Acórdão nº 4720/13.1TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOLORES SILVA E SOUSA
Data da Resolução01 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. Penal 4720/13.1TDPRT.P1 Porto Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

  1. Secção criminal.

    I-Relatório.

    No Processo Comum Singular n.º 4720/13.1TDPRT do 1º juízo criminal dos juízos criminais do Porto foram submetidos a julgamento os arguidos B… e C…, melhor identificados na sentença de fls. 216 e segs.

    A sentença de 07 de Março de 2014 (por lapso manifesto consta “de 2013”), depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decido: Condenar B… pela prática, em co-autoria material, de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art. 365º, nºs 1 e 2, do C.P., na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €7,00.

    Condenar C… pela prática, em co-autoria material, de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art. 365º, nºs 1 e 2, do C.P., na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €7,00.

    Condenar cada um dos arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se, para cada um, a taxa de justiça em 3 UC.

    Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido por D… e, em consequência condenar os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de €4.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a que acrescem os pertinentes juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização cível - 10.11.2013 -, e sem prejuízo de eventuais alterações à referida taxa, até integral e efectivo pagamento.

    Custas do pedido de indemnização civil a cargo dos demandados.

    Notifique.»*Inconformados com a decisão, os arguidos interpuseram recurso, com motivação comum que apresentaram de fls. 690 a 697 e que rematam com as seguintes conclusões: «1ª. A sentença em recurso julgou erradamente os pontos números 5, 6, 8 e 12 da matéria de facto dada como provada, bem como os pontos das alíneas a), b) e c) do factos não provados.

  2. Os documentos juntos pelos arguidos com a sua contestação impõem decisão diversa da recorrida, devendo considerar-se não provados os referidos pontos de facto dados na sentença como provados, e como provados os pontos das alíneas referidas da matéria de facto não provada.

  3. O facto de o ofendido ter sido mandatário da E… no primeiro processo de insolvência desta, que correu termos no mesmo juízo e tribunal que o segundo processo, levou os arguidos a incorrer em erro de indicação do nº de processo referido na denúncia que fizeram à Ordem dos Advogados.

  4. Não obstante esse erro de identificação do processo em causa, o certo é que efetivamente o ofendido havia sido constituído advogado da sociedade E…, e que patrocinou esta sociedade, como foi imputado pelos arguidos.

  5. Os arguidos atuaram convencidos da veracidade das imputações que fizeram ao ofendido, sem dolo direto ou necessário.

  6. Ao condenar os recorrentes, a sentença em recurso fez errada interpretação do disposto no artigo 365º nºs 1 e 2 do Código Penal, pois esta norma impunha e impõe a absolvição dos arguidos.

  7. Mesmo que se entendesse que os arguidos cometeram o crime porque foram acusados - no que se concede apenas por dever de patrocínio – as penas que lhes foram aplicadas são injustas por exageradas e desproporcionadas.

  8. Ainda sem prescindir, o montante indemnizatório fixado nos autos é exagerado e desproporcionado aos factos, atentas as circunstâncias em que estes ocorreram.

    Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida, e os recorrentes absolvidos, quer na parte criminal quer na cível.»*O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 245.

    *O Digno Magistrado do MP, junto do tribunal a quo, ofereceu a sua resposta conforme a fls. 249 a 260 dos autos, pugnando fundamentadamente pela negação de provimento ao recurso.

    *Nesta Relação, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto Público emitiu douto parecer, no sentido da negação de provimento ao recurso.

    Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

    Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    *II- Fundamentação.

    Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

    1. -Questões a decidir.

      Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir: - Impugnação dos factos provados sob os pontos 5, 6, 8 e 12 dos factos provados e alíneas a), b) e c) dos factos não provados.

      Contradição insanável entre o facto “os arguidos sabiam que o ofendido não havia sido mandatário da E… (constante dos factos 5, 6 8 e 12) e “que o ofendido interveio como mandatário da E… no processo 144/10.0TBBRG (facto 10) - Qualificação jurídica dos factos.

      - Medida da pena.

      - Pedido de indemnização civil.

      *2. Factualidade Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação, tal como constam da sentença sob recurso.

      Factos provados.

