Acórdão nº 1301/12.0PBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelAUGUSTO LOUREN
Data da Resolução08 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1301/12.0PBMTS.P1 Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO No âmbito do processo nº 1301/12.0PBMTS, que corre termos no 3º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos, foi pelo Ministério Público deduzida acusação em processo sumaríssimo contra, B… ao qual foi imputada a prática do crime de jogo ilícito p. e p. pelo artº 1º, 3º e 108º do D. L. 422/89, na redacção introduzida pelo D. L. 10/95, nos seguintes termos: - «Nos termos dos artº 392º e 394º do cód. procº penal, o Mº Pº requer o julgamento em processo sumaríssimo de: - B…, divorciado, comerciante, filho de C… e de D…, nascido a 3/5/1970, em Matosinhos e residente na …, …., .º, dtº, ….

No dia 1 de Setembro de 2012, pelas 3h30m, elementos da P.S.P., no exercício das suas funções, dirigiram-se ao estabelecimento de restauração “E…”, sito na …, em Matosinhos, nesta comarca, à frente do qual se encontrava o arguido que é proprietário e responsável pelo mesmo.

Verificou-se que no interior do estabelecimento se encontrava instalada uma máquina electrónica de jogo, com as características apontadas no exame de fls. 43 e seg., desenvolvendo com o utilizador jogos cujo funcionamento se encontra ali descrito e que aqui se dá por reproduzido.

A máquina estava destinada ao uso do público em geral que se deslocasse ao estabelecimento para a respectiva prática, revertendo os lucros a favor do arguido.

A referida máquina desenvolve jogos com o utilizador em que o resultado assenta exclusivamente na sorte, cujo exercício não é permitido naquele estabelecimento, sendo que esses jogos apenas podem ser exercidos em estabelecimentos previamente autorizados por Lei, designadamente, os casinos, ou locais integrados em zonas de jogo.

O arguido agiu com intenção de obter vantagem patrimonial ilegítima, como obteve, através da exploração de jogo de fortuna e azar, cuja exploração lhe estava vedada por disposição legal expressa.

Com esta actuação consciente e voluntária cometeu o arguido um crime p. e p. pelos artº 1º, 3º, al. g), 4º, nº 1 e 108º do D. L. 422/89, na redacção dada pelo D. L. 10/95.

*Prova: documentos dos autos.

Testemunhas: 1- F…, ido a fls. 3; 2- G…, ido a fls. 3.

*Remetido o processo a Juízo para recebimento da acusação, foi pela srª Juíza proferido o seguinte despacho: - «Autue como processo especial sumaríssimo (art. 392º do cód. procº penal).

O tribunal é competente.

Não há questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa (arts. 395º e 311º do cód. procº penal).

*Deduziu o Mº Pº acusação, em processo especial, sumaríssimo, contra o arguido B…, com base na factualidade descrita na douta acusação de fls. 59 a 61 e assim propondo a aplicação da pena ali descrita.

Dispõe o art. 395º nº 1 al. b) do cód. procº penal que “o juiz rejeita o requerimento e reenvia o processo para outra forma processual que lhe caiba: (…) quando o requerimento for manifestamente infundado, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 311º”.

Por sua vez, estatui o nº 3 al. d) do citado art. 311º que “para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: (…) se os factos não constituírem crime”.

De acordo com a acusação pública, ao arguido é imputada a exploração, nas circunstâncias de tempo e lugar nelas descritas, no estabelecimento de restauração de que era responsável, de uma máquina de jogo, com o funcionamento descrito no exame pericial de fls. 34 e 35, dado por reproduzido na acusação, e que é o seguinte: - “Móvel tipo portátil, com estrutura em metal, tendo na zona frontal um painel em vido acrílico, sem qualquer designação, no lado direito encontra-se o mecanismo de introdução e recuperação de moedas.

Na parte frontal, um painel em vido acrílico, onde se situa um mostrador circular dividido em oito pontos, os quais, observados no sentido dos ponteiros do relógio, têm os seguintes números: 10, 1, 2, 5, 20, 100, 200, 50. No final do enfiamento de cada número situa-se um orifício, que se ilumina à passagem de um sinal luminoso que gora, quando a máquina desenvolve uma jogada. É de referir ainda que o mostrador circular se encontra divido em pontos luminosos equidistantes, sendo que, apenas oito estão identificados conforme descrição acima, e os restantes não têm qualquer identificação.

