéria aí alegada e formulado quesito.
X- Independentemente dos factos da desobediência, os factos imputados pelo Recorrido ao sócio-gerente D… em 16/10/2008 integram o crime de difamação e só por si ou em conjunto com a utilização das instalações e dos equipamentos da Recorrida são susceptíveis de sustentar o despedimento.
Z- A referida utilização, como alegado em 24, 25 e 26 da contestação e como resulta da nota de culpa, foi balizada no tempo e com ela o trabalhador já havia sido confrontado antes da instauração do procedimento disciplinar.
AA- A formulação escolhida pela Mtmª. Juiz para levar tal matéria à base instrutória (nº.10 da B.I.) faz presumir que era por si entendida como suficiente segundo a solução quanto ao direito, pelo que não podia, para estribar a decisão, considerar em falta factos que, apesar de alegados, entendeu não levar à base instrutória, nomeadamente os alegados em 24, 25, 26, 91 e 92 da contestação.
AB- Pelo que sempre se imporia a ampliação da matéria da base instrutória com as alegações vertidas naqueles artigos da contestação, com a consequente repetição do julgamento.
AC- Face à matéria dada como provada, ocorre claro erro de julgamento.
Foi violado: a) o disposto no artigo sexto do pacto social da Recorrida.
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o disposto no artigo 261º. do C.S.C.
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o disposto no nº. 1 e nas alíneas a), e) e i) do nº. 3 do artº. 396º. do Código do Trabalho, na redacção anterior à revisão de 2009.
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O disposto nos artºs. 511º nº. 1 do C.P.C.”.
Contra-alegou o recorrido, pugnando pela manutenção da sentença.
O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do não provimento da apelação.
A matéria de facto então fixada pela 1ª instância foi a seguinte: A-) O Autor é trabalhador da Ré desde Outubro de 1976, vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado (doc.1).
B-) Auferia, à data do seu despedimento, um vencimento mensal de 1.837,00€, acrescido de subsídio de alimentação (doc.1).
C-) Em 31 de Outubro de 2008, foi-lhe comunicado que, em consequência da instauração de procedimento disciplinar, estava suspenso preventivamente da prestação de trabalho (doc. 2).
D-) No dia 28 de Novembro de 2008, foi notificado da nota de culpa, no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela Ré (doc. 3).
E-) O Autor apresentou a sua resposta à nota de culpa, juntando documentos e arrolando testemunhas (doc.4).
F-) Em 10 de Fevereiro de 2009, o Autor foi notificado de uma nota de culpa adicional, tendo, em 20 de Fevereiro, apresentado a sua resposta à referida nota de culpa adicional (doc.s 5 e 6).
G-) Em 27 de Fevereiro de 2009, o Autor é notificado da decisão final tomada pela entidade empregadora, ora Ré, tendo esta decidido aplicar-lhe a sanção de despedimento com justa causa (doc. 7).
H-) No 31 de Outubro de 2008, foi também comunicado ao Autor por escrito, que a carta referida em C-), suspendendo-o da prestação do trabalho, deveria ser considerada sem efeito, pelo que o mesmo deveria continuar a aparecer no seu local de trabalho até novas instruções (ver fls. 73).
I-) A aludida carta, cujo teor aqui se dá por integralmente...
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