Acórdão nº 157/13.0GABTC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução08 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 157/13.0 GABTC.P1 Recurso penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 157/13.0 GABTC, corre termos pelo Tribunal Judicial de Boticas (entretanto extinto), B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, pelo tribunal colectivo, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de incêndio florestal previsto e punível pelo artigo 274.º, n.º 1, do Código Penal.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido o acórdão datado de 04.04.2014 (fls. 134 e segs.) e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo: “Julgam a acusação procedente, por provada, e, consequentemente condenam o arguido B…, pela prática de um crime de incêndio florestal, na forma dolosa, da previsão do art. 274º, nº 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efetiva”.

Inconformado, pugnando pela sua absolvição ou, quando menos, pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada, veio o arguido interpor recurso do acórdão condenatório para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes “conclusões”: “I.

O recorrente impugna a decisão proferida quanto à matéria de Facto e de Direito.

II.

Nos presentes autos o arguido estava acusado da prática de um crime de incêndio florestal previsto e punido pelo artigo 274.º n.º 1 do Código Penal, sendo que a acusação foi julgada procedente por provada e o arguido condenado como autor de um crime de incêndio florestal, na forma dolosa, da previsão do artigo 274.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.

III.

Com efeito, o Tribunal a quo deu como provados, entre outros, os seguintes factos: (transcreve o essencial dos factos considerados provados) IV.

Atenta à prova produzida jamais estes factos poderiam ser dados como provados.

V.

O tribunal apoia a sua convicção, nas declarações das testemunhas C… e D… que, conforme refere “…colocam” o arguido no local onde foi ateado o fogo, e precisamente à hora em que o mesmo deflagrou….”, mas esquece declarações importantes das testemunhas.

VI.

As testemunhas são unânimes em reconhecer que não podem afirmar que foi o arguido que ateou o fogo.

VII.

Resulta claro ainda que, nenhuma das testemunhas arroladas presenciou os factos de ateamento do incêndio.

VIII.

Aliás, ambas se aperceberam do incêndio a larga distância do mesmo ou apenas após terem sido alertados por terceiros.

IX.

O arguido optou por se remeter ao silêncio e não prestar quaisquer declarações, facto que não o pode prejudicar.

X.

Não resulta da prova produzida matéria suficiente para que se possa concluir que foi o arguido que ateou o fogo em causa e assim praticou o crime de que vem acusado, pelo que deve este ser absolvido do mesmo.

XI.

Não obstante, e admitindo-se, por mera hipótese, que o arguido praticou o crime de incêndio florestal de que vem acusado, o tribunal a quo, na determinação da natureza e na medida da sanção a aplicar deveria ter tido em conta o artigo 71.º do Código Penal segundo o qual a determinação da pena deve fazer-se dentro dos limites legalmente estabelecidos em função da culpa e das exigências de prevenção.

XII.

O legislador penal atribui à pena um conteúdo de reprovação ética, dando tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime limita de forma inultrapassável a medida da pena.

XIII.

Face ao disposto no nosso ordenamento jurídico, o modelo da determinação da pena mais adequada é aquele que comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena.

XIV.

O quantum da pena depende da necessidade de prevenção que o agente e a gravidade do crime exigem.

XV.

E, tal como se disse para a culpa, no nosso ordenamento a prevenção geral deve fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela de bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de delegar do ordenamento juridico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “ moldura de prevenção” que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente. (cfr. Ac. STJ de 9/11/96, BMJ, n.º 411, pág 145).

XVI.

Em suma diremos que, o crime e a sua punição são sempre fenómenos sociológicos e antropológicos, sendo a preocupação de prevenir crimes a ideia primordial, donde ganha especial importância a compreensão por parte do agente da pena que lhe foi imposta.

XVII.

Estamos de acordo que a conduta do arguido, a provarem-se os factos contantes da acusação, pela sua gravidade não possa ficar impune, mas sempre se dirá que a pena é sempre um castigo, mas o castigo não é só a prisão.

XVIII.

A privação da liberdade já por si só é uma punição pelo que, não é a solução mais justa e mais conforme ao espírito do legislador, que fez uma clara aposta nas medidas não detentivas da liberdade, desde que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XIX.

