Acórdão nº 1155/09.4TBVRL.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS PORTELA
Data da Resolução30 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº1155/09.4TBVRL.P1 Tribunal recorrido: 3º Juízo de Vila Real Relator: Carlos Portela (579) Adjuntos: Des. Pedro Lima Costa Des. José Manuel de Araújo Barros Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório: B…, residente na Rua …, n.º .., Lisboa, instaurou a presente acção declarativa de condenação com a forma de processo sumário contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 15.500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e morais decorrentes das decisões constantes de duas sentenças proferidas no âmbito do Processo Comum Singular n.º 509/04.7TAVRL, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real.

Regularmente citado para contestar, o Réu devidamente representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público contestou invocando a excepção peremptória da prescrição do direito de accionar relativamente aos alegados danos fundados na sentença de 5.12.2005, mais impugnando os factos alegados pelo Autor na sua petição inicial e nos quais este funda o seu pedido, concluindo assim e quanto a estes pela absolvição do pedido.

O Autor respondeu pugnando pela improcedência da excepção de prescrição.

Os autos prosseguiram os seus termos, tendo sido proferido despacho que saneou o processo relegando para decisão final o conhecimento da matéria excepcional invocada, fixou a matéria de facto assente e elaborou base instrutória com os factos ainda controvertidos.

Tal despacho não foi objecto de qualquer reclamação.

Produzida a prova tida por atinente, realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual se proferiu sentença na qual se julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência se absolveu o Réu do pedido contra si formulado pelo Autor.

Inconformado com o teor da mesma, dela veio recorrer o Autor, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações.

O Ministério Público em representação do Estado respondeu.

Foi proferido despacho que teve o recurso por tempestivo e legal, admitindo o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Recebido o processo nesta Relação foi emitido despacho que considerou que o recurso é o próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao seu conhecimento, cumpre apreciar e decidir o recurso em apreço.

*II. Enquadramento de facto e de direito: Resulta dos autos que a presente acção foi proposta em 17.07.2009 e que a sentença recorrida foi proferida em 09.11.2013.

Assim sendo e atento o disposto nos artigos 5º, nº1 e 7º, nº1 da Lei nº41/2013 de 26 de Junho ao presente recurso devem ser aplicadas as regras processuais postas a vigorar por este último diploma legal.

Ora como é sabido, o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório estão definidas pelo teor das conclusões vertidas pelo Autor/Apelante nas suas alegações de recurso (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do NCPC).

E é o seguinte o teor das mesmas conclusões: 1 - Por sentença do Tribunal Judicial de Vila Real decretada em 5 de Dezembro de 2005, o arguido no processo de difamação respectivo em que o Recorrente era assistente foi absolvido.

2 - O Assistente e aqui Recorrente recorreu desta sentença e o Tribunal então apelado, o Tribunal da Relação do Porto (TRP), deu razão ao Assistente e aqui Recorrente e revogou a sentença decretada, considerando-a padecer de insuficiência, contradição e de erro notório.

3 - O TRP, através de Acórdão proferido em 14 de Novembro de 2007, ordenou então ao Tribunal Judicial de Vila Real que procedesse a novo julgamento circunscrito às questões que constituíam a insuficiência, a contradição e o erro notório da sentença revogada, isto é, para apurar o tipo de dolo do arguido no processo de difamação (se dolo necessário, se dolo eventual), pois dúvidas não existiam sobre a sua culpa e sobre a sua condenação.

4 - Não obstante, por sentença proferida em 16 de Julho de 2008, o arguido foi absolvido nos exactos termos em que havia sido absolvido em 5 de Dezembro de 2005.

5 - O Assistente e aqui Recorrente recorreu desta sentença para o TRP, alegando, desde logo e antes da impugnação da apreciação da matéria de facto, a nulidade da sentença por desrespeito a uma decisão injuntiva dum Tribunal superior – o Acórdão do TRP de 14 de Novembro de 2007.

6 - Em 18 de Março de 2008, o TRP decidiu este Recurso, dando razão ao Assistente e aqui Recorrente e considerando que o Tribunal Judicial de Vila Real não acatou a decisão que lhe foi ditada pelo TRP.

7 - Neste Acórdão, o TRP concluiu que o Tribunal Judicial de Vila Real violou as regras da hierarquia funcional do sistema judicial e as regras da competência em razão da hierarquia e que essa violação, pela sua gravidade, põe em causa o fim último do processo penal e a realização da justiça.

8 - O tribunal recorrido considerou que o A. e Recorrente, devido às decisões do Tribunal Judicial de Vila Real sucessivamente revogadas, sofreu os danos e prejuízos elencados nas alíneas n) a v) da sentença.