Após a introdução de uma moeda, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre os vários orifícios existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem. O ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de quatro ou cinco voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios mencionados.

Neste ponto, uma de duas situações pode acontecer: o orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 e que são registados no display central. O ponto luminoso fica imobilizado num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pintos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas (…).

Se o jogador obtiver jogadas premiadas e optar por apostar os pontos ganhos, existe, para essa função, um botão no painel lateral direito. Pressionado esse mesmo botão o jogador aposta um ponto, decrementando um ponto no mostrador existente no centro da roleta, e tem direito a duas jogadas. No painel traseiro da máquina, existe um botão. Pressionando esse mesmo botão, os créditos, existentes na janela que se encontra no centro do mostrador circular, onde são registados os créditos ganhos nas várias jogadas, são apagados”.

Entendemos, contudo, que os factos vertidos na acusação pública não constituem o arguido na prática do crime pelo qual vem acusado mas somente a contra-ordenação p. e p. nos termos conjugados do art. 163º nº 1 e art. 161º nº 1 do DL 422/89 de 02.12.

Vejamos as razões de tal entendimento, e que se prende, essencialmente, com a jurisprudência que tem vindo a ser firmada na sequência do AUJ nº 4/2010, Publicado no Diário da República nº 46, 1ª Série, de 8 de Março de 2010, e de que são exemplo o Ac. da Relação de Coimbra de 02.02.2011 (P.21/08.5FDCBR.C2) e mais recentemente, o Ac. da Relação do Porto de 11.12.2013 (P. 626/11.7GDGDM.P1), que aqui seguimos de perto, entendimento esse que, face à respectivo acerto e validade, decidimos passar a perfilhar.

Ora, os termos do disposto no art. 108º nº 1 do DL 422/89 de 02.12 (Lei do Jogo), comete o crime de exploração ilícita de jogo “quem, por qualquer forma, fizer exploração ilícita de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados (…)”.

Por seu lado, a noção legal de jogos de fortuna ou azar encontra respaldo no art. 1º do mesmo diploma e segundo o qual são “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.

O art. 4º nº 1, alíneas a) a g), da Lei do Jogo avança, num esforço concretizador, com uma enumeração exemplificativa dos jogos de fortuna ou azar cuja exploração, dada tal natureza, só pode ter lugar nos locais autorizados (casinos).

Para o que interessa ao caso vertente, consideram-se jogos de fortuna ou azar os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas (alínea f) e os jogos que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte (alínea g).

O tipo incriminador que ora nos ocupa pretende acautelar a integridade e reforçar o próprio sistema de autorização regulamentada de exploração de jogos e do monopólio do Estado no desempenho de tal controlo com o objectivo, e de forma mediata, de garantir que tais manifestações lúdicas têm lugar de maneira disciplinada, em ambiente controlado, e de forma a prevenir fenómenos perniciosos geralmente associados ao jogo como a marginalidade, crime organizado, comportamentos compulsivos dos jogadores e decorrente desagregação familiar. Mas a razão que justifica a intervenção do legislador penal na regulamentação do jogo, considerando a sua natureza de ultima ratio de intervenção do Estado “não se encontra tanto na necessidade de proteger o jogador contra as inclinações, gostos ou vícios que lhe podem ser prejudiciais” mas sim “na necessidade de reprimir a prática de uma actividade que constitui objecto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhes associados – por exemplo, burlas, usuras, fraudes, litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado”[1], tutelando-se assim e sobretudo, os interesses de terceiros, comunitariamente relevantes.

Para além da noção de “jogos de fortuna ou azar”, cuja exploração fora dos locais legalmente autorizados para tanto configura, como vimos, um ilícito criminal, a Lei do Jogo, no seu art. 159º nº 1, prevê igualmente a noção de “modalidades afins de jogos de fortuna ou azar” e nos termos do qual tais modalidades correspondem a “operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”, sendo abrangidas por tal noção, a título exemplificativo, as “rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos” (nº 2 do mesmo preceito).

A correcta delimitação de cada uma das modalidades de jogo (e consequentemente, a sua diferenciação) assume, nesta sede, importante relevo, não só por imperativos garantísticos a que a definição do tipo objectivo dá resposta, mas também porque as consequências da sua exploração de forma não regulamentada conduz a consequências...

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