Acórdão nº 831/11.6SMPRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Outubro de 2014
Magistrado Responsável | AUGUSTO LOUREN |
Data da Resolução | 22 de Outubro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. nº 831/11.6SMPRT.P2 Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO No âmbito do processo nº 831/11.6SMPRT, que correu termos no 1º Juízo Criminal do Porto, foi a arguida, B… julgada pelo crime de difamação, p. e p. pelo artº 180º nº 1 do cód. penal, tendo sido proferida a seguinte decisão: - «Tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se: - Julgar improcedente por não provada a acusação particular, acompanhada pela acusação pública, e, em consequência: - Absolve-se a arguida B… da imputada prática, em autoria material, de um crime de difamação, p. p., pelo art. 180º nº 1 do Código Penal.
- Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal.
Julgar totalmente improcedente por não provado o pedido de indemnização civil e, em consequência: - Absolve-se a demandada B… do pedido; - Absolve-se a demandada Banco C…, SA do pedido.
Custas cíveis pela demandante/assistente, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal».
*Inconformada com a decisão, veio a assistente D… a recorrer nos termos de fls. 412 a 430, terminando com as seguintes conclusões: «1. «Deve ser alterada para “provada” a factualidade elencada nas alíneas AA) e BB) dos factos dados como não provados já que da mesma logrou ser efectuada prova concludente, quer por a mesma decorrer até da factualidade dada como provada nas alíneas B), C), E) e O) da matéria provada; 2. Estando as famílias da assistente e arguida desavindas, como se provou no fim-de-semana anterior aos factos, tinha ocorrido discussão entre a assistente e a mãe da arguida, nenhuma outra motivação se alcançasse ou sequer fosse aventada pela arguida que optou pelo silêncio, para a postagem da mensagem referida em C) dos factos provados; 3. Provado que a arguida foi a autora da mensagem, de fls. 3 se alcança que o fez de forma a ocultar a sua autoria e identidade, o que obviamente, é revelador da sua consciência de ilicitude do comportamento em questão, como sabendo que a mesma era funcionária da empresa onde a postou, que atingia a reputação desta no seu local de trabalho e junto da sua entidade patronal; 4. Atento ainda o teor da mensagem de fls. 3 classificando a assistente como sendo uma pessoa “mal formada, grosseira e com linguagem pouco própria”, a arguida põe em questão a idoneidade moral da assistente para o exercício das suas funções, acrescentando que “a empresa só tem a perder com colaboradores deste tipo”, evidenciando-se desta prova documental o animus não só de ofender a honra e reputação da assistente, mas de atingir a sua relação profissional com a entidade patronal respectiva.
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Mais acresce que, sendo a arguida licenciada em direito (alínea H) dos factos dados como provados), não podia a mesma ignorar a gravidade e ilicitude da sua conduta, por isso se explicando o uso de identidade falsa.
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E tão idóneas eram as imputações efectuadas para atingir a honestidade e reputação profissional da arguida que, como se extrai dos depoimentos das testemunhas E… e F…, nas passagens acima transcritas, que assim veio a acontecer.
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Pelo que, com fundamento na aludida prova documental de fls. 3 (o texto da mensagem), nos depoimentos transcritos das duas referidas testemunhas e na conjugação com as regras da experiência e os factos provados em B), C), E) e O), deve ser procedente a alteração.
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De igual modo, deve ser alterada a decisão quanto à matéria de facto no sentido de se dar como provada a factualidade que foi feita constar da alínea DD) dos factos não provados já que a respeito da mesma se logrou fazer prova concludente, no caso os depoimentos das testemunhas E…, sócio-gerente da sua entidade patronal e F…, colega de trabalho, que nas passagens acima transcritas, dão nota de como houve perda de confiança no desempenho profissional da assistente.
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Obviamente não foi despedida, nem sequer objecto de um processo disciplinar, mas a imediata alteração do grau de confiança nas suas funções que a introdução de alterações manifestamente evidenciadoras dessa quebra de confiança demonstra de forma concludente, impondo a alteração do decidido a tal respeito.
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Ainda como fundamento desta alteração, as próprias declarações da assistente na parte acima transcrita onde confirma essa alteração das funções decorrente do recebimento da mensagem em questão; 11. Consequentemente, com base nos mesmos fundamentos e nos mesmos meios de prova, o ponto M dos factos provados (“a assistente não teve consequências ao nível do seu posto de trabalho”) deve ser eliminado dos factos dados como provados e passar a integral os “não provados”.