9 - A sentença recorrida considera que a Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, só se aplica aos factos consistentes na sentença de 16 de Julho de 2008, a qual desobedeceu ao TRP, e aos danos provenientes desta sentença considerada nula com a gravidade de pôr em causa o fim último do processo penal e a realização da justiça, como diz o próprio TRP no Acórdão de 18 de Março de 2009.

10 - Quanto à sentença de 16 de Julho de 2008, no entanto, considera o tribunal recorrido que a desobediência a uma injunção directa dum tribunal superior não é uma actuação judicial que de forma evidente seja contrária à lei e à Constituição, não é desconforme ao direito e que pode aceitar-se como uma das soluções plausíveis de direito (quarto parágrafo da página 14 da sentença recorrida) e que essa desobediência é uma questão estritamente jurídico-processual, sem gravidade suficiente para integrar o conceito de erro judiciário (página 16 da sentença recorrida).

11 - É inconstitucional, por violação dos nº 1, 4 e 5 do artigo 20º, do nº 2 do artigo 202º, do artigo 203º, dos nº 2 e 3 do artigo 205º, da alínea a) do nº 1 do artigo 209º e do nº 4 do artigo 210º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a interpretação que o tribunal recorrido fez da norma do nº 1 do artigo 13º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, segundo a qual a violação do dever dos tribunais de comarca respeitarem e obedecerem às decisões dos tribunais superiores proferidas em vias de recurso, constante das regras de repartição das competências pelos tribunais em razão da hierarquia fixadas pelos artigos 16º e 19º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, na versão em vigor em 16 de Julho de 2008 e expresso como único limite à independência dos juízes no nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ, Lei 21/85, de 30 de Julho, na actual redacção), é uma questão meramente jurídico-processual que não constitui uma decisão judicial que determina materialmente a situação submetida ao tribunal, mesmo quando desobedece em absoluto ao comando para apreciação da matéria de facto que o tribunal superior lhe ordenou proceder, e, por isso, não é susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro judiciário.

12 - É inconstitucional, por violação do artigo 22º da CRP, a interpretação que o tribunal recorrido fez da norma do nº 1 do artigo 13º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, segundo a qual a violação do dever dos tribunais de respeitarem e obedecerem às decisões dos tribunais superiores proferidas em vias de recurso, constante das regras de repartição das competências pelos tribunais em razão da hierarquia fixadas pelos artigos 16º e 19º da lei 3/99, de 13 de Janeiro, na versão vigente em 16 de Julho de 2008, e expresso como único limite à independência dos juízes no nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de Julho, na actual redacção), não é uma decisão que de modo evidente seja contrária à Constituição ou à lei, não é desconforme ao direito e não pode deixar de se aceitar como uma solução plausível de direito, não revestindo, por isso, a gravidade suficiente para constituir uma ilicitude integradora do conceito de decisão manifestamente inconstitucional ou ilegal previsto naquele nº 1 do artigo 13º da Lei 67/2007.

13 - A desobediência por parte dum tribunal de comarca face a um acórdão dum Tribunal da Relação proferido em sede de recurso daquela decisão de primeira instância é indubitavelmente uma decisão manifestamente inconstitucional e ilegal.

14 - Essa decisão desobediente viola frontalmente os artigos 20º, nº 1, 4 e 5, 202º, nº 2, 205º, nº 2209º, nº 1, alínea a) e 210º, nº 4 da CRP, viola frontalmente os artigos 16º, 19º, nº 1 do artigo 47º e alínea a) do artigo 56º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, na versão em vigor em 16 de Julho de 2008, e, ainda, o nº 1 do artigo 4º do EMJ.

15 - A sentença de 16 de Julho de 2008 é, pois, intensamente ilícita e constitui um erro crasso, indesculpável, contrário à CRP e à lei, desconforme com o direito, inaceitável como solução jurídica plausível.

16 - Isso mesmo diz o Acórdão do TRP de 18 de Março de 2009 e o tribunal de comarca que decretou a sentença aqui recorrida transcreve-o mesmo, logo, não o ignora: “A decisão proferida, em recurso, pelo Tribunal de superior instância, confirmando, ou alterando as decisão recorrida; ordenando – se disso for o caso – a repetição total do julgamento ou a repetição apenas parcial (delimitada às questões nela definidas), vincula o Tribunal de hierarquia inferior, impendendo sobre o Juiz titular do mesmo o dever de cumprir e acatar essa decisão.

Não o fazendo – e analisada a questão, estritamente, do ponto de vista jurídico processual -, viola as regras da hierarquia funcional em que os Tribunais se estruturam e, consequentemente, as regras da competência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT