Acórdão nº 12/13.4GDSTS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelL
Data da Resolução10 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)
  1. secção criminal Proc. nº 12/13.4GDSTS- A.P1 Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: Nos autos de inquérito n.º12/13.4GDSTS da 1ª secção da Procuradoria da Republica de Santo Tirso o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos B… e C…, pela prática cada um deles como autor material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p.p. pelo artº 152º, nºs 1,a) e e 2 do CP, imputando-lhes os seguintes factos: “. O arguido e B… foram casados entre si desde 03 de Maio de 1998 até 28 de Junho de 2012, altura em que se divorciaram – cfr. assento de casamento de fls. 142 e 143 que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos.

. Do casamento acima referido nasceu, em 26 de Maio de 2001, D… - cfr. assento de nascimento de fls. 150 e 151 que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos.

. No dia 05 de Janeiro de 2013, cerca das 19:20 horas, na via pública, na Rua …, …, Santo Tirso, na presença do filho menor de ambos, o arguido C… agarrou com força o braço direito da arguida B…, apelidou-a de puta e vaca e disse-lhe que, caso ela regressasse àquele local, a mataria.

. Por sua vez, a arguida B… agarrou o pescoço do arguido C… e apelidou-o de ladrão, bêbado e drogado.

. Em resultado das agressões supra descritas, a arguida B… sofreu traumatismo do braço direito e da perna e pé à esquerda, apresentando, no membro superior direito, equimose acastanhada com 1,5 cms de diâmetro no terço médio da face anterior do antebraço e no membro inferior esquerdo, equimose acastanhada com 2,5 cms de diâmetro sobre o 5º metatarsiano, equimose de cor azulada com 2 por 1 cms e com 3 cms de diâmetro no terço médio da face posterior da pena, o que lhe determinou 5 dias para a cura sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional – cfr. relatório médico-legal de fls. 11 a 13 que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos.

. Agindo da forma descrita, tinham os arguidos a vontade livre e a perfeita consciência de estar infligindo e sujeitando o outro arguido, seu ex-cônjuge a tratamentos cruéis e desumanos, causando-lhe danos psicológicos e ofendendo os seus bem-estar e equilíbrio emocionais, assim como a liberdade e segurança dos mesmos, designadamente, insultando, agredindo e, no caso do arguido C…, prometendo atentados à vida e integridade física da arguida B…, tudo na presença do filho menor de ambos, pelo que, adoptaram os dois arguidos intencionalmente as referidas condutas apesar de saberem que as mesmas eram, como são proibidas e puníveis por lei penal vigente.” Distribuídos os autos ao 1º Juízo Criminal do tribunal, a Srª Juiz proferiu despacho no qual não recebeu a acusação deduzida por considerar a mesma manifestamente infundada nos termos do artº 311º nº2 al.a) e nº3 do CPP com a seguinte fundamentação: (transcrição) (…) O Tribunal é competente. O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo criminal, não se verificam nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

*O M.P. acusa C… e B… da autoria, por cada um deles, de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art. 152º, nºs 1, al. a), e 2, Código Penal. Transcreve-se esse tipo legal nas partes pertinentes: 1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

2 – No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena d prisão de dois a cinco anos.

O bem jurídico protegido por esta norma é a saúde, tanto física como psíquica e, em derradeira instância, defende-se a própria dignidade humana, colocada em causa por tratamentos degradantes. As condutas típicas não estão taxadas. Podem ser de variada ordem, mas devem reconduzir-se a ofensas físicas (agressões no corpo) ou psicológicas (insultos, ameaças, humilhações, etc).

Ponto é que exista reiteração nas condutas, isto é, que sejam repetidas ou que, sendo apenas uma conduta, atinja uma gravidade tal que ponha em crise a protegida dignidade da pessoa humana. Isto é, a agressão há-de ter uma elevada intensidade. Caso contrário, não integrará este crime mas, eventualmente, um dos diversos que este engloba: ofensa à integridade física, injúria, difamação, ameaça entre outros.

Ora na acusação é apenas mencionado um acontecimento em que o arguido C… agarra com força o braço de B…, que lhe causaram equimoses, chama-a de puta e vaca e diz-lhe que a mataria se voltasse àquele local.

Por seu turno, o que B… fez foi, na mesma ocasião, chamar ladrão, bêbedo e drogado ao C….

Portanto, não há reiteração de comportamentos qualificáveis como maus tratos. Existe somente um episódio.

E os comportamentos referidos na acusação não têm gravidade suficiente para serem qualificados como de maus tratos para que se possa falar da prática de um crime de violência doméstica. O que se é mais evidente quanto aos factos imputados à arguida B… (limitou-se aos insultos) também é aplicável à actuação do arguido C….

