Acórdão nº 194/13.5PDVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução08 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 194/13.5PDVNG.P1 Vila Nova de Gaia Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

(2ª secção criminal) I. RELATÓRIO No processo comum singular nº 194/13.5PDVNG, do 2º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi submetido a julgamento o arguido B…, com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 30 de abril de 2014 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, o Tribunal julga procedente, por provada, a acusação, em função do que: Condena o arguido, B…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Código Penal, na pessoa do ofendido C…, na pena de 6 (seis) meses de prisão, que, ao abrigo do disposto no art. 58º do Código Penal, substitui por 180 (cento e oitenta) horas de trabalho gratuito a favor de instituição e em tarefa a definir pela Direcção-Geral de Reinserção Social, a executar diariamente e em horário a determinar.

*Condena o arguido nas custas do processo, fixando-se em 3 UCs a Taxa de Justiça e nos demais encargos a que a sua actividade deu causa (arts. 3º, nº 1, 8º, nº 5 do RCP, 513º e 514º do CPP).

*Cumpra o disposto pelo art. 496º do Código de Processo Penal, solicitando à DGRS a elaboração do plano de execução da pena imposta, no prazo de 30 dias.

*Remeta Boletins ao Registo Criminal.

*Lida vai a presente sentença ser depositada na secretaria deste tribunal (arts. 372º, nº 5 e 373º, nº 2 do CPP).”*Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões: “I. Na factualidade sub iudice, a Meritíssima Juiz a quo procedeu a uma apreciação e valoração incorrecta dos factos trazidos a julgamento e da prova produzida, na medida em que valorou depoimentos indirectos e, por isso, sem qualquer valor probatório.

  1. A Meritíssima juiz a quo considerou provados os factos constantes dos pontos 1, 3, 4 e 5 da matéria de facto, arrimando-se, nas declarações das duas únicas testemunhas arroladas D… e E…, uma vez que o arguido não pretendeu prestar declarações usando da faculdade que lhe é conferida pelo art. 343º n.º 1 do CPP.

  2. Quanto à prova produzida, mais concretamente quanto ao depoimento da testemunha D… o mesmo não deveria ter merecido qualquer credibilidade pelo Tribunal pois não se mostrou isento e parcial devido à animosidade existente entre aquela e o arguido.

  3. No entanto, da leitura da motivação da decisão de facto resulta cristalinamente que a Meritíssima Juiz a quo considerou as declarações da referida testemunha "foram muito importantes para o esclarecimento do tribunal".

  4. Do depoimento referido pode depreender-se que o arguido não era único naquele local a ser portador de um objecto contundente capaz de poder provocar os ferimentos sofridos pelo ofendido.

  5. O depoimento da D…, apesar de confuso em alguns aspectos muito devido ao tempo decorrido e até à própria desordem instalada no local, e ainda que não completamente isento e imparcial conforme já foi referido, é claro no cerne fundamental da questão: aquela não viu a agressão a que o ofendido afirma ter sido sujeito por parte do arguido.

  6. Resulta do seu depoimento que quer o arguido quer o ofendido se dirigiram para trás de um carro o que impossibilita por si só a visão que a mesma poderia ter tido sobre a agressão.

  7. Acresce que após o incidente, o ofendido não disse imediatamente à testemunha D… que tinha sido agredido pelo B…, aqui arguido, mas apenas quando chegaram ao café e chamaram a polícia.

  8. No momento posterior à agressão a testemunha é peremptória ao afirmar que viu efectivamente a lesão na cabeça do ofendido mas para além de não a ter presenciado, não sabe dizer com certeza que o aqui arguido se encontrava efectivamente na posse da chave de rodas nem poderia dizer pois dadas as circunstâncias, o número previsível de pessoas presentes no local (uma vez que se encontrava a decorrer uma festa de aniversário), qualquer uma delas poderia ter alcançado a referida chave de rodas e desferir a pancada na cabeça no ofendido X. O depoimento da testemunha E… corrobora que o arguido não era único naquele local a ser portador de um objecto capaz de poder provocar os ferimentos sofridos pelo ofendido - mas, pelo contrário, também o F… trouxe para o local um ferro.

  9. O depoimento do E… é preciso e incontestável: aquele não viu a agressão a que o ofendido afirma ter sido sujeito por parte do arguido.

