Acórdão nº 63/10.0IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução08 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

P.63/10.0IDPRT.P1 Acordam, em conferência, os juízes na secção criminal [1ª] do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No processo comum [com intervenção do tribunal singular] n.º63/10.01IDPRT.P1 do 1ºJuízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila do Conde, por sentença proferida em 24/4/2013 e depositada na mesma data, foi decidido: - condenar o arguido B… pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada na forma continuada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. c), e 104.º, n.º 2, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), a uma pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz um total de €1.680,00 (mil, seiscentos e oitenta euros).

- condenar a arguida C…, S.A. pela prática de um crime de fraude fiscal, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada na forma continuada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. c), e 104.º, e 2, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, a uma pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €15,00 (quinze euros), o que perfaz um total de €5.400,00 (cinco mil e quatrocentos euros).

Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1.

Produzida prova em sede de audiência de discussão e julgamento e dada por assente a matéria de facto constante da sentença recorrida, foi considerado pelo Tribunal recorrido que os factos se subsumiam ao ilícito pelo qual o arguido e a sociedade vinham submetidos a julgamento, mas p. e p. nos arts. 103º, nº 1, al. c) e 104º, nº 2, al. b) do RGIT; 2.

Assim, quanto ao arguido, o Tribunal a quo, à luz da matéria de facto dado por assente e face ao enquadramento jurídico que fez, não podia ter optado por pena não privativa da liberdade, violando os comandos legais supra mencionados; 3.

Destrate, o art. 104º supra reproduzida sanciona as pessoas singulares que praticam o crime de fraude qualificada com prisão de um a cinco anos; 4.

Ou seja, o Tribunal tinha forçosamente que optar por pena privativa da liberdade; 5.

Todavia, as circunstâncias de vida do arguido e o circunstancialismo próprio ao caso, permitem a formação de um juízo de prognose favorável quanto ao seu futuro comportamento em sociedade; 6.

Por isso, entendemos que poderá haver lugar à suspensão da pena de prisão que venha a ser aplicada, tendo em conta a moldura do ilícito em análise; 7.

Contudo, haverá que atentar ao artigo 14º do RGIT que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento dos montantes dos benefícios indevidamente obtidos; 8.

No tocante ao ente colectivo, também se constata que, pese embora o digno Tribunal recorrido tivesse enquadrado a factualidade dada por assente no ilícito tipificado no art. 104º do RGIT (fraude qualificada), atendeu à moldura penal prevista para o crime previsto no art. 103º (fraude); 9.

Ou seja, o digno Tribunal, certamente devido ao uso de meios informáticos também não atentou à moldura penal prevista no art. 104º quando decidiu sancionar a sociedade arguida com a pena de 360 dias de multa; 10.

Porquanto, os factos previstos no artigo 104º são puníveis com … multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas e não multa até 360 dias, como é referenciado na decisão recorrida; 11.

Pelo que, necessariamente, atendendo ao período temporal de duração dos factos e montante da vantagem patrimonial ilegitimamente obtida, a pena de multa a aplicar ao ente colectivo deverá ser aplicada em dias superiores a 360; 12.

Por tudo exposto, entendemos que o Tribunal recorrido violou os arts. 40º e 70º do Código Penal e 104º do RGIT.

O arguido B… respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.647 e 648].

A arguida C…, SA não apresentou resposta.

Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º n.º1 do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que se pronunciou pela procedência do recurso [fls.658 a 660].

Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos e respectiva fundamentação: «2.1 – dos factos Após instrução e julgamento da causa, resultaram provados os seguintes factos:(da acusação pública)1.

A sociedade arguida, C…, SA, então com sede na Rua …, …, ….-… Vila do Conde, e denominada D…, SA, é sujeito passivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado, enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, tributado em IRC no Serviço de Finanças de Vila do Conde, pelo exercício da actividade de Comércio de Veículos Automóveis, - CAE …...

  1. Designadamente no período dos anos compreendidos entre 2006 a 2008, inclusive, a sociedade arguida era gerida de direito e de facto pelo administrador único, B…, dirigindo os destinos da sociedade, dava as ordens sobre a sua actividade e decidia sobre a gestão das receitas e despesas geradas, efectuando compras e contratos, decidindo, além do mais sobre o pagamento das prestações tributárias.

  2. No aludido período, compreendendo cerca de três anos de actividade, a sociedade arguida contabilizou a aquisição, no mercado comunitário, de 51 veículos, legalizados em seu nome, nos montantes totais de (IVA comunitário incluído): a.

    16 Veículos em 2006 - 637.429,95 Euro; b.

    20 Veículos em 2007 - 638.230,76 Euro; e c.

    15 Veículos em 2008 - 473.025,84 Euros.

  3. As aquisições destes veículos, dado tratar-se de aquisições intracomunitárias de bens (AICB´s), constituem operações tributadas em Portugal.