Perante a idade do arguido, ora recorrente, não será benéfico “construir” o seu futuro dentro de uma prisão, deformando o carácter e personalidade que possui.

XX.

O tribunal a quo foi excessivo ao condenar o arguido na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.

XXI.

Sendo que, a manter-se a decisão condenatória deverá a pena de prisão aplicada ser suspensa na sua execução, tudo conforme disposto nos artigos 50.º e ss do C. Penal”.

*Admitido o recurso, o Ministério Público na primeira instância apresentou resposta à respectiva motivação, defendendo a sua improcedência e, consequentemente, a confirmação da sentença impugnada.

*Nesta instância, na intervenção a que alude o art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de que a prova foi correctamente apreciada e valorada, pelo que não ocorre erro de julgamento em matéria de facto, e que a pena de prisão (efectiva) é imposta pelas “ingentes necessidades de ordem preventiva” (geral e especial).

*Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II – Fundamentação É, geralmente, aceite que são as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso.

O recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto, invocando o erro de julgamento, pois, em seu entender, “não resulta da prova produzida matéria suficiente para que se possa concluir que foi o arguido que ateou o fogo em causa e assim praticou o crime de que vem acusado” (conclusão X).

Em matéria de direito, não questionando o enquadramento jurídico-penal dos factos provados nem a medida da pena, pugna pela suspensão da execução da pena de prisão.

Embora teça várias considerações sobre a determinação da pena (cfr. conclusões XI a XV) não parece que o recorrente pretenda pôr em causa a medida da pena de prisão que lhe foi cominada. Pretende, isso sim, que se reconheça que está verificado o condicionalismo da suspensão da execução da pena.

São, pois, duas as questões a decidir: ● se o tribunal apreciou e valorou incorrectamente a prova produzida e, por conseguinte, cometeu um erro de julgamento em matéria de facto; ● se é de suspender a execução da pena de prisão.

*Identificadas as questões a apreciar e decidir, e assim delimitado o objecto do recurso, é fundamental conhecer a decisão em matéria de facto, na qual assenta a condenação proferida, e a respectiva motivação.

Factos provados 1. No dia 1 de Setembro de 2013, o arguido B… deslocou-se da sua habitação, sita na localidade de …, Montalegre, para um café, sito na localidade de …, concelho e comarca de Boticas, onde permaneceu durante toda a tarde, aí tendo consumido bebidas alcoólicas.

  1. Cerca das 18:30 horas desse mesmo dia, o arguido B… encetou o caminho de regresso à sua residência, utilizando caminhos rurais entre a freguesia de …, Boticas, e a freguesia de …, Montalegre.

  2. Porém, cerca das 19:30 horas, quando circulava por um caminho de terra batida, no local de …, na freguesia de …, concelho de Boticas, ateou fogo a ervas secas que se encontravam na berma do caminho, do lado direito, atento o sentido em que seguia.

  3. Em consequência do fogo ateado pelo arguido, este alastrou-se aos terrenos circundantes, propriedade de E…, F… e baldios, tendo consumido e destruindo cerca de 2 (dois) hectares de terreno onde existiam pinheiros bravos, carvalhos e vegetação rasteira (giestas e carqueja) e causando estragos de valor não concretamente apurado.

  4. Tal incêndio só não logrou atingir maiores proporções devido à pronta intervenção da corporação local dos Bombeiros. E não obstante tal intervenção, ocorreram reacendimentos de focos de fogo nos terrenos atingidos nos dias 2/09/2013 e 3/09/2013, tendo sido consumidos pelo fogo e destruídos mais 0,510 hectares de terreno compostos por vegetação rasteira e pinheiros.

  5. O arguido B… agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de atear fogo e, em consequência, queimar e destruir as árvores e vegetação existentes naquele local, na freguesia de …, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade e em prejuízo dos seus proprietários.

  6. Sabia que as ervas a que ateou fogo, por se encontrarem secas, num local com inclinação e rodeadas de outra vegetação também seca, eram um material altamente inflamável e que facilitavam a propagação das chamas, como ocorreu, facto que representou e quis, bem sabendo também das consequências da sua conduta.

  7. Apesar de ter...

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