      Discutida a causa na audiência de discussão e julgamento, ficou provada a seguinte factualidade, com interesse para a decisão: 1. Por carta, recepcionada no dia 02 de Maio de 2012, os arguidos dirigiram, ao Presidente do Conselho de Deontologia do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, uma missiva por ambos assinada, na qual imputavam ao ora ofendido, D…, o facto de, na sua qualidade de Advogado, ter patrocinado, no Processo de Insolvência 4577/10.4ATBBRG que correu termos no 1º Juízo de Braga, a sociedade "E…, Lda." aí requerida e, simultaneamente, ter patrocinado a sociedade credora "F…, Lda.", na acção em que esta, ao abrigo do disposto no art. 146º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, intentou, no âmbito do referido processo contra aquela.

      2. No Processo de Insolvência 4577/10.4ATBBRG supra referido, foi o ora arguido B… e outros quem requereu a insolvência da sociedade "E…, Lda." e, no seu âmbito, a 09.11.2010, foi o arguido C… nomeado presidente da comissão de credores.

      3. Na referida missiva, mais imputaram os ora arguidos ao ora ofendido o facto de ter igualmente patrocinado a "F…, Lda", no processo 826/11.0TYVNG, do 3 Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, onde esta veio, igualmente, a ser declarada insolvente, onde igualmente patrocinou credores daquela e mesmo a si, enquanto credor.

      4. Concluíram os arguidos, na referida missiva, ter o ora ofendido, com a conduta que lhe imputaram, infringido normas deontológicas, por se ter colocado numa situação de manifesto conflito de interesses.

      5. No entanto, quando subscreveram a missiva em causa dirigida à Ordem dos Advogados os arguidos sabiam perfeitamente que o ora ofendido não havia sido constituído mandatário da "E…, Lda.", pois que os mandatários desta eram os Advogados G… e H…, sendo que após a renúncia destes ao mandato não foi constituído qualquer outro mandatário.

      6. Mais sabiam os arguidos que o aqui ofendido apenas teve intervenção no processo 4577/10.4ATBBRG como mandatário da "F…, Lda" por esta ter, por apenso àquele processo, intentado acção de reivindicação relativamente a bens seus na posse da "E…, Lda." e que, no âmbito do processo 826/11.0TYVNG, do 3 Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia o mandato conferido ao ofendido foi ratificado por I..., administrador da insolvência da empresa "E…, Lda", por, para o efeito, ter passado a devida procuração, para naquela qualidade, o representar no âmbito do aludido processo 4577/10.4ATBBRG, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Braga.

      7. Ao dirigirem ao Presidente do Conselho de Deontologia do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados aquela missiva com o conteúdo ora referido, os arguidos agiram com a intenção, concretizada, de que contra o ora ofendido fosse instaurado processo disciplinar, bem sabendo que tudo quanto aí imputavam ao ora ofendido não correspondia à verdade.

      8. Com efeito, ambos os arguidos estavam cientes que os factos que denunciavam eram falsos, tendo subscrito tal missiva com o objectivo de afastar, por força do processo disciplinar que viesse a ser instaurado, o aqui ofendido, nomeadamente de demove-lo de comparecer nos leilões realizados com vista à venda dos bens da "E…, Lda." e de obstar a que o mesmo, naquela qualidade de mandatário, reivindicasse os bens da "F…, Lda".

      9. Em consequência directa e necessária da denúncia dos arguidos, foi instaurado o processo disciplinar n.º 713/2012 -P/D ao ora ofendido, o qual veio a ser arquivado por total ausência de prova dos factos denunciados e por a prova produzida refutar/infirmar os factos denunciados, tendo-se aí concluído por inexistência de infracção disciplinar.

      10. No âmbito do processo 144/10.0 TBPRG, do 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga em que J… requereu a insolvência da sociedade "E…, Lda." e onde os aqui arguidos figuravam como testemunhas, o aqui ofendido interveio na qualidade de mandatário da requerida.

      11. No âmbito do processo referido em 10), os administradores da sociedade "E…, Lda.", representados pelo aqui ofendido, como seu mandatário, intentaram embargos à sentença que decretou a insolvência da sociedade requerida, sendo que por sentença de 30.06.2010, foram os embargos julgados procedentes e consequentemente foi dada sem efeito a declaração de insolvência e foi determinado o arquivamento dos autos.

      12. Os factos referidos em 10) e 11) eram do conhecimento dos arguidos, bem sabendo estes que no âmbito do processo 4577/10.4ATBBRG que correu termos no 1° Juízo de Braga, e cujo requerimento inicial deu entrada a 09.07.2010, o aqui ofendido não interveio na qualidade de mandatário da requerida.

      13. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços, vontades e fins, bem sabendo a sua conduta proibida e punida...

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