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Tendo provada a autoria da arguida na mensagem colocada no site do G…, entidade patronal da assistente (alíneas A) a C) dos factos provados) e o seu conteúdo no qual a arguida alude à assistente como “mal formada, grosseira e com linguagem pouco própria”, acrescentando que “a empresa só tem a perder com colaboradores deste tipo” e que “sendo o que cada vez mais diferencia as empresas são os seus colaboradores, o Grupo deveria investigar a idoneidade moral da D…”, está comprovada a consumação do crime de difamação de que a arguida vinha acusada; 13. Considerada a existência de desavenças familiares entre a assistente e a arguida (alíneas B) e O) dos factos provados) o facto de esta não ser sócia nem ter qualquer relação com a entidade patronal da assistente, resulta evidente que a mensagem só teve o propósito de atingir a honorabilidade e reputação da assistente junto da sua entidade patronal, como exercício de maldade gratuita desprovida de qualquer justificação legítima; 14. Considerando que a arguida é uma funcionária bancária, licenciada em direito, obviamente não podia ignorar a ilicitude da sua conduta o que se torna evidente pelo requinte de criar uma identidade electrónica falsa para tentar dar credibilidade à mensagem; 15. O juízo de censura neste caso é ainda particularmente intenso já que, mais do que ofensas gratuitas e sem relação com a arguida, foram escolhidas imputações cirurgicamente destinadas a atingir a sua reputação profissional e honradez, como atingiram, junto da sua entidade patronal, onde a assistente vai buscar a sua subsistência; 16. Porém, ainda que daí não tivessem advindo quaisquer consequências para a assistente, a verdade é que a conduta da arguida já preencheria o pressuposto objectivo exigido pelo art. 180º do cód. penal referente ao crime de difamação; 17. Deve assim a decisão ser alterada a decisão proferida e substituída por outra que condena a arguida pela prática do crime de que vinha acusada; 18. Deve também ser alterada a decisão quanto ao pedido de indemnização cível condenando-se solidariamente as demandadas (arguida e Banco C…) no pagamento à demandante de uma indemnização de € 2.500,00 euros; 19. Dos factos provados na alínea J) e dos que se esperam ser dados como provados da alteração à decisão da matéria de facto (alínea DD) dos factos dados como não provados) resulta que a demandante/recorrente por via da actuação da arguida sofreu um dano não patrimonial ressarcível nos termos do disposto no artº 496º do cód. civil; 20. Salvo o devido respeito, resultou provado que a arguida estava no seu posto de trabalho, no horário de trabalho e foi através do mesmo que colocou a mensagem em causa (alíneas C) F) e H) dos factos provados).
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E, nesse posto de trabalho foi ainda possível à arguida efectuar tal postagem mediante recurso ao facto de ser uma utilizadora autorizada do servidor IP do Banco através do qual colocou a mensagem em questão (alínea F) dos factos provados).
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O artº 500º do cód. civil, não afasta a responsabilidade do comitente ainda que o facto danoso seja praticado pelo agente “intencionalmente ou contra as instruções daquele comitente”.
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Obviamente que, estando ao serviço e com recurso às ferramentas informáticas do Banco, se intencionalmente causa lesão a um terceiro, não deixa por isso o Banco em causa de ser solidariamente responsável como comitente.
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Tanto mais que tal só foi possível porque o Banco pelos vistos não estabeleceu como podia nos termos do artº 22º do CT mecanismos de controle e regulação da utilização do sistema informático de forma a impedir a postagem anónima de mensagens ofensivas a terceiros, durante o período de tempo e no local de trabalho; 25. A quantia reclamada de € 2500,00 afigura-se ajustada para ressarcir a demandante já que a arguida aufere um vencimento mensal líquido de € 2.200,00 (dois mil euros) e as exigências punitivas da indemnização demandam que a mesma signifique um “custo mínimo” aos responsáveis; 26. Violou, por isso, a sentença recorrida o disposto no art. 180º do cód. penal, os artº 124º, 368º e 377º do cód. procº penal e os arts. 483º e 562º e ss. do cód. civil.
Nestes termos e nos de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente, alterar-se a decisão quanto aos pontos da matéria de facto impugnados e, substituir-se por outra que condena a arguida pela prática do crime de que vem acusada aplicando-lhe a pena ajustada aos condicionantes provados.
Mais deve ainda ser alterada a decisão proferida quanto ao pedido de indemnização civil, substituindo-se por outra que condene as demandadas solidariamente a indemnizarem a recorrente no valor reclamado de € 2.500,00, acrescido de juros a contar da citação, por ser de inteira Justiça!».
*Recorreu igualmente o Ministério Público em 1ª instância tendo defendido a condenação da arguida, nos termos de fls. 384 a 411, concluindo: «1. Incide o presente recurso sobre o teor da douta sentença proferida nos autos, que decidiu pela absolvição da arguida B… da prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º, nº 1, do cód. penal.
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A arguida postou uma mensagem na página da internet da entidade empregadora da assistente com o seguinte conteúdo: "Deixo uma sugestão: sendo cada vez mais o que diferencia as empresas são os seus colaboradores, o Grupo...
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