Acórdão nº 281/12.7TAVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução10 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

P.281/12.7TAVLG.P1 Acordam, em conferência, os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No processo n.º281/12.7TAVLG.P1 que correu termos pelo 2ºJuízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto [entretanto extinto], o assistente B…, não se conformando com o despacho de arquivamento com que o Ministério Público encerrou a fase de inquérito, requereu a abertura de instrução, no termo da qual foi proferida decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos C… e D… pelos crimes de burla qualificada e de infidelidade.

Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o assistente, extraindo da motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: I. “Vai o presente recurso interposto da decisão instrutória do juiz a quo que determinou a não pronúncia dos arguidos, pela prática dos crimes de burla qualificada e de infidelidade, p.p. respetivamente nos artigos 218.° e 224.° do CP.

  1. Contrariamente ao entendimento sufragado, entende o recorrente que a partir da análise dos elementos de prova carreados para os autos é possível afirmar que há indícios suficientes para a pronúncia dos arguidos pela prática dos crimes de burla qualificada e infidelidade.

  2. Para uma decisão de pronúncia a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime; antes basta a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito.

  3. A pretexto de ludibriar com as “auspiciosas" possibilidades de um elevado retorno financeiro do capital investido na suposta empresa “E…" (cerca de 20%), os arguidos dolosamente lesaram o património do recorrente.

  4. O primeiro arguido informou ao recorrente que a empresa “E…" tinha sede no Dubai e que investia em vários sectores de atividade por todo o mundo.

  5. Algo de semelhante também dizia o sitio da Internet da “E…” «http://E1…. com».

  6. A existência de um sítio na Internet e a necessidade de registo dos investidores nesse mesmo portal conferiam à “E…” e à versão dos arguidos uma quase inabalável segurança, o que levou o recorrente a fazer a entrega do montante de 30.000€.

  7. O recorrente só percebeu que o tipo de investimento oferecido pelos arguidos era do tipo “multinível’ mais tarde, quando se deparou com o encerramento da plataforma informática.

  8. Se o recorrente soubesse de antemão que estava perante um esquema do tipo “multinível”, informação esta omitida pelos arguidos, jamais teria tido investido.

  9. Pelas declarações do segundo arguido perante o Ministério Público verifica-se que este se manteve como investidor da “E…” até Setembro/Outubro de 2010, sabendo das dificuldades de cumprimento, e mesmo assim não se coibiu de agir no sentido de prejudicar o património do recorrente e disso tirar proveito.

  10. Também em relação ao primeiro arguido, a burla tornou-se evidente quando o recorrente percebeu que a conta que aquele lhe disponibilizou já existia desde 7.07.2010 (com o pseudónimo de F…).

  11. Ficou ainda suficientemente demonstrado que o recorrente nunca teve o propósito de investir num esquema multinível nem foi nada disso que lhe foi garantido pelos arguidos.

  12. Da prova carreada para o processo ficou demonstrado que os arguidos usaram a suposta empresa “E…” como fachada para praticarem os crimes de burla qualificada e infidelidade contra o recorrente.

  13. Se considerarmos que ambos os arguidos eram investidores na suposta empresa "E…” – tal como alegaram nos seus depoimentos –, e que sabiam das dificuldades em reaverem o seu capital aplicado – tendo tido inclusivamente prejuízos, tal como afirmaram –, então nenhuma razão haveriam de ter para iludir o recorrente a fazer parte de um negócio que já não oferecia “vantajosos lucros", senão com o propósito de obterem para si enriquecimento (ilícito) XV. Sabendo os arguidos que desde o dia 1 de Agosto do ano de 2011 a suposta “E…" havia deixado de aceitar novos membros, não sendo possível a inscrição de novos participantes na sua plataforma (e considerando ainda ser um negócio piramidal), não tinham outro motivo para convencerem o arguido a fazer o “investimento” de 30.000€ que não fosse o enriquecimento ilícito.

  14. Importa também referir que a convicção formada pelo juiz de instrução desprezou a prova testemunhal arrolada pelo recorrente, ancorando a sua convicção nas declarações prestadas pelos arguidos.