É certo que quanto à arguida B… está dito na acusação que ela agarrou o pescoço do outro arguido. O que quanto a nós é um facto inócuo.

Acresce que dificilmente existirá violência doméstica quando os maus tratos são recíprocos, como se retira do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/1/2013, disponível em www.dgsi.pt, que aliás nega essa possibilidade.

Assim, não se concorda com a qualificação jurídica dos factos imputados aos arguidos. Entendemos nós que estes traduzirão a prática: - pelo arguido C… de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos art.s 143º, nº 1, 145º, nºs 1, al. a), e 2, por referência ao art. 132º, nº 2, al. b), um crime de coacção agravada na forma tentada, p.p. pelos art.s 154º, nº 1, e 155º, nº 1, al. a), por referência aos art.s 22º, 23º e um crime de injúria, p.p. pelo art. 181º, nº 1, todos do Código Penal.

- pela arguida B… de um crime de injúria, p.p. pelo art. 181º, nº 1, do Código Penal.

Sucede que, quanto aos crimes de injúria, nenhum dos arguidos acompanhou a acusação pública. Nem se constituíram assistentes. Logo, como aquele crime depende de acusação particular, o processo não pode prosseguir para apreciação desses factos por esse crime Corolário de tudo isto é que a acusação contra a arguida B… não pode ser recebida para julgamento por falta de legitimidade do MP para esse o efeito quanto ao crime de injúria. Entendendo-se que os factos descritos na acusação não são subsumíveis aos crime de violência doméstica.

Recebe-se apenas a acusação contra o arguido C… pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos art.s 143º, nº 1, 145º, nºs 1, al. a), e 2, por referência ao art. 132º, nº 2, al. b),e de um crime de coacção agravada na forma tentada, p.p. pelos art.s 154º, nº 1, e 155º, nº 1, al. a), por referência aos art.s 22º, 23º.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 311º, nºs 2, al. a), e 3, CPP rejeita-se a acusação do M.P. deduzida contra a arguida B….

* Recebe-se a acusação do MP de fls. 168 e e ss, contra o arguido - C…, id a fls. 168 pela prática dos seguintes factos: 1º O arguido e B… foram casados entre si desde 03 de Maio de 1998 até 28 de Junho de 2012, altura em que se divorciaram – cfr. assento de casamento de fls. 142 e 143 que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos.

  1. Do casamento acima referido nasceu, em 26 de Maio de 2001, D… - cfr. assento de nascimento de fls. 150 e 151 que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos.

  2. No dia 05 de Janeiro de 2013, cerca das 19:20 horas, na via pública, na Rua …, …, Santo Tirso, na presença do filho menor de ambos, o arguido C… agarrou com força o braço direito da arguida B…, apelidou-a de puta e vaca e disse-lhe que, caso ela regressasse àquele local, a mataria.

  3. Em resultado das agressões supra descritas, a arguida B… sofreu traumatismo do braço direito e da perna e pé à esquerda, apresentando, no membro superior direito, equimose acastanhada com 1,5 cms de diâmetro no terço médio da face anterior do antebraço e no membro inferior esquerdo, equimose acastanhada com 2,5 cms de diâmetro sobre o 5º metatarsiano, equimose de cor azulada com 2 por 1 cms e com 3 cms de diâmetro no terço médio da face posterior da pena, o que lhe determinou 5 dias para a cura sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional – cfr. relatório médico-legal de fls. 11 a 13 que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos.

  4. Agindo da forma atrás descrita, tinha o arguido C… a vontade livre e a perfeita consciência de estar agredindo e prometendo atentados à vida e integridade física de B…, tudo na presença do filho menor de ambos, pelo que, adoptou o arguido intencionalmente as referidas condutas, apesar de bem saber que as mesmas eram, como são, proibidas e puníveis por lei penal vigente.

Factos que traduzem a prática pelo arguido, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos art.s 143º, nº 1, 145º, nºs 1, al. a), e 2, por referência ao art. 132º, nº 2, al. b), e um crime de coacção agravada na forma tentada, p.p. pelos art.s 154º, nº 1, e 155º, nº 1, al. a), por referência aos art.s 22º, 23º todos do Código Penal.

Alterando-se, assim, a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública.

*A alteração da qualificação jurídica dos factos implica que a soma das penas máximas abstractamente aplicáveis ultrapasse os cinco anos de prisão. Assim, a fim de determinar qual o tribunal competente abra vista ao M.P. para dizer se pretende lançar mão...

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