  10. Não viu a agressão pois estava de certa forma alheio aos acontecimentos uma vez que o mesmo estava a conversar com o pai do arguido que chegou ao local e tentou apaziguar os ânimos que já se encontravam exaltados, tendo-se apenas apercebido da agressão quando o ofendido chegou ao pé de si.

  11. Ademais, a testemunha E… deixa bem claro que a relação entre o ofendido e o arguido estava minada por problemas anteriores àquela data pelo que o ofendido tinha todo o interesse em "incriminar" o aqui arguido, não podendo, por isso relevar as supostas declarações do ofendido, feitas às testemunhas, quanto ao autor da agressão.

  12. As declarações de ambas as testemunhas, e no que à agressão diz respeito, mostram-se permeadas por afirmações referentes a factos dos quais não tiveram conhecimento directo e pessoal, mas, pelo contrário, ao que ouviram dizer do ofendido, que não prestou quaisquer declarações.

  13. E foi com base nas incongruências do seu discurso e dos factos que relataram, que a Meritíssima Juiz a quo formou a sua convicção, arreigando-se a estas e procurando coaduná-las com a restante matéria probatória, todavia sem êxito.

  14. Em toda esta querela, quer a testemunha D… quer a testemunha E… transmitiram todo o circunstancialismo vivido naquela noite e sobre o qual tiveram conhecimento directo ainda que, quanto à agressão propriamente dita tal já não se tivesse verificado, e, nessa condição, relataram em Tribunal.

  15. Tudo que ouviram dizer acerca da agressão e que constitui o cerne deste processo, foi-lhes comunicado pelo ofendido.

  16. Não se compreende, pois, como pôde a Meritíssima Juiz a quo valorar tão pesadamente dois depoimentos manchados pela antinomia, baseados em factos de que as testemunhas não tiveram conhecimento directo, sendo na verdade provenientes do que estes alegadamente ouviram dizer do ofendido, parte interessada em toda esta querela.

  17. Perante isto, torna-se perspícuo que a Meritíssima Juiz a quo incorreu, data venia, em clamoroso erro de julgamento da matéria de facto nos concretos pontos de facto delineados supra, sem mais considerandos, por desnecessários.

  18. Ora, tendo em consideração tal circunstancialismo, o depoimento das referidas testemunhas na parte em que ouviram do ofendido que o aqui arguido era o autor da agressão não pode nem deve ser valorado porquanto consubstancia depoimento indirecto.

  19. A livre convicção do julgador não pode confundir-se coma íntima convicção do julgador impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliando as provas com sentido de responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e das regras da experiência.

  20. Ora, utilizando tais depoimentos para alicerçar e credibilizar a fundamentação da condenação do arguido, a Meritíssima Juiz a quo violou o Princípio do Contraditório bem como o n.º 1 e 3 do art. 129. do CPC.

  21. No caso concreto, tal pessoa é o próprio ofendido que não foi ouvido em sede de audiência de julgamento agendada para o dia 22.04.2014, apesar de devidamente notificado para tal nem as suas declarações foram lidas em julgamento.

  22. Importa ainda atentar que o depoimento indirecto é susceptível de ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível "(...) por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas", como dispõe a parte final do art. 129.º n.º1 CPC (sublinhado nosso).

  23. O Tribunal não desenvolveu todos os esforços para conseguir encontrar o ofendido e, mais do que isso, para o fazer comparecer, tendo apenas procedido à sua notificação para audiência na morada que constava nos autos uma vez, emitindo depois o mandado para a mesma morada.

  24. O Tribunal não chamou, por isso, repetidamente, o ofendido e não tentou por todos os meios obter a presença daquele na audiência.

  25. Assim, por tudo o supra exposto não se verifica o pressuposto previsto na parte final do nº 1 do art 129º CPC do qual depende a valoração do depoimento indirecto, pelo que, os depoimentos da D… e E… na concreta parte em que os mesmos afirmam ter ouvido dizer o ofendido que o aqui arguido era o autor da agressão não pode nem deve ser valorado.

  26. Ademais, a condenação do arguido exige uma prova acusatória de inabalável consistência.

  27. Atento o supra exposto, julga-se demonstrado que o que serviu de base à condenação do arguido não tem essa consistência, bem pelo contrário: é cheia de dúvidas, contradições e imprecisões sendo ainda incompatível com as regras da experiência comum.

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