Acórdão nº 682/10.5TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 682/10.5TVPRT.P1 – 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 192) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto) Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO Numa acção declarativa ordinária, pendente na ex-3ª Vara Cível da Comarca do Porto, em que é Autora B… e Ré a Companhia de Seguros C…, SA, esta, dizendo-se inconformada com despacho que, apesar de lhe deferir requerimento para realização de 2ª perícia a cometeu a perito único do INML, veio apelar, formulando as seguintes conclusões: “1. A ora recorrente não se conforma com o despacho de fls. …, o qual, deferindo realização de segunda perícia médico-legal requerida pela recorrente na pessoa da recorrida, indeferiu o pedido de que a mesma fosse efectuada em moldes colegiais e com intervenção de peritos indicados pelas partes.

  1. A perícia colegial requerida nos presentes autos, apesar de ser médica, não é de clínica médico-legal e forense; 3. Não se verifica, no caso dos autos, qualquer interesse de ordem pública (ou até de saúde pública, como é o caso das autópsias) que imponha a intervenção exclusiva do INML na realização do exame pericial pedido pelas partes num processo em que se discutem direitos disponíveis.

  2. Assim, a recorrente considera ser não ser aplicável ao exame solicitado o disposto na Lei 45/2004.

  3. O nº 3 do artigo 21º da Lei 45/2004 prevê a inaplicabilidade do nº 1 desse mesmo preceito “aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente”; 6. O artigo 468º n.º 1 alínea b) do CPC estabelece que “A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:..b) Quando alguma das partes, nos requerimentos previstos nos artigos 475.º e 476.º, n.º 1, requerer a realização de perícia colegial”, cabendo, nesse caso, ao tribunal indicar um perito e a cada uma das partes outro (cfr artigo 468º n.º 3 do mesmo diploma); 7. As citadas normas do Código de Processo Civil, constituem um dos “normativos legais” a que alude o n.º 3 do artigo 21º da Lei 45/2004 e que determinam disposição diferente ao princípio geral da intervenção nas perícias de apenas um só perito.

  4. Será, pois, no disposto no artigo 21º n.º 3 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, conjugado com as normas dos artigos 468º n.º 1 alínea b) e nº 2 do CPC, que se encontrará fundamento para a admissão da segunda perícia em moldes colegais, sendo um dos peritos indicados pelo tribunal (ou GML) e os dois restantes por cada uma das partes.

  5. A alínea b) do artigo 488º do CPC visa regular os moldes em que será realizada a segunda perícia quando a primeira tiver sido colegial, mas nada estabelece para as situações em que o primeiro exame tenha sido singular; 10. Tal norma visa impedir, tão só, que a segunda perícia seja realizada por um só perito se a primeira tiver sido colegial, assim atribuindo às partes, no segundo exame, as mesmas garantias de defesa de que gozou no primeiro; 11. Tal norma não impede – até porque nela não se prevê essa hipótese – que a segunda perícia seja colegial se a primeira tiver sido singular; 12. A realização da segunda perícia em moldes colegais mostra-se, no caso, imprescindível, pelas vantagens que acarreta na descoberta da verdade material; 13. A unanimidade dos três peritos (um deles indicado pelo GML) quanto a uma determinada conclusão desse relatório pericial, ressalvando, claro, as situações de erro técnico (muito menos provável de ocorrer com a intervenção de três peritos), constituiria uma absoluta certeza por parte do Tribunal de que a situação médica a examinar foi bem avaliada e não oferece qualquer dúvida, nem mesmo para a parte que, eventualmente, pudesse ser menos favorecida com tal conclusão.

  6. Mesmo nas situações em que essa unanimidade não se verificasse, a intervenção de três peritos seria útil para que o Juiz, na qualidade de perito dos peritos, se pudesse aperceber das diferentes perspectivas que a mesma situação médica pode merecer, podendo formar a sua convicção de uma forma mais sustentada ou até aprofundar as matérias em que se verificasse essa divergência, de forma a apreciar a eventual justificação para a ausência de unanimidade nas respostas.

  7. A eventual discordância de um perito quanto às conclusões obtidas pelos demais, se fundada em razões sólidas, seria decisiva para que o Tribunal pudesse evitar uma decisão baseada em pressupostos inexactos.

  8. Do mesmo passo, a presença e discussão entre os peritos, no decurso do próprio exame, dessas eventuais diferenças de perspectiva poderia ser suficiente para evitar conclusões erradas e ser conducente à pretendida unanimidade.