  4. Nas vendas efectuadas, no que concerne aos veículos usados, as facturas foram emitidas pelo preço de venda final, com a indicação da liquidação do IVA pelo regime da margem.

  5. Não obstante, verificou-se que a sociedade arguida, e de acordo com ordens e execução a cargo do arguido administrador da mesma, houve lugar a liquidação indevida do IVA pelo regime da margem, dado que em certas situações, atinentes às transacções de alguns daqueles veículos, não se encontravam reunidos os pressupostos para utilização do referido regime.

  6. A D…, assim designada à data, e correspondente, actualmente, à sociedade C…, liquidou o IVA pelo regime da margem nas vendas de veículos usados adquiridos a sujeitos passivos revendedores de outro Estado Membro, cujas transmissões por estes sujeitos passivos não foram efectuadas ao abrigo de regulamentação idêntica à do DL 199/96, co-respectiva e vigente no respectivo Estado Membro de aquisição de bem usado.

  7. As transmissões dos veículos no Estado Membro de origem foram efectuadas pelo regime normal de imposto, não podendo ter sido, como foram, sujeitas e declaradas para efeitos da liquidação do imposto pelo regime da margem.

  8. Nestes casos a sociedade arguida deveria ter considerado o valor tributável para a tributação em IVA pelo regime normal correspondente ao valor da venda do veículo deduzido do IVA liquidado pela sociedade arguida pelo regime da margem.

  9. Foi assim contabilizada a comercialização dos seguintes veículos: (2006) a.

    ..-BI-..

    b.

    ..-BR-..

    c.

    ..-BR-..

    d.

    ..-CE-..

    e.

    ..-CD-..

    f.

    ..-BU-..

    (2007) g.

    ..-DA-..

    h.

    ..-DA-..

    i.

    ..-DA-..

    j.

    ..-DC-..

    k.

    SAL… ….

    l.

    ..-DG-..

    m.

    ..-DG-..

    n.

    ..-DI-..

    o.

    ..-DR-..

    p.

    ..-DR-..

    q.

    ..-DG-..

    r.

    ..-DX-..

    s.

    ..-EE-..

    t.

    ..-DV-..

    u.

    ..-ES-..

    v.

    ..-FA-..

    (2008) w.

    ..-FN-..

    x.

    ..-FS-..

    y.

    ..-FQ-..

    z.

    ..-GL-..

    aa.

    ..-GQ-..

  10. Assim, a sociedade arguida procedeu à aplicação de regime diverso do legalmente admissível, liquidando IVA calculado com base na “margem” (comercial), id est, o valor de venda deduzido do custo de aquisição, onde se incluiu o IVA comunitário suportado, com excepção para os veículos com as matrículas ..-FN-.., ..-FQ-.. e ..-FS-.., – uma vez que a liquidação pelo regime da margem efectuada pelo contribuinte enfermou somente em erro ao deduzir o IA/ISV no apuramento da margem para tributação.

  11. Em conformidade, face ao regime aplicado pela sociedade arguida, esta deixou de liquidar IVA, nos seguintes valores: a.

    Ano de 2006 – 32.413,50 Euros; b.

    Ano de 2007 – 93.781,02 Euros; c.

    Ano de 2008 – 23.455,19 Euros, valores esses em que ficou lesada a Fazenda Nacional.

  12. A sociedade arguida contabilizou os montantes de IVA comunitário como custo, integrado nos preços de aquisição dos veículos, sendo que, os sujeitos passivos de IVA estabelecidos em território português têm direito ao reembolso do IVA suportado em operações efectuadas noutros Estados Membros da União Europeia.

  13. Não obstante, a sociedade arguida não exerceu o direito à restituição do IVA liquidado pelos fornecedores comunitários, pelo que, sempre que não seja exercido esse direito, o montante do IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito de indispensabilidade exigido pelo n.° 1 do artigo 23.° do respectivo Código.

  14. Deste modo, e como bem sabia e queria a arguida, a matéria colectável do IRC declarada por esta para os anos 2006, 2007 e 2008 foi influenciada negativamente nos montantes correspondentes ao IVA comunitário contabilizado como custo, nos montantes, a saber: a.

    Exercício de 2006 – 21.289,67 Euros; b.

    Exercício de 2007 – 67.860,32 Euros; c.

    Exercício de 2008 – 14.912,61 Euros.

  15. Entretanto, para além das correcções efectuadas pela liquidação indevida do IVA pelo regime da margem, pela análise da contabilidade da D…, uma quantidade de veículos comercializados pela empresa, ou com intervenção desta, foram veículos importados e legalizados na Alfândega em nome de particulares.

  16. Foram importados veículos automóveis em nome de particulares, com o consentimento destes, por iniciativa do arguido B… e em benefício da sociedade arguida, que aparentemente cobraria a esses particulares um valor pela sua intervenção nessa importação...

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