  15. Ao ter valorado as declarações dos arguidos, o despacho de não pronúncia olvidou que a natureza destas declarações como meio de prova é uma decorrência do seu direito de defesa.

  16. Quanto à prova testemunhal arrolada pelo assistente depuseram os seus dois filhos, G… e H… que, ainda de forma indirecta, sabiam dos factos e disso deram conhecimento ao tribunal de forma imparcial e convincente.

  17. A testemunha H… referiu ainda um encontro com os arguidos em que esteve presente e no qual a encenação continuou.

  18. Quanto às declarações da testemunha B1…, não foi possível obter cópia do registo magnético das mesmas (impossibilidade técnica do tribunal) mas daquilo que foi tomado nota, referiu que também ele foi aliciado e enganado pelo primeiro arguido.

  19. Face à prova produzida em sede de inquérito e também na fase de instrução não faltam indícios suficientes para a pronúncia e futura condenação dos arguidos.

  20. Não deve subsistir dúvida quanto ao facto de os arguidos terem usado a inexperiência do recorrente no mundo do mercado de capitais para o convencer a dispor a quantia exigida de 30.000€, nomeadamente apresentando-lhe informações (falsas) e o sítio online da empresa, dando a impressão de que tudo pareceria ser legítimo.

  21. Do conjunto da prova resulta que a astúcia utilizada pelos arguidos prefigura “um meio de enganar, com especial habilidade, direcionada ao aproveitamento ou mesmo criação de condições que lhe confiram particular credibilidade".

  22. Visto de outro prisma, concluir-se-á que não fossem as várias interpelações enganosas dos arguidos, o recorrente não teria sido levado a causar prejuízos ao seu património, colocando em dificuldades financeiras o sustento de sua própria família.

  23. Por outro lado, basta uma simples consulta à internet com as palavras-chave do nome do segundo arguido “D…” e rapidamente se chega à conclusão de que há indícios de que este arguido se dedica a esta atividade de forma habitual.

  24. Consequentemente, devem os arguidos responder pelo crime de burla qualificada, consoante o previsto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 218.° do CP.

  25. O recorrente confiou aos arguidos a quantia de 30.000€, valor este que, mediante ao acordado, deveria ter sido investido na empresa “E…”, mas em contrapartida jamais teve qualquer retorno, o que configura o crime de infidelidade, previsto e punido pelo art. 224.° do Código Penal.

  26. Face aos elementos de prova carreados aos autos verifica-se que o douto despacho de não pronúncia violou o disposto nos artigos 217.°, 218.°, n.º 1 e 224.° do Código Penal e artigo 308.° n.º 1 do CPP, porquanto foram recolhidos indícios suficientes da prática dos crimes imputados aos arguidos”.

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.347 a 371].

O arguido D… apresentou também resposta ao recurso, sustentando que a decisão recorrida deve ser confirmada [fls.379 a 384].

Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º n.º1 do C.P.Penal, a Exma.Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que se pronunciou pela improcedência do recurso [fls.391].

Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida O despacho recorrido, no que se reporta à fundamentação de facto e respectiva motivação, tem o seguinte teor: «FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Da análise desses elementos de prova não resulta evidente, factos que permitam concluir por indícios suficientes da prática do crime de burla qualificada p.p. pelos artsº 217, 218° nº1 do Cod. Penal pelos arguidos e deste modo poder responsabilizá-los criminalmente para além dos constantes do arquivamento de fls.121 a 125.

MOTIVAÇÃO DE FACTO: A convicção do Tribunal fundou-se na análise de toda a prova documental constante dos autos, devidamente conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de inquérito, cujos depoimentos constam de fls. 91/93, 96 a 100 e das testemunhas ouvidas nesta fase de instrução quer através de carta precatória, quer presencialmente neste Tribunal e cujo depoimento consta de fls.221.

Assim, e pese embora os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de instrução, os seus depoimentos denotaram um conhecimento indireto dos factos já que tomaram conhecimento dos factos através da versão que lhes foi dada pelo assistente, não assistiram aos contornos do negócio celebrado...

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