  9. Sem se colocar em causa a idoneidade dos peritos do INML, o exame já realizado reflectirá a perspectiva uniforme desta instituição quanto à situação médica da autora, não sendo de esperar relevantes alterações numa segunda perícia feita por outros médicos do mesmo Instituto de Medicina Legal; 18. Tendo a recorrente discordado do resultado do exame médico, foram também postas em causa, precisamente, as metodologias que ao mesmo levaram, as quais se deve presumir terem sido seguidas pelo perito, como também o seriam por quaisquer outros nomeados pelo mesmo Instituto para intervenção na segunda perícia.

  10. O processo conhece já a perspectiva do INML relativamente a esta situação médica e à valorização que deve merecer do ponto de vista médico-legal.

  11. Essa perspectiva dificilmente será alterada se se pedir a um perito da mesma instituição que avalie a situação médico-legal da A.

  12. Assim, salvo melhor opinião, o processo não carece de uma repetição do primeiro exame, mas antes de um novo elemento de prova que uma segunda perícia colegial, com a intervenção de três peritos, dois deles nomeados pelas partes, poderia trazer.

  13. Sejam quais forem as regras processuais em vigor em cada momento, nunca será propósito do legislador impor ao Tribunal o julgamento dos factos com base numa perspectiva forçadamente limitada ou insuficiente da realidade relevante.

  14. Bem pelo contrário, o objectivo último do legislador é o de garantir uma solução justa para o litígio, mediante o apuramento, o tanto mais detalhado quanto possível, dos factos em análise.

  15. Estando ao alcance do Tribunal ordenar uma diligência que garantirá essa maior amplitude na análise e, portanto, propiciará uma mais acertada constatação e avaliação dos factos médicos carecidos de prova, não vemos como possível que se possa rejeitar a sua realização nos moldes propostos.

  16. Atendendo ao relevante contributo que a discussão da questão médica a apurar por três peritos poderia trazer ao processo, será se convocar ainda a regra do artigo 547.º do CPC, como forma de admitir a perícia em moldes colegais, com intervenção de peritos das partes, o que expressamente se requer.

  17. A douta decisão sob censura violou as regras dos artigos 468º n.º 1 alínea b) e nº 2 do CPC e 21º n.º 3 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto.

    Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, ordenando-se, assim, a realização de segunda perícia médica na pessoa da autora, em moldes colegiais, com três peritos, um deles indicado pelo Tribunal e dois outros pelas partes, como é de inteira e liminar JUSTIÇA!” Nas contra-alegações, a autora concluiu pela improcedência o recurso.

    Este foi admitido por despacho de 07-07-2014 (fls. 70) como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

    Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

    1. QUESTÕES A RESOLVER Sendo as conclusões que definem o thema decidendum e balizam os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC) –, no caso, a única questão a decidir consiste em saber se e em que termos, numa acção para efectivação de responsabilidade civil por danos, tendo sido ordenada segunda perícia médico-legal, esta deve ser colegial.

    2. FUNDAMENTAÇÃO Além dos relatados, há que considerar mais os seguintes, resultantes dos autos: 1. A presente acção visa efectivar a responsabilidade civil extracontratual ou por factos ilícitos, emergente de um acidente de viação, reclamando a autora o direito de ser indemnizada pelos danos em consequência dele sofridos.

  18. Tem o valor de 44.475,76€.

  19. Em 19-12-2012, foi realizado exame pericial de clínica forense para avaliação do dano corporal em direito civil no Gabinete Médico-Legal da Guarda do Instituto Nacional de Medicina Legal e elaborado o correspondente Relatório com data de 30-08-2013.

  20. Na sequência, a apelante solicitou que o respectivo Perito esclarecesse: a) em que concretos dados clínicos se baseou para, no item “Perturbações Persistentes de Humor”, ter fixado um défice de 8 pontos, uma vez que não está descrita nenhuma patologia psiquiátrica; b) quais as concretas limitações observadas na pessoa da autora durante o exame objectivo quanto aos itens “limitação da flexão plantar”, “rigidez da flexão dorsal” e “equinismo ou pé talo irreversível”; c) a razão de ter considerado haver “repercussão permanente na actividade sexual”; e d) quais os dados concretos que justificam a admissão da existência de dano futuro.

  21. Na sequência da resposta escrita a tal pedido, em 28-01-2014 (fls. 24), veio a apelante, insatisfeita – por não concordar com a justificação quanto à questão da citada alínea a) entendendo que não existe a descrita patologia do foro psiquiátrico que, por referência à Tabela, justifique a pontuação atribuída ao respectivo item; com a aplicação, por...

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