Acórdão nº 119/14.0PGGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução10 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 119/14.0PGGDM.P1 Gondomar Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto (2ª secção criminal) I. RELATÓRIO No processo sumário nº 119/14.0PGGDM, do extinto 1º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Gondomar, foi submetido a julgamento o arguido B…, com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida oralmente a 7 de agosto de 2014 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo totalmente provada a acusação pública e, em consequência: a) Condeno o arguido B…, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 300,00 (trezentos euros); b) Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.

*Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.”*Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões: “1° - Foi o Arguido condenado pelo crime de condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias à taxa diária de € 5,00, perfazendo o valor global de € 300,00.

  1. - O Arguido, ora recorrente, não se conforma com a douta Sentença proferida.

  2. - As penas parcelares impostas ao ora recorrente são excessivas e devem ser reduzidas para medidas que se aproximam dos respectivos limites mínimos.

  3. - O digno Tribunal a quo apurou os seguintes factos, com maior relevo para a presente questão: "Que no dia 19 de Julho de 2014, por volta das 15h30, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula..-..-FL, na …, em …".

  4. - "Que o arguido não era titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir aquele veículo na via pública".

  5. - Que o arguido «agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não se encontra habilitado para conduzir na via pública o veículo que conduzia." 7º - O Arguido encontra-se inscrito na escola de condução desde 19 de Maio de 2014." 8º - Que relativamente ao Arguido "Não existem antecedentes criminais registados".

  6. - Que «A convicção do tribunal assentou no depoimento da testemunha indicada pela Acusação, o agente da PSP, que testemunhou de forma cristalina e directa".

  7. - Que "acresce ainda que o depoimento da testemunha oferecida pelo Arguido, a única que esteve no local, não depôs de modo a infirmar o depoimento da testemunha indicada pela acusação, tanto mais que o seu depoimento foi pautado pela fragilidade das suas afirmações, já que não conseguiu apresentar uma justificação plausível para o facto de o Arguido, pretendendo dirigir-se para um café com a testemunha, ter saído do lugar do passageiro, sentar-se no lugar do condutor e acionar o motor, sendo que o argumento da curiosidade não colhe, já que o expectável é que a curiosidade não joga a favor do arguido e levasse a que para além de acionar o motor, iniciasse a condução." 11º - Por outro lado, também a versão dos factos dada pelo Arguido carece de razoabilidade, já que a curiosidade, como já indicamos, por si só não justifica nem pode justificar os factos." 12º - Qualquer que seja a decisão, relativamente à apreciação que vier a ser feita às questões infra alegadas, bastariam estes factos supra enunciados, para tirar ilações relativamente ao ilícito criminal preenchido pela conduta do recorrente.

  8. - Impondo ao venerando Tribunal ad quem, atentar, in casu para com a sempre eterna e recorrente questão da eventual inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato.

  9. - Recordando, se bem que seja possível descortinar um bem jurídico protegido por esta incriminação cuja determinação e precisão são constitucionalmente aceitáveis ao ponto de permitir esta restrição da liberdade - esse bem é, necessariamente, a segurança rodoviária -, aceitando-se ainda, de uma outra perspectiva, um grau razoável de antecipação de proteção de bens singulares - bens pessoais e o património -, a verdade é que falece a relação necessária entre a proteção ora referida e a incriminação em causa.

  10. - Os crimes de perigo abstrato, quando se apresentem como um «bem jurídico intermédio especializado», ou de referente individual, admitem o fortalecimento da sua legitimidade democrática por poderem ser apreendidos como crimes de lesão desses bens intermédios.

  11. - No entanto, a proibição de que aqui se trata devia estar remetida ao Direito de Mera ordenação Social porque o «substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal».

  12. - Desta forma o ilícito em causa aparece como meramente formal, sem a preexistência de um bem jurídico-penal que apresente o referente axiológico juridico-constitucional que permita a sua validade.

  13. - Não deve ser esta a técnica de fundamentação de bens jurídicos protegidos em Direito Penal pois, independentemente do acolhimento de bens de natureza mais ou menos precisa, de tutela mais ou menos antecipada, não é possível punir criminalmente alguém com base em raciocínios formais, meras lógicas de títulos ou autorizações administrativas, que apenas se entendem segundo critérios de ordenação social.

  14. - A inconstitucionalidade material é a consequência desta apreciação, por aferição com o art.º 18.º, n.º 2 da CRP quo exige um fundamento de valor essencial para permitir restrições de direitos, liberdades e garantias.

  15. - Desta forma importará suscitar a questão da inconstitucionalidade do art.° 3.º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/2 com fundamento na sua inconstitucionalidade, ao abrigo do art° 207.º da Constituição.

  16. - A questão de constitucionalidade que importará averiguar no presente processo consiste em apurar se existe um fundamento de valor essencial para se proceder à incriminação da condução sem habilitação legal - prevista no art.º 3.º n.º 2. do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de janeiro - e, assim, tendo por parâmetro o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, proceder a uma constrição do direito do sujeito a julgamento criminal por aquele ilícito, sabido como é que, num Estado de direito democrático e social, o Direito Penal deverá ter um caráter fragmentário, cumprindo uma função de ultima ratio.

  17. - Isto conduz a que é mister saber se o estatuído no art.º 3.º, n°2, do Decreto-Lei em causa viola o princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal.

  18. - Do exposto resulta que se haverá de concluir que a norma em apreço poderá não apresentar aquele mínimo de ressonância ética que expressa os valores da coletividade consequentemente não se mostrando, ao desenhar como ilícito criminal a conduta nela tipificada, como desproporcionada, excessiva de uma justa medida e, por isso, se afigurando como incompatível com a dignidade humana o sancionamento criminal que leva a efeito.

  19. - A tal solução, salvo melhor entendimento, se deverá chegar quando se confronta a situação em apreço com aquela a que se reportam os casos em que somente é sancionado com